Festival “Jazz na Fábrica”, em São Paulo, é a atração de agosto
Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil, 29/07/2017
Neste ano em que se celebra o centenário de gravação do primeiro disco de jazz, pela Original Dixieland Jazz Band, um pioneiro conjunto de Chicago, vale lembrar que a grande contribuição desse modo de expressão musical (e não um tipo de música) à cultura do século XX foi a re-humanização da “arte das musas”.
Por ter dado ao intérprete uma liberdade de criação cada vez mais ampla, o jazz fez com que o músico deixasse de ser, apenas, um “instrumento” obrigado a seguir à risca a partitura do compositor, mas passasse também a agir como um ativo criador.
Os músicos que se dispõem a fazer jazz não podem deixar de ter um compromisso com as raízes afro-americanas desse modo de expressão musical e com uma mainstream já bem definida, ainda que adjetivada por outras expressões culturais eruditas ou populares. Como música de síntese, o jazz tem direito a certas apropriações. A recíproca pode não ser verdadeira, e daí confusões inevitáveis quando se discute o relacionamento entre jazz e música “erudita” e, sobretudo, entre jazz e música popular.
O jazz como música de síntese, como o “som da surpresa” (apud Whitney Balliett) é a marca do festival Jazz na Fábrica,que terá lugar em São Paulo, no Sesc Pompeia, nos fins de semana entre os dias 10 e 27 deste mês de agosto, firmando-se – no seu sétimo ano consecutivo – como o mais importante do Brasil no gênero.
Neste ano, o lendário pianista Abdullah Ibrahim – nascido na África do Sul com o nome de Dollar Brand há 82 anos – é a estrela de maior grandeza de uma constelação de notáveis músicos, que inclui: os trompetistas Roy Hargrove e Eddie Allene seus conjuntos; o septuagenário pianista-compositor alemão Alexander Von Schlippenbach, à frente de uma renovada Globe Unity Orchestra; a sofisticada pianista-compositora-vocalista Anette Peacock; o inclassificável multi-instrumentista Hermeto Pascoal; a flautista israelense Hadar Noiberg; Roberta Gambarini, vocalista italiana fora de série (como convidadado quinteto de Roy Hargrove).
A etapa final do festival Jazz na Fábrica (17 a 20/8) é particularmente imperdível para os jazzófilos que têm mais intimidade com a mainstream do jazz pós-bop, mas também ouvidos e mentes abertos à revolução do free jazz.
O eminente Abdullah Ibrahim foi inicialmente influenciado, lá na sua Capetown natal, pelo piano de Duke Ellington. Com o tempo, interessou-se também pelos achados assimétricos e politonais de Thelonious Monk. E tornou-se, na história do jazz, o grande intérprete da diáspora africana.
Na sua música, ele não busca, apenas, uma “fusão” das canções folclóricas da África do Sul com as harmonias do bebop. Seu espírito zen levou-o à evocação cada vez mais meditativa de “imagens acústicas e do sentimento de paisagens perdidas/lembradas para criar expressões sonoras da terra natal”, como comentou a musicóloga americana Carol Müller. Ibrahim é um inspirado impressionista, tão importante no panorama do jazz moderno como o francês-polinésio Gauguin na história da pintura.
Já Alexander von Schilippenbach, 79 anos, foi o principal elemento catalisador do free jazz na Europa, a partir de sua Globe Unity Orchestra, fundada em 1966, e que teve grande impacto na cena do jazz de vanguarda. Dentre os seus membros destacaram-se free jazzmen que ficaram famosos no mundo todo, como o trompetista Manfred Schoff, os saxofonistas Peter Brötzman, William Breuker e Gerd Dudek, e o baterista Paul Lovens.
Em 2006, a GUO reuniu-se novamente para gravar o álbum 40 Years (Intakt Records). A formação que vai se apresentar no Jazz na Fábrica tem 11 músicos. Além do líder ao piano, quatro trompetistas, três saxofonistas, dois trombonistas e um baterista. Da antiga formação permanecem Schoff, Dudek e Lovens.
A programação completa do Festival Jazz na Fábrica/SESC está em:
www.sescsp.org.br/programacao/39950_JAZZ+NA+FABRICA#/content=programacao