João Camarero lança ‘Gentil Assombro’, seu terceiro disco solo
21/07/2022, jornale.com.br. Foto: Gil Inoue
O título do novo disco solo de João Camarero, “Gentil assombro”, que chegou dia 26 de julho às plataformas de streaming, resume bem as dez faixas do álbum. Por um lado, há a delicadeza de temas como “Um choro breve” e “Homenagem a Armando Neves”, duas inéditas de Paulinho da Viola, interpretadas com a mesma rara fina elegância do grande cantor e compositor carioca. Por outro, espalha-se pela espinha do ouvinte o assombro do virtuosismo técnico do violonista, sempre executado de forma cristalina e sem parnasianismos. Mesmo quando o número exige destreza ímpar, a preocupação é prestar um serviço à obra, colocando a música em primeiro lugar.
Um exemplo disso pode ser ouvido em “Dança brasileira” (Radamés Gnattali) e “Articulado” (Sérgio Assad) — composta especialmente para o músico —, nas quais a excelência de Camarero ao violão fica nítida, ressaltando a maturidade artística de um operário da melodia. O erudito apaixonado por canção popular, o músico popular de alma concertista, um violão límpido e poderoso que se sente à vontade tanto no palco de show — ao lado de Maria Bethânia, Leny Andrade e Cristóvão Bastos, entre tantos outros — quanto na roda de choro ou em uma sala de concertos, como provam as autorais “Pequenas valsas sentimentais #3 e #5”, as únicas composições próprias do álbum.
“São quase como miniaturas, músicas curtas. Procuro achar um caminho com esses temas mais sentimentais, é a busca pelo acabamento. Estou preocupado em fazer uma música no sentido mais amplo possível, que toque as pessoas de alguma maneira, seja pela estranheza ou pelo conforto, uma coisa muito ligada à contemplação. São um pouco mais líricas, se inserem no disco de maneira natural, primeiro porque é importante gravar coisa minha, segundo porque elas têm um caráter bem revelador do que eu faço, do estilo que eu toco, mostram onde eu quero estar. São bem brasileiras, mas têm uma estética e harmonia ligadas a outros estilos também, é um retrato do que acredito agora”, afirma Camarero.
O espanto causado pela interpretação do violonista também pode ser ouvido em “Sherzino mexicano”, de Manuel Ponce, e nas três obras de Manuel de Falla que encerram o álbum: “Danza del corregidor”, “Romance del pescador” e “Canción del fuego fatuo”, todas pontuadas por uma clareza estonteante, na qual cada nota tem seu lugar, sem exageros, com uma aparente simplicidade que apenas o domínio do instrumento permite. É este esmero que faz de Camarero uma espécie de carpinteiro do violão contemporâneo brasileiro. Não à toa, a carpintaria é o hobby ao qual Paulinho da Viola se dedica, e a doação de duas músicas inéditas suas demostram a admiração do baluarte da MPB pelo jovem paulista de 32 anos.
“Gentil assombro” é o disco de um músico que se sente desconectado dessa necessidade de sua geração e do seu tempo “de sempre ter que tocar muito muitas notas e improvisar. Eu me vejo a serviço da música, não apoiado nela para aparecer. O virtuoso não é só o cara que toca rápido, ele é o amálgama de muitas virtudes. Tocar rápido é uma delas, mas busco muito outras coisas, como acabamento, limpeza e um discurso.