O festeiro intrometido: o mestiço Alexandre Caldi
Wilson Garzon – Dentro de uma família de pianistas, a escolha por sopros foi uma escolha por rota própria? E porque a escolha por tantos saxes e flautas?
Alexandre Caldi – Sim, sem dúvida, como tenho pai e mãe pianistas eu me senti naturalmente motivado a buscar outros instrumentos para me expressar musicalmente. Minha iniciação musical foi ao piano mas nunca me vi como pianista. E meu caminho pelos instrumentos de sopro aconteceu de forma pouco comum. Eu tinha uma curiosidade em relação ao saxofone que só aumentou quando comecei a tocar porque meu primeiro instrumento foi o sax soprano, o que é raro, em geral se começa pelo sax alto ou tenor. Eu consegui um sax soprano emprestado e estranhei quando o vi, porque ele era reto, parecia um clarinete, e o sax para mim estava associado à forma de cachimbo. Então, com o tempo, comprei o sax alto, depois os outros dois. Aí vieram as flautas. Penso que a quantidade de instrumentos está associada a meu tipo de personalidade mesmo, dentro da música gosto também de compor, fazer arranjo, dar aulas. A rotina não me interessa muito.
WG – Em ‘Intrometidos (2003)‘ você apresenta um trabalho com seu irmão Marcelo. Qual foi o conceito desse trabalho? Uma carta de apresentação e também uma definição de rota musical?
AC – Foi, sim, um cartão de visita. Queríamos apenas mostrar nossa produção e fazer um disco livre, meio improvisado. É um CD quase todo autoral e foi relativamente fácil de fazer por se tratar de um duo. Mas não creio que tenha sido uma definição de rota, acho que eu e Marcelo gostamos de passear e experimentar trajetos diferentes.
WG – Seu primeiro trabalho solo, ‘Festeiro (2008)‘, apresenta sua maturidade composicional. É pura música instrumental carioca? Os músicos do cd já estavam presentes nas suas gigs e gravações?
AC – Sim, se não me engano foram 21 músicos que participaram daquele CD, todos amigos próximos e com quem estava tocando naquela época. “Festeiro” é o resultado de minha experiência de ter tocado tanto na Lapa, considero-o realmente carioquíssimo. É um CD muito alegre e dançante, não tem esse nome à toa.
WG – Este ano, você apresenta seu mais novo trabalho: ‘Mestiçaria‘. Nele, o lado mestiço se encontra com a feitiçaria sob as bençãos da música?
AC – Sim, é exatamente isso, o substantivo “correto” seria “Mestiçagem”. O termo “Mestiçaria” eu utilizo justamente para me remeter também à ideia de feitiçaria. Existe um “quê” de mágico na comunicação entre os músicos na musica instrumental, a improvisação nos traz esse sabor. Então o que temos é uma grande mistura de gêneros num contexto de magia.
WG – O repertório tem dez composições autorais. Conte-nos um pouco sobre elas: foram criadas para esse cd ou são independentes? Qual o significado de cada uma delas?
AC – Algumas músicas eu já havia composto há algum tempo, outras fiz em cima da hora, para o Cd mesmo. Dois exemplos de composições novas são as parcerias com o Nando Duarte – a faixa-título – e com o Zé Paulo Becker – a canção “Nova Receita”. A música “Mestiçaria” é inspirada nos afro-sambas de Baden e Vinicius. “Nova Receita” é uma referência à “Receita de Samba”, do Jacob do Bandolim, que eu havia gravado no CD “Festeiro”. Na verdade as inspirações da cada música são muito claras pra mim, podem ter sido outras obras, pessoas ou paisagens. “RespirAlice” fiz para minha namorada na época, agora minha mulher. “Estrela” é para minha mãe, Estela Caldi. É a única canção não inédita do CD, já havia gravado com o LiberTango. “A Festa das Santas” é inspirada tanto em “La Fiesta”, de Chick Corea, como em “Santa Morena”, do Jacob do Bandolim. E por aí vai…
WG – Como está sendo o lançamento de ‘Mestiçaria‘? Vai se apresentado em outras praças? E a repercussão crítica?
AC – Fiz três shows de lançamento no Rio, tenho mais um por aqui em dezembro e estou fechando um em São Paulo para novembro. Recebi ótimas críticas em mídias como O Globo e O Fluminense, e muita gente que escutou o CD me procura para elogiar. Se essa procura é espontânea, e não a resposta a uma pergunta, é sinal de que estão gostando mesmo!
WG – Dentro de um horizonte próximo, há novos projetos sendo engatilhados? E quanto ao LiberTango, ele terá mais uma edição?
AC – Já estou com um novo projeto na praça chamado “Buarqueanas”, em que toco músicas de Chico Buarque acompanhado por um quarteto de cordas tradicional (dois violinos, viola e violoncelo). Nossa estreia foi na Sala Cecilia Meireles, um concerto memorável, e agora temos duas datas na Casa do Choro, aqui no Rio. Quanto ao LiberTango, estamos em estúdio gravando um CD em parceria com a grande cantora e atriz Soraya Ravenle. A agenda do LiberTango está incrível neste ano, temos shows marcados no Teatro da UFF, na Fundação Eva Klabin, e uma temporada de quatro dias no Espaço dos Corre
ios em São Paulo. São 20 anos de carreira do LiberTango: merecemos essa agenda cheia!