Entrevistas

‘Corpo e Alma’ de Paulo Almeida

(Gustavo Cunha, gustavoccunha.blogspot.com.br, 12/08/2016)

Durante seu período de reclusão devido a um grave problema de saúde, o baterista Paulo Almeida intensificou sua produção artística. Fortemente inspirado por seu envolvimento espiritual ao longo desse tempo, suas composições deram um novo rumo à sua identidade sem perder o embasamento sólido do seu disco de estreia. Entrou em estúdio depois de um intenso processo de laboratório, que demandou muito trabalho e entrega para que o conteúdo desse registro tivesse força e solidez. Assim é o disco Corpo e Alma, um forte simbólico entre a matéria e o plano espiritual, que vem com uma carga energética positiva, fruto da superação e de muito aprendizado.

A forte vivência de Paulo com a música universal norteou seu trabalho de composição e estética desde muito cedo. O desenvolvimento de suas pesquisas musicais o motivou a se aprofundar em novas concepções e ritmos de diversas regiões, o que se torna bastante presente na sonoridade deste trabalho, que ainda apresenta forte influência da música brasileira, berço musical dele e dos músicos que o acompanham. Sua música tem a função de despertar a curiosidade e a sensibilidade das pessoas, e mesmo sendo uma música sem letra acaba dizendo muito através de sua fluidez melódica, sonoridades timbrísticas e polirritimias trabalhadas.

Acompanhado por Fi Maróstica no contrabaixo, Dô de Carvalho no sax, flauta e clarone, Fabio Gouvea na guitarra e Diego Garbin no trompete e flugelhorn, ainda conta com as participações muito especiais de Hermeto Pascoal, Arismar do Espírito Santo e o pianista André Marques.

Sensível às artes de diferentes linguagens, o quinteto traz as influências do universo de cada músico para as composições de Paulo, apresentando um forte significado atrelado às suas experiências pessoais e deixando evidente o vínculo afetivo que se estabelece entre os integrantes, que estudam música juntos desde a adolescência. A interpretação de cada música se transforma a cada momento e ressalta o foco do trabalho na criação e improvisação coletiva.
Em constante produção como compositor e intensa atuação como intérprete, é um músico versátil e já gravou inúmeros registros de diferentes linguagens com renomados artistas. Ainda prestes a completar 30 anos, Paulo Almeida já se afirma no papel de artista experiente, e que ainda tem muito a contribuir para a música brasileira.

paulo-almeida-montagem

 

 

GC –  “Corpo e Alma” é o seu segundo disco, e o título reflete muito o sentido para tudo o que fazemos na vida. Podemos entender assim a mensagem deste trabalho?
PA – Exatamente! A palavra chave de qualquer coisa que você for fazer é “amor”, e corpo e alma significa a entrega para fazer as coisas com amor e carinho.
Para mim, o disco tem um significado ainda mais forte com esse nome porque todas as músicas foram compostas durante a preparação e a recuperação de uma cirurgia cardíaca. Digo que o que nunca me deixou na mão foi a música, e a ajuda energética de amigos desse plano material e do plano espiritual também. Eu me entrego cada vez maia à música, desde pequeno tenho essa visão, Comecei tocar com 8 anos de idade e, para mim, eu já sábia que era aquilo que tinha que fazer nessa passagem terrena. Por isso eu digo que a música é uma forma de oração, isso esta bem claro em minhas composições, nomes, jeito de tocar, improvisar e tudo mais. Isso tudo é gratidão pela vida e pelos amigos que conheci através da música.

GC – Muitos ainda pensam a bateria como instrumento só de acompanhamento, mas ela tem o seu papel fundamental na criação, e mesmo no sentido melódico. Como se dá o seu processo de composição?
PA – Olha, eu acredito que nada vem do nada (risos). Se tem um cara que começou a mudar tudo isso no Brasil foi o Nenê, baterista referência que tocou com o Hermeto e Egberto durante um bom tempo. Ele trouxe essa coisa da “Bateria Harmônica“, jeito de tocar que muitos bateristas da nova geração, assim como eu, independente de estilo dentro do som instrumental, está aderindo na forma de tocar.
Meu guru e mestre Arismar do Espirito Santo, pessoa com quem tenho uma grande proximidade, diz a mesma coisa; a bateria harmônica vive aqui no Brasil e hoje temos grandes referências nesse sentido.
A improvisação coletiva no meu quinteto é criada muito em função da harmonia, melodias; e minha ideia é causar contrastes e sensações através da parte rítmica com recursos baterísticos, como timbres e polirritmia. Tudo se modifica na música e por isso amo improvisar e criar esses sons para passear em cima deles, feliz é o homem que improvisa.
O processo de composição para mim é muito intuitivo, normalmente componho em lugares que eu nunca teria um insight de compor, como por exemplo na rua. Por ter vivenciado a música desde pequeno, ter tocado nas igrejas, cantado e tudo mais, desenvolvi uma percepção e um jeito de criar bem próprio e intuitivo. Normalmente canto a melodia, mas eu já sei as sensações de acordes que quero (mas não sei o nome); esse mistério eu acho lindo porque quando sento no piano ou no violão tudo já se transforma novamente, O mundo esta em movimento, transição planetária e não faz sentido tocar (e fazer) sempre as mesmas coisas.

GC –  Fale um pouco do grupo que o acompanha no disco, e como surgiu essa formação.
PA – O quinteto é formado por Fi Maróstica no baixo, Fabio Gouvea na guitarra, Diego Garbin no trompete e Dô de Carvalho no sax, flauta e clarone. São todos músicos que fizeram parte da minha formação. Convivemos nós todos no Conservatório de Tatuí, lugar onde o Fabio e o Diego trabalham até hoje. É uma amizade de no mínimo uns 10 anos de som, e meu primeiro disco contei com a benção do meu grande irmão que partiu para o outro plano de luz esse ano, o Vinicius Dorin. Inclusive esse disco novo Corpo e Alma é dedicado a ele, e também o Beto Correa no piano. O que mudou do primeiro disco “Constatações” para o segundo foi muito a parte de timbres por causa da substituição da guitarra pelo piano, coisa que meu ouvido estava pedindo há algum tempo.
Tem as participações de Hermeto Pascoal, que é nossa grande referencia hoje no Brasil, o André Marques que também conheci em Tatuí pois estudei com ele e toquei um tempo na orquestra Vintena Brasileira, que ele lidera, e meu querido cumpadi Arismar do Espirito Santo, com quem tenho tocado recentemente no trabalho próprio dele.

GC –  A linguagem do jazz é universal e no seu trabalho se encontra fortemente com a elementos da música brasileira, nas suas respectivas formas. Que influências você carrega na sua música?
PA – Com certeza. O jazz trouxe esse jeito de criar em cima de uma forma, de um tema, de voar, de sair desse plano. Tenho grandes referencias dentro do jazz como Coltrane, Miles Davis e Wayne Shorter. Tenho fortes influencias de berço da igreja no qual tenho gratidão, hoje não frequento mais; sou espírita mas minhas melodias me lembra muito minha infância na qual eu tocava hinos da harpa cristã e cantava coros. Na parte da música brasileira, sou um cara que gosta de pesquisar os ritmos regionais do Brasil e da África. Dou oficinas sobre ritmos brasileiros e tenho meu trabalho de samba autoral em que canto e componho. Além disso, tive como formação a Música Universal (conceito criado pelo Hermeto) em que se faz músicas sem rótulos, preconceitos e improvisação coletiva, aprendendo a se respeitar dentro do som até chegar numa conexão espiritual. Outra grande influência é o Arismar, pessoa que traz com ele uma bondade e generosidade ímpar, junto com o seu som lindo. Muita gente que faz essa pergunta de referencias para mim me diz – “você não falou nenhum baterista?” (risos) Pois é, gosto de pensar a música pela música e não por instrumento, o instrumento é como se fosse um transporte, a música tem de estar dentro de você.

Você pode adquirir o disco “Corpo e Alma” no iTunes e na loja virtual da página de Paulo Almeida no facebook; e também pode ouvir pelo spotify e deezer.

http://almeidacontatopaulo.wix.com/pauloalmeida