Afonso Abreu: Orgulho da Música Capixaba!
Entrevista realizada por Dan Mendonça, há dois anos atrás e ainda atualíssima.
Afonso Braga de Abreu e Silva, cachoeirense, safra de 1946, artista impar, que ilumina nossos palcos, é um dos nomes mais marcantes da cena musical capixaba nos últimos quarenta anos, e começou bem antes disso, aos vinte anos de idade iniciou no contrabaixo acústico, instrumento que abraça e amassa até hoje, isso mesmo, a fera vai do carinho, aos tapas e beliscões, em slaps e outras formas modernas de tocar, sempre jazzisticamente, seu velho companheiro, atualmente em reparos, depois de uma pequena pane durante uma apresentação inspirada, no SESC Glória, no final de 2014.
Na primeira música o cavalete, que eleva as cordas, resolveu, como que cavalo indomado, pregar uma peça a Afonso, desabando, este, logo refeito do susto, levou o instrumento para o camarim e rapidamente o remontou e afinou, instantes após comentava que em mais de quarenta anos nunca presenciara aquilo, e logo, após contar mais uns causos descontraindo a plateia, nos proporcionou belos momentos do melhor da bossa nova, com sua tocada jazzística, acompanhado dos parceiros que com ele formam o Afonso Abreu Trio, desde 2000, tendo nesse período lançado dois CDs (Palco Iluminado e Lapataya) e dois DVDs, completam o trio, o pianista, arranjador, educador musical e compositor Pedro Alcântara, e o baterista mais respeitado de nossos palcos Marco Antônio Grijó. os anos passam e a banda toca, deve ser assim mesmo, cada vez mais afinada e coesa, uma coisa inesquecível e que melhora a cada apresentação, não cai na mesmice de grupos veteranos que apenas repetem se, ao contrário, refina se o trio.
Mas Afonso não é apenas um grande músico, é um depositário apaixonado da memória musical capixaba, de tempos memoráveis, os tempos das pioneiras apresentações ao vivo na TV Vitória, com Jorge Saade e Fernando Beresford, Afonso ali começou ao violão, bongô e percussão, e logo abraçou o contrabaixo, eram então influenciados por José Maria Ramos, João Gilberto, Tom, Vinicius e outros, isso em 1959, a paixão pela bossa nova nascia ali.
Depois começaram a formar conjuntos, como em 1963, ano de registro de Afonso na Ordem dos Músicos, para tocar na noite, no Praia Tenis Clube, com o Quinteto Bossa Praia (com Jorginho, Mario Rui e Honório Fraga), mais tarde acompanharam a saudosa Carmélia Maria de Souza, em shows, juntando se a outros expoentes musicais que surgiam na cena capixaba, Claudio Tovar, Rogério Coimbra, Gilberto Garcia, com este e Mario Rui, depois formaram o Gilberto Garcia trio, dessas noitadas fica a pitoresca e trágica história ocorrida no Iate Clube, onde um idiota botou o saudoso primeiro contrabaixo de Afonso, construído pelo luthier José Rosa, a navegar na maré – em episódio registrado no livro de memórias do clube, pelo advogado José Francisco Gozzi Siqueira. Afonso usa o passado como referência, os olhos azulados, sempre enxergam o futuro, comprou outro baixo, que usa até hoje e foi em frente!
Sua primeira composição foi Palavras e Ventos, uma bossa de 1964, seguiu se o tempo de festivais, com Marco Antônio Grijó, vindo de São Paulo e Santos (tocou com Roberto Sion, Hermeto Paschoal e muitos outros), e Mário Rui, discípulo de Mauricio de Oliveira, então formaram o AM2 Trio, embrião que depois acrescido de Aprygio Lyrio e Arlindo Castro ao violão, se transformou nos Mamíferos, divisor de águas da música capixaba, com um pé na contracultura e outro no Rock, um conjunto onde as performances ao vivo, com requintes de maquiagem e vestuário, com a participação do cabeleireiro Marinho Celestino, se correlacionados historicamente a Secos e Molhados e Kiss, por exemplo, já que ambos lançaram os primeiros trabalhos em 1973. Talvez os capixabas os tenham influenciado! Precedido, certamente! As eliminatórias lotavam o ginásio Wilson Freitas, ao vivo! Na TV! Imaginem com as redes sociais hoje, como teria sido!
Naqueles tempos, a influência do Jazz veio por conta do professor, Luiz Paixão, o Bill, uma lenda viva da cultura capixaba que promovia tardes e noites de filmes musicais e culturais no IBEUV, aos domingos. Ali juntavam se a Marien Calixte, Oswaldo Oleari e tantos outros audiófilos irrequietos, de nossas origens musicais. A passagem de Maísa Matarazzo por Vitória, conectou, trouxe efervescência à Ilha, com a bossa nova, apresentações de Roberto Menescal, Luiz Eça, Ronaldo Boscoli, Tamba Trio. Maísa tomando sol e drinques, na piscina do PTC, com os filhos, era demais!
Afonso e os capixabas entraram na bossa, formaram grupos comandados por Hélio Mendes, Paulo Ney, Hélio Esteves, Elias Borges, Gilberto Garcia e muitos outros lideravam grupos, tocavam em clubes, boates, nas festas de Ronaldo Nascimento, e bailes em Cachoeiro, e Governador Valadares por exemplo.
Depois dessa fase, foram os Mamíferos para uma temporada no Rio de Janeiro, em 1968/69, Afonso trancou a faculdade, eles tentavam emplacar no circuito nacional, o contato com a contracultura e a repressão atrapalhou a divulgação do trabalho, hoje Afonso analisa esta experiência, o contato com a efervescência cultural brasileira como uma coisa muito positiva, morar com Rubem Braga, outro cachoeirense de peso cultural, o tio, de quem ganhou o primeiro baixo elétrico, e dele é uma imagem física quase perfeita!
O musico tornou se bacharel em Direito pela UFES em 1971, na volta a Vitória já atuava como programador, produtor e discotecário na radio Espirito Santo, até 1974, depois na Fundação Cultural do ES com Marien, Pedro Caetano Rogério Coimbra e outros parceiros, fazia acontecer um ciclo virtuoso do jazz e bossa em nossa terra.
Trouxeram Caymi, Gil, Macalé, Luís Melodia, Rita Lee, e os internacionais, Astor Piazzola, Passport/Klaus Doldinger, Art Blakey/Jazz Messengers e outras boas bandas, como a banda militar americana da Unitas, nela veio Dean Weston Keenhold ,que acabou voltando para morar um tempo em Vitória, tocando e ensinando por aqui.
Em sequência, seguiram se os conjuntos, quarteto Magno, com Moacyr Barros ao sax, Gilberto ao piano e Mario Rui, depois o Mistura Fina, que 1978 fez uma temporada no Teatro Opinião no RJ, com Aprigio Lyrio, depois veio lendário quarteto JB, com Carlos Augusto ao piano, Grijó cada vez melhor na bateria e o saudoso Degas Rocha no sax.
Fora dos palcos Afonso participou ativamente de todo o processo de fomento e coordenação e gerenciamento da cultura capixaba, extrapolando o campo puramente musical, trabalhando no DEC (Departamento Estadual de Cultura), na PMV como secretario executivo da Lei Rubem Braga, e na SECULT como técnico de assuntos culturais. Ou seja, de 1970 a 2006 , dividiu seu tempo entre a música, e o fazer a cultura acontecer, quem o conhece sabe que não há essa divisão em sua cabeça, Afonso é apenas mais um prisioneiro da arte e da cultura, com uma visão abrangente de todas as artes, tendo atuado como ator em filmes e documentários, e escrito textos com a mesma categoria que compõe.
Gênio reconhecido em vida, premiado em festivais por três vezes, homenageado por instituições e segue sua sina, mostrando a paixão de tocar, com a qual formou e sustentou sua bela família, a esposa Luísa Amália, e os filhos, Márcio, Renato e como não poderia deixar de ser, Murilo, contrabaixista, compositor, produtor… Entendam, um clone físico, evoluindo!
Voltamos então à última e mais refinada versão de suas bandas, o Afonso Abreu Trio começou as atividades em 2000, já dura 15 anos, a base enxuta e coesa é o trio atual, executando standards de jazz, e principalmente bossa nova, escrevendo arranjos modernos e lapidando composições do pianista Pedro, os anos passam e a banda fica, cada vez mais afinada e coesa, uma coisa inesquecível e que melhora a cada apresentação, não cai na mesmice de grupos veteranos que apenas repetem se, ao contrário, refina se o trio, que recebe solistas e acompanhantes eventuais como Bruno Mangueira, Mehlão, e outros dentro das mesmas tendências musicais, toca em todos eventos culturais, corporativos e festivais musicais do estado, e no exterior. Orgulho Capixaba!