DestaqueJazz News

A arte do trio de Brad Mehldau

Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil, 18/06/2016Brad Mehldau Montagem

Em 1996, quando tinha 26 anos, o pianista Brad Mehldau gravou para a Warner o primeiro dos cinco volumes da série The Art of the Trio, em união estável e sempre harmoniosa com o baixista Larry Grenadier e o baterista Jorge Rossy. Em 2005, Jeff Ballard substituiu Rossy, sem alterar a reputação e a altíssima qualidade do combo, que passou a merecer, no jazz moderno, a mesma reverência devida aos trios de Bill Evans (1929-1980) e de Keith Jarrett (com Gary Peacock e Jack DeJohnette).

As improvisações “composicionais” de Mehldau, mesmo a partir de standards jazzísticos ou de temas do cancioneiro mais pop, não camuflam a sua erudição e o seu virtuosismo, comparáveis ao mais “exibicionista” Keith Jarrett – considerado por alguns críticos o Glenn Gould do jazz. Ambos não podem evitar que em suas telas musicais surjam vultos de Brahms e Beethoven. Mas também de Bill Evans, Bud Powell e até de Thelonious Monk. Ambos são mestres do chiaroscuro melódico-harmônico.

O trio de Brad Mehldau reaparece agora nas lojas virtuais com o CD Blues and Ballads (Nonesuch Records), quatro anos depois de Where Do you Start, editado pelo mesmo selo. As sete faixas do novo álbum não são tão novas assim. Quatro foram gravadas em 2012 e as demais em 2014. Mas formam um todo harmônico impecável, acessível, sem grandes rompantes, que reflete muito bem a simplicidade do título. Há mais baladas do que blues na coleção. No entanto, o engenho e a arte do grande pianista – e de seus cúmplices – transformam em finas iguarias ingredientes aparentemente simples.

As faixas mais longas do disco são Since I fell for you (10m55), de Buddy Johnson (1915-1977), e My Valentine (10m10), de Paul McCartney. A primeira tem um tratamento decididamente bluesy, com Mehldau criando contrastes abruptos entre os registros agudo e grave do teclado. A canção de McCartney, basicamente uma balada, é também temperada pelo condimento da blue note, numa interpretação magistral do trio.Cheryl (7m35) – o tema bop de Charlie Parker, basicamente um blues – é o momento mais swinging do álbum, com solos do baixista Grenadier (mais de dois minutos) e do baterista Ballard (mais de um minuto).

As baladas propriamente ditas são: I concentrate on you (7m20), de Cole Porter, que começa no balanço do samba; These foolish things(6m), numa recriação muito original, em que o pianista ressalta o seu lado “erudito”; And I love her (9m25), de Lennon-McCartney, “recomposta” em contrastes rítmicos e harmonias surpreendentes; Little person (3m50),de Jon Brion.

Dave Gelly, do inglês The Observer, definiu muito bem a arte de Brad Mehldau, ao comentar o CD Blues and Ballads: “Em vez do usual método jazzístico de improvisação a partir de um tema de maneira exaustiva, repetidamente, na base dos choruses, ele toca a melodia com poucas variações, e então envereda por uma espécie de meditação livre. E cada frase é um momento de suspense. Provavelmente, só um músico com poderes extraordinários de invenção pode fazer isso consistentemente e com efeito tão intenso”.