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O grande retorno de Scott Feiner e seu Pandeiro…

Em função da inesperada despedida de Scott do nosso convívio ocorrida no dia 01/03/23, o Clube de Jazz reprisa a entrevista realizada com o nosso querido panderista com o propósito de divulgar seu último trabalho editado no ano passado (14/03/22):

Oito anos depois de gravar ‘A View From Below‘, seu último trabalho dentro do projeto Pandeiro Jazz, Scott Feiner apresenta seu mais novo trabalho, Six Feet Apart’, em duo com o pianista Alex Taub. Em entrevista exclusiva para o site Clube de Jazz, Scott nos conta como foi todo o processo de retorno às gravações: seu encontro com Alex Taub, a formação do duo, a escolha e análise do repertório, processo de gravação e suas perspectivas para um futuro próximo. No final, Scott disponibiliza links para acesso à sua obra e à Six Feet Apart‘.

 

Wilson Garzon – Da curiosidade à arte do pandeiro, quem foi seu mestre no pandeiro? Marcos Suzano?
Scott Feiner –
Na verdade, não tive “um mestre”, mas tive várias influências importantes. O Suzano foi muito importante, claro … não só pra mim, mas qualquer pandeirista que veio depois dele, pois queria usar o instrumento fora dos contextos tradicionais da música brasileira. Ele abriu muitas portas, seja no som e nas levadas, sempre ampliando as possibilidades. Todos nós só temos que agradecê-lo. A gente se conheceu em 2000 durante uma das minhas primeiras viagens para o Brasil. Somos amigos e vinte e dois anos depois foi ele quem mixou e masterizou ‘Six Feet Apart‘. Mas além do Suzano, eu sempre gostava (e gosto!) muito do Jorginho do Pandeiro e do seu filho Celsinho Silva. Ambos, são mais do samba e choro, mas o suingue e jeito de tocar o instrumento foi muito importante pra mim. Tem tanta gente que toca bem que eu gosto … muitos não são conhecidos.
Quando cheguei no Brasil, tinha também uma galera mais jovem experimentando o pandeiro de uma forma bem pessoal, o que abriu meus olhos (e ouvidos) sobre as possibilidades dele – como o meu amigo Sergio Krakowki. Além da comunidade do pandeiro de couro, também sou fã dos pandeiristas especializados no pandeiro de nylon – do partido alto, etc. Adoro. Mas também, é importante de dizer que além da influência “pandeiristica“, meu jeito de tocar o pandeiro dentro do meu projeto tem muita influência de bateristas americanos (jazz, funk, e rock) … e ali a lista seria longa! Quando toco uma levada como o shuffle, na faixa “Home at Last” não estou pensando em pandeiristas.

 

 

WG – Em relação à sua obra discográfica, Pandeiro Jazz, Accents, Dois Mundos e A view from below, demonstram a sua evolução tanto como instrumentista como compositor, tocando com formações diferentes de músicos em cada um deles. Dá para resumir os conceitos desses seus trabalhos?
SF –Pandeiro Jazz” e “Accents” são com o mesmo grupo lá de NYC. O primeiro disco, “Pandeiro Jazz” foi o resultado de uma gig bem informal em NYC em 2004 … duo, eu e o violonista Freddie Bryant. O saxofonista Joel Frahm chegou para dar uma canja e depois eu sabia que tinha rolado uma coisa interessante. Aquele disco foi focado neste trio, com o baixista Joe Martin tocando em algumas faixas. Quando fizemos “Accents” foi quarteto mesmo.

No Brasil gravei dois discos: “Dois Mundos“, com Marcelo Martins (sax), Jessé Sadoc (trompete), David Feldman (piano) e Alberto Continentino (baixo) e “A View From Below” um disco mais elétrico com trio ao lado de Rafael Vernet (teclados) e Guilherme Monteiro (guitarra). Em todos os discos sempre tinha algumas composições minhas, mas no A View From Below foi o primeiro só autoral. Cada grupo foi o resultado de um momento … quem estava tocando ao vivo comigo. Nada foi muito planejado falando de conceito … sempre foi um processo orgânico.

 

 

WG – Depois de oito anos, você lança um novo trabalho, em duo com Alex Taub: ‘Six Feet Apart’. O projeto do Pandeiro Jazz acabou? O que você fez durante esse período? Atuou na área de música? O que você destacaria?
SF –Entre 2015 – 2020 eu realmente estava fora da música, trabalhando com outras coisas. Nada que mereça destaque aqui. Na minha cabeça, o projeto Pandeiro Jazz nunca vai acabar. É o tipo de som que foi o resultado daquele momento, lá em 2004, quando eu falei antes e tudo que eu faço, quando é num contexto jazzistico, vai ser isso. Agora tem gente que gosta de dizer que “Pandeiro Jazz” virou o gênero … até existe um hashtag #pandeirojazz, que eu não criei. Acho talvez um pouco exagero de chamá-lo como gênero, mas agora tem outros pandeiristas fazendo esse tipo de conceito também, então vamos ver pra onde vai chegar tudo isso. Eu só não usei o nome Pandeiro Jazz neste disco “Six Feet Apart” porque é um duo e realmente foi um trabalho em parceria com o Alex.

WG – Então, foi o acaso de seu encontro com o pianista Alex Taub é que te trouxe de volta ao pandeiro e à música. O dueto foi sempre a opção para vocês?  Não pensaram na opção em trio ou quarteto?
SF – Pois é, a história com Alex foi incrível pra mim. No começo da pandemia eu tinha saído de NYC para Asheville, North Carolina e um dia passando em frente a uma casa estava rolando um som na varanda. Era o Alex, e quando eu fui falar com ele, perguntou sobre minha camiseta, que tinha uma imagem de um pandeiro nela. Perguntou qual era meu nome, e depois que eu falei, me contou que tinha meu disco “Dois Mundos“. Foi surreal, numa cidadezinha de 100 mil habitantes! A gente virou amigos. Mas só meses depois é que eu fiquei com vontade de tocar de novo e a gente começou tocar duo, só para diversão. Passamos alguns meses assim, uma ou duas vezes por semana … foi o que me salvou durante a pandemia, num lugar onde eu conhecia pouca gente. A gente estava gostando de tocar em duo, e também, como foi durante a época pré-vacina, era bem mais simples de não chamar mais gente. Mas não foi a primeira vez que toquei ou gravei em duo de piano/pandeiro. No meu disco “Dois Mundos“, gravei “Asa Branca” com o pianista carioca David Feldman, e a gente também fazia um duo ao vivo em muitos shows meus.

WG – Quando surgiu a ideia de voltar a gravar? Pelo visto, a escolha do repertório foi puro divertimento, mesclando jazz e rock com muito prazer. Demorou montar esse repertório final? Ficaram de fora algumas músicas que poderiam caber num outro disco?
SF – Um dia o Alex virou pra mim e falou que estava indo fazer um mestrado em jazz no Canadá, então decidimos entrar no estúdio para registrar o que estava rolando durante aqueles meses. Sem saber se iria ser lançado um álbum, um single, ou nada. Quando a gente viu que ficou legal, decidimos lançar mesmo para compartilhar com o mundo. O repertório foi desenvolvido de forma orgânica. Muita coisa que o Alex já tocava, mas não nessa formação, Com o pandeiro, novos grooves e arranjos apareceram. Eu dei minhas ideias, e também coloquei a influência brasileira em algumas faixas. Quando a gente entrou no estúdio tinha uma lista de mais de vinte músicas e decidimos gravar sete. Uma morreu, e o disco ficou com seis. Então sim, com certeza sobrou coisas para um outro disco no futuro. Talvez de duo de novo, ou com mais gente.
WG – Porque deram o nome ao disco o nome de ‘Six feet apart’ ? Onde fizeram as gravações e a mixagem?
SF – Esse título está criando confusão aqui no Brasil porque “feet” (pés) não é usado aqui ;). Durante o começo da pandemia nos EUA essa foi a dica sobre distância social … “stay six feet apart from other people“. Tipo, “Seis pés de distancia”. Mas no Brasil seria ‘fique a dois metros de distância. A gente deu esse nome porque quando a gente começou tocar juntos e estávamos de máscara, mantendo essa distância. A gravação foi feita em Asheville, North Carolina, nos EUA, no estúdio Seclusion Hill Music, e a mixagem/masterização no Rio de Janeiro, por Marcos Suzano, no estúdio dele.

WG – O seu release faz uma boa análise sobre as músicas do disco abordando os conceitos utilizados em cada uma uma delas.

SF – Lush Life: Taub abre o clássico de Billy Strayhorn com uma bela introdução de piano mostrando seu toque elegante e sensível. Em seguida, Feiner entra com um groove que sugere alguns de seus ritmos nordestinos favoritos: ciranda e baião,  mas sempre deixa o ouvinte na dúvida do que exatamente é.. No final, os dois músicos estão conectados em uma vamp alegre que eles nunca gostariam que terminasse. É uma forte declaração que permite a quem escuta saber da proposta desse duo.

Home at Last: Tocar uma música do Steely Dan em duo pode parecer uma ideia maluca, mas Taub fez um trabalho impressionante nessa música de Donald Fagen e Walter Becker, condensando todos aqueles overdubs pelos quais Steely Dan é famoso, apenas no piano. Uma das coisas favoritas de Scott para tocar no pandeiro é o shuffle 12/8, daí ele ter adorado o desafio de tentar tocar de acordo com o lendário “Purdie Shuffle”. Mas não se trata de uma simples reprodução direta da música, como você pode ouvir durante o solo de piano onde a dupla mostra seu domínio sobre a dinâmica para criar um espaço aberto e lúdico que surpreende no meio de uma melodia com tanto groove.

It Could Happen to You: esse belo jazz standard de Jimmy Van Heusen, ganhou uma abordagem surpreendente. Normalmente tocada como uma balada, ou jazz swing em 4/4, o duo o apresenta como uma valsa jazz de ritmo médio 6/8, optando por pular direto para o solo de Alex em vez de declarar a melodia na frente. O uso de dinâmica e sutileza de Feiner nas platinas do pandeiro está bem presente aqui – um dos elementos de sua performance que lhe rendeu o respeito de seus colegas pandeiristas ao redor do mundo.

50 Ways to Leave Your Lover: nesse clássico de Paul Simon, Feiner abre com um groove que pode ser descrito como uma mistura de bolero e baião, antes de se estabelecer em algo mais baião. Taub então entra com uma impressionante introdução que leva a uma bela interpretação da melodia de Simon. Eles seguem o plano da gravação original – um backbeat na parte B, onde Alex mostra o lado gospel/blues/funk de sua execução. A performance termina em uma intensa conversa rítmica entre os dois com um nível de energia que parece ser catártico.

Taub apresentou a Feiner I Wish I Knew What It Would Feel Like To Be Free, do Dr. Billy Taylor, que Nina Simone colocou sua marca com sua interpretação emocional. Alex abre com uma introdução requintadamente comovente e Feiner salta com uma batida gordurosa (greasy), adicionando algumas inflexões de bateria gospel de tempos em tempos.

Cherokee: de Ray Noble. Uma música que remonta à era do be-bop, usada principalmente por improvisadores de jazz para provar seu nível de proeza com up-tempos, recebe uma nova interpretação surpreendente. Feiner abre com o que se tornou sua maneira pessoal de tocar o  maracatu, e Alex encontrou uma maneira de trabalhar a seção A em torno disso, antes de mudar para um samba na parte B, que também é usada para a seção do solo de piano. Se você estiver ouvindo em bons fones de ouvido ou alto-falantes, pensará que os tons graves do pandeiro estão vindo de um surdo, mas na verdade é apenas o pandeiro. O primeiro refrão do solo de Taub é apenas com a mão direita, notas soltas, o que cria um diálogo interessante e esparso com o pandeiro. O final da música oferece mais uma surpresa, quando os dois pulam em um groove funkeado para desvanecer a música, junto com o álbum.

 

WG –Nesse ano, você e Alex pensam em fazer um tour, divulgando o trabalho? Pensam também em compor músicas para um segundo projeto?
SF – Estamos num momento muito complicado com respeito a fazer shows e tours, né? O Alex está em Montreal para os próximos dois anos, e no momento estou no Rio. Mas claro, a gente gostaria muito de pelo menos fazer uns shows para divulgar o trabalho. Pelo menos nos EUA e no Brasil. Vamos ver. Sobre músicas autorais para o segundo projeto…. durante nossos encontros já estava nascendo algumas ideias para músicas novas, mas a gente não acabou terminando nenhuma música. Seria muito bom ter algumas para um próximo disco, com certeza.

LINKS

“Quick links” para várias plataformas para streaming/download “Six Feet Apart” (Bandcamp as pessoas podem comprar e/ou contribuir $)
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