Argentina

Pipi Piazzolla: ‘O jazz é a música mais criativa que se que se faz na Argentina’

Fernando Ríos, www.argentjazz.com.ar, 09/11/2018 

Há um ano, em finais de outubro de 2017, Escalandrum entrava no estúdio 2 do mítico Abbey Road em Londres, para gravar seu disco número onze. Dali, donde o rock de bandas construiu sua história, o sexteto argentino voltou com um dos melhores trabalhos que produziu em quase 20 anos de trajetória. Agora com o respaldo da Warner Music que incluiu “Studio 2” em seu catálogo. “É sem duvidas, o melhor disco do grupo e estou feliz com que temos feito com a nossa própria música”, diz Pipi Piazzolla.

 

Fernando Ríos – Talvez “Studio 2” possa ser lido como o retorno do Escalandrum ao jazz, depois dos álbuns com música de Mozart e Ginastera e da colaboração com Elena Roger. Qual é a sua avaliação?
Pipi Piazzolla – Na verdade, o que fazemos é sempre jazz. Nós temos seis álbuns de nossa própria música. E agora, depois desses dois álbuns que você mencionou, pensamos que era hora de voltar para nossas próprias músicas. Estou muito feliz com o álbum. Gosto muito. Eu gosto de nível de áudio também. Eu me sinto muito confortável tocando com Escalandrum, mas desta vez eu estou muito feliz com o áudio. Eu consegui essa definição na bateria que eu sempre quis que fosse e nesse álbum foi muito bem alcançado. Eu também gosto do equilíbrio do grupo. Temos gravado muito confortáveis, em uma situação muito festiva, muito bom para o grupo.

FR – Gravar em Abbey Road não é algo que se faz todos os dias. Eu imagino que vocês chegaram com uma grande expectativa a um lugar como este …
PP – Sabe que não? Pelo menos eu, pessoalmente, fui gravar sem uma grande expectativa, embora fosse em Abbey Road. Muitas vezes ficamos empolgados e depois o que descobrimos que não era tanto assim. Então, desta vez, estávamos calmos e a verdade é que ficamos surpresos. É um estúdio impressionante. Você tocava e escutava como se estivesse em casa. Você poderia fazer sua própria mixagem e, se quisesse, poderia até colocar uma pequena câmera no saxofone. O tratamento do pessoal foi ótimo. E também há a questão de deixar sua própria cidade para gravar o álbum.

FR – E isso influencia?
PP – E você sabe como é. Você está na sua cidade, gravando o dia todo no estúdio e voltando para casa para resolver os problemas do dia-a-dia. O que acontece com todos nós? As coisas cotidianas. Por outro lado, estando em outro lugar, isso não acontece e muda o tema da concentração … você vai do hotel ao estúdio e do estúdio ao hotel. Você está internado em outro lugar e isso favorece a produção.

FR – Você estava falando sobre as vantagens técnicas do estúdio de Abbey Road. Mas há também o lado mítico, por assim dizer. Toda a história do lugar. Você acha que isso alimentou seu trabalho de alguma forma?
PP – Para mim, o lado mítico nunca me interessou. Disseram-me que o estúdio era incrível, que o sala era muito boa. Ideal para gravar todos juntos, como você sabe, é como se grava o jazz. E assim foi. Mas também é verdade que essa energia extra foi de alguma forma notada. Embora, como eu digo, eu não dê a bola mítica, a verdade é que eu estava muito animado, e isso foi sentido no grupo, na música. Houve uma atmosfera de festa. Mas também tudo isso tem a ver no momento em que ele encontra você, tanto pessoalmente quanto em grupo. Porque se você estiver errado ou não estiver preparado, não terá nenhuma influência em gravar no Abbey Road ou em qualquer outro lugar.

FR – Agora, mesmo que você tenha confiado na excelência técnica do estudo, você trouxe seu próprio engenheiro.
Sim para Facu Rodriguez, que trabalhou sete anos em Londres. Todos ali o conheciam muito bem e também faziam parte das boas vibrações. Axel Lang, que trabalha para a Warner, também nos ajudou muito. Ele nos contatou com Abbey Road. Além disso, o Facu já faz parte do grupo, é muito sério, muito profissional.

FR – Gravaram o álbum em dois dias?
PP –
No primeiro dia já estava pronto. No segundo, melhoramos algumas coisas e aproveitamos a oportunidade para gravar outras, que um dia poderão sair num novo álbum ou não. Também gravamos algumas coisas soltas, efeitos, fizemos algumas experiências que poderíamos usar em outro momento. Eu, por exemplo, gravei um solo de bateria, que não entrou.

FR – Escalandrum já gravou onze álbuns. Você diria que esse foi tecnicamente o melhor registro?
PP – Sim, com certeza. Estou muito feliz com isso. E o fato de ter sido com a nossa própria música, com temas originais, me deixa muito mais feliz. Quando editamos esse álbum, eu disse aos caras, a verdade é que fizemos um grande esforço para vir aqui, obviamente, nós pagamos tudo juntos, então temos que fazer todo esse trabalho. Estar em uma gravadora como a Warner também faz parte disso. Ela nos oferece uma difusão e uma circulação impressionante da nossa música.

FR – É a primeira vez que o Escalandrum está numa grande gravadora …
PP – Sim, é a primeira vez e a verdade é que tivemos um enorme apoio. A cidade está forrada com o poster do lançamento do álbum. Eles fizeram o vinil, o que nunca poderíamos fazer. Há total apoio e isso nos deixa muito contentes. Estamos muito gratos que tenham pensado sobre o grupo. Eu acho que eles também estão muito felizes com a gente. Então, a felicidade é mútua.

FR – Escalandrum está prestes a completar 20 anos; isto também é uma novidade, os grupos geralmente não duram tanto tempo.
PP – Sim, Escalandrum nasceu em 1 de janeiro de 1999 às quatro da manhã …

FR – Como você sabe até a hora?
PP – É que estávamos todos juntos na casa dos meus velhos comemorando o ano novo, e naquela época eu coloquei a ideia de montar o grupo. Todos dissemos que sim, brindamos e depois de dois meses já estávamos tocando. É muito tempo, mas aconteceu rápido. E sempre tivemos boas vibrações. O grupo nunca parou. Nós continuamos ensaiando toda terça-feira. Nós tocamos com bastante frequência. Nós fizemos muitas turnês. A onda do grupo ainda é boa. Tivemos a sorte de começar como amigos e depois por nos escolhermos como músicos. E isso foi importante.

FR – Não me lembro de grupos que ficaram juntos por tanto tempo e com os mesmos membros. Não é usual. Mesmo grupos artisticamente muito sólidos, como o Quinteto Urbano, tiveram uma vida muito curta …
PP – Bem, o Quinteto Urbano foi a inspiração do Escalandrum. Sem eles, eu não sei se o nosso grupo existiria. Eu os seguia por toda parte, eles eram um grupaço. Para mim, o mais importante na história do jazz argentino. Eu ia vê-los sempre e até tive a honra de tocar uma vez com eles … substituí Oscar Giunta no Festival de Jazz de Rosário, do qual não me lembro porque não pude tocar. Então Juan Cruz me chamou para substituí-lo e naquele momento para mim foi como se o técnico da seleção ligasse para você, mais ou menos.

FR – É impressionante o quão pouco você compõe para Escalandrum. E se para o trio com Lucio Balduini e Damián Fogiel. Mesmo neste álbum, a única música sua, “Lolo”, já estava em “Transmutación”, o álbum do trio que você editou em 2015.
PP – Sim, é assim. No caso de “Lolo”, que é dedicado ao meu filho, é um tema que Nico Guerschberg gosta muito, inclusive ele o toca em suas próprias formações. Tanto que agora ele queria fazer um arranjo para o grupo. E é verdadee eu agradeço. Eu acho que existe alguns compositores incríveis no grupo, mas Nico insistiu e nós fizemos isso. Eu vou animar um pouco mais. Agora estou compondo um tema para o grupo … chama-se Escalandrum. No caso do trio é diferente, é uma montagem menor, é mais simples. Além disso, posso levar uma melodia e Lucio em dois segundos me arma harmonizações incríveis. Mas como um sexteto é outra coisa, há outra complexidade. No momento eu me concentro mais em me aprimorar como instrumentista…

FR – Isso é bom para fazer a mesma música com diferentes formações. Em “Transmutación”, por exemplo, você fez uma versão de “Chopchi”, uma canção de Mariano Sívori que ele havia incluído em seu próprio álbum solo …
PP – Sim, claro. Eu acho que a música pertence a todos. Se há um assunto que você gosta, por que você não faz isso? E se é de um compositor aqui, com mais razão. Perceba como o Esteban Sehinkman está se saindo com o Real Book Argentino … Acho ótimo que começamos a tocar nossas músicas … porque o jazz argentino tem sua própria música, é daqui, e também contribuímos para dar algo mais à difusão, que é o que é tão necessário para essa música, que é de longe a mais criativa da Argentina.

 

 

Escalandrum – Estúdio 2

Gravado nos dias 24 e 25 de outubro de 2017 no Estudio2 na Abbey Road. Londres
Mixado no Quark Studio, Buenos Aires.
Editado pela Warner Music Argentina