A grande ‘Transição’ de Thiago Carreri
A riqueza da música instrumental brasileira é um dos grandes patrimônios da nossa cultura. Durante o Savassi Festival tive o prazer de conhecer o guitarrista Thiago Carreri que estava lançando ‘Transição’, pelo selo Blaxtream. Fiquei impressionado não só pela qualidade técnica e composicional do músico que lhe propus divulgar o seu trabalho aqui no site. Vamos conhecer um pouco da sua história e produção musical para saber como se deu toda essa ‘Transição’.
Wilson Garzon – Você nasceu dentro de uma família musical? O violão foi seu primeiro instrumento?
Thiago Carreri – Sim toquei primeiro violão e logo conheci a guitarra. Meu pai foi sempre um grande incentivador. Como guitarrista, ele tocou em bandas de baile nas décadas de 60/70, era solista e me influenciou muito, me apresentando melodias de clássicos da música brasileira. Hoje sou muito grato pelo seu ensinamento, essa visão ampla com relação à música me inspira e traz novas possibilidades.
WG – Como se deu a sua formação? Quais foram suas influências mais marcantes?
TC – Comecei na igreja; minha irmã era professora de música em um projeto e ingressei no curso. Ali aprendi o básico, os acordes maiores e menores, e já montei minha primeira banda. Fiz algumas aulas com um grande músico de São Carlos, Toninho Murta. Ele me ensinou a acompanhar e me passou experiências que teve como músico, além de apresentar muita música brasileira. Aos poucos fiquei apaixonado pelo universo da música e decidi me tornar um músico e viver dessa profissão. Nunca frequentei uma escola de música formal ou qualquer formação superior em música. Trilhei um caminho próprio, sempre pesquisando sobre instrumentistas brasileiros. Fui muito influenciado pelos mestres Edson Alves, Heraldo do Monte, Toninho Horta, Helio Delmiro, Ricardo Silveira, entre outros.
WG – E o jazz, quando bateu à sua porta? E quais foram as formações que você tocou no começo da carreira?
TC – Num bar tradicional onde rolava música instrumental, fui dar uma “canja” e quando comecei a tocar, dois senhores que estavam no balcão começaram a vibrar, terminei a minha participação e eles vieram em minha direção dizendo: “Você gosta mesmo de música instrumental? Quer tocar em uma banda de Jazz?” Eu fiquei emocionado pois esse era meu objetivo, queria muito ter essa experiência. Braga e Nicolau são meus padrinhos musicais, eles me incentivaram muito. Braga era dono de uma Universidade particular na cidade e me fez a seguinte proposta: “você toca em minha Combo Jazz e pode escolher qualquer curso da faculdade em troca“.
Infelizmente não tinha nada relacionado à música, então cursei 2 anos de Publicidade e Marketing. Esse tempo na Combo Jazz foi uma grande escola e me abriu muitas portas. Tivemos uma experiência incrível abrindo o show do grande guitarrista Stanley Jordan em um festival que aconteceu em São Carlos. A Combo era bateria, baixo, guitarra, piano, percussão, dois sax, trompete, flugel, trombone e flauta. Em um segundo momento vieram os trios Espinha de Peixe e Tutano Trio, que me trouxeram oportunidades de estudo reais e me deram segurança para trabalhar em minhas composições.
WG – Antes de “Transição“, você lançou “Já Volto”(2010), “Correria”(2012), “Dorita”(2016). Conte-nos um pouco sobre esses três trabalhos em relação às propostas de cada uma delas.
TC – Meu primeiro disco Já Volto surgiu realmente das primeiras composições que fiz. Optei por uma base em trio e várias participações de amigos com os quais eu tinha intimidade musical. Foquei bastante nas melodias simples e harmonias elaboradas. Passei por estilos variados, como samba, baião, valsa, tango e bossa nova, sempre com um enfoque jazzístico, mas explorando um conteúdo de fácil entendimento.
Para Correria quis criar um grupo, e o disco foi todo gravado em quarteto. Da muita informação do primeiro disco, o segundo teve a sonoridade e a forma de tocar mais pensados quanto ao preenchimento e ao caminho harmônico. Cada composição traz algo de regiões do nordeste, como baião, afoxé, frevo. Correria nasceu inicialmente com a ideia de ser um dvd. Alugamos um sítio e gravamos tudo ao vivo em um dia. Até então não fazia ideia do que estava por trás de uma produção audiovisual. Assumir essa produção e toda sua complexidade foi ótimo para entender como um projeto assim se constrói. Nessa época acompanhava muitos artistas da cidade e região e trabalhava freneticamente, daí o título correria.
Em Dorita trouxe composições mais arrojadas, explorando ritmos que vão do jazz ao rock. As influências neste trabalho tem predominância de grandes artistas como John Scofield, Pat Metheny, Jeff Beck, entre outros. Um trabalho inspirado nas experiências da minha rotina, transformada após a chegada da minha primeira filha, Dora, a quem dediquei este trabalho.
WG – Três anos após seu último trabalho, você lança ‘Transição’. É um novo momento da sua carreira? Qual foi o conceito que te norteou?
TC – Esses últimos três anos foram intensos e transformadores em diversos aspectos da minha vida. Muita imersão e mergulho interno. Fiz até várias composições com letras nesse período, algo inédito pra mim, que recolhi em uma proposta de disco não gravado ainda. Mas sem dúvida é um recomeço, algo novo, e, ao mesmo tempo, continua e complementa tudo que fiz até agora.
Um eterno mestre para mim é Toninho Horta, que definitivamente inspirou muito esse último trabalho. Sou um pesquisador de sua obra e imprimo isso em Transição. A paisagem mineira na capa do disco é minha homenagem a essa terra que sempre admirei musicalmente. A harmonia mineira é a mais completa que conheço. Gravá-lo pelo selo Blaxtream também foi um marco, que possibilitou unir profissionais incríveis como Márcio Bahia (bateria), Breno Mendonça (sax), Bruno Barbosa (baixo), Marcelo Toledo (sax e flauta) e Rubinho Antunes (trompete).
WG – Como fez as escolhas dos músicos: velhos e novos amigos? E quanto à participação de André de Souza? Como foi o processo de produção e gravação?
TC – Bruno, Marcelo e Rubinho são grandes músicos, parceiros de Ribeirão Preto com quem já dividi o palco muitas vezes. Rubinho Antunes foi um talento necessário para aprimorar os arranjos e deu toques realmente fundamentais para que chegássemos nesse resultado. Breno Mendonça trouxe a energia de Minas pra dentro desse disco; nos conhecemos em um festival de Tiradentes ano passado, músico irretocável. E por fim o mestre Márcio Bahia, que conheci na ocasião de uma gravação e aceitou de coração aberto o convite para tocar nesse disco. Presenciar sua total simplicidade e maestria em contribuir com esse trabalho foi emocionante.
Todo o processo de produção foi intenso, e os três dias de gravação em Ribeirão me tocaram profundamente. Parei algumas vezes pra chorar, tudo estava transbordando, foi muito especial. A contribuição do meu amigo Ché Costa em estúdio foi muito importante também. André de Souza é um irmão que sempre admirei desde o início da minha carreira, quando tocar com músicos desse nível era um sonho distante. O vocalise é algo que pratico e me ajuda muito. Sua participação, gravada por nós em São Carlos, finalizou esse lindo processo.
WG – O repertório é composto por sete composições autorais. Elas foram compostas para esse trabalho? Descreve um pouco cada uma delas, em relação a seu conceito.
TC – Minhas composições surgem sempre antes da proposta do disco. Quando julgo que tenho um grupo coeso de composições fecho em um trabalho:
Renascer
surgiu de um processo terapêutico chamado Renascimento pelo qual passei e que inaugurou um capitulo novo em minha vida. Ela traz essa força potente que vibra em todos nós.
Obrigado
é uma resposta a tudo que a vida me trouxe nesse período. Inclusive essa música surgiu após o convite do Thiago Monteiro (responsável pelo selo Blaxtream), para gravar o disco.
Transição
é uma bossa que fiz em homenagem ao mestre Toninho Horta, em sinal de gratidão pela generosidade de sua música.
Vida
é uma homenagem ao nascimento do meu segundo filho, Caetano, que nasceu nos meus braços em 2018.
Depois
é uma música que gravei no disco Correria, é um samba cheio de energia, e recebeu uma linda releitura…
Caminhos
é um retrato de Minas Gerais, os caminhos harmônicos levam a um passeio pelas paisagens mineiras, desde o clima do começo que retrata uma viagem pelas montanhas até o 11/8 que é um mergulho no pulso inusitado que o grande Marcelo Toledo improvisou lindamente.
Baião da Luz
fiz para o mestre Arismar do Espirito Santo, que me instruiu a construir uma nova sonoridade para o violão. Tivemos um encontro especial em que tocamos e aprendi muito.
WG – Quanto à divulgação, o que está sendo programado? Quais serão seus próximos projetos?
TC – Transição foi lançado no dia 14 de junho na casa Jazz nos Fundos em SP; logo após fizemos o show no Sesc Ribeirão Preto. No dia 5 de setembro faremos o show no Sesc São Carlos e 22 de setembro farei o no Café com Letras (Savassi) em BH.
Depois de passar 35 anos no estado de São Paulo, agora vou com minha família para Minas e muitas novas oportunidades já estão acontecendo e novos projetos pulsando por todos os lados. Belo Horizonte se abriu para mim como uma terra fértil de excelentes músicos e inspirações. Coisas lindas virão.
Blaxtream – Transição
https://www.blaxtream.com/thiagocarreri