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‘A mediocridade sempre volta’, diz Ivan Lins

Agência Estado, jornal ‘Estado de Minas’, 01/03/2021

Não é difícil ver versos de músicas de Ivan Lins em posts de redes sociais. A obra do compositor, que em 2020 completou 50 anos de carreira e 75 de vida, permanece pungente e induzindo a reflexões. Gravado por Elis Regina, Nana Caymmi, Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Sting, Ivan Lins não se cala diante de questões que o atormentam, como o governo Jair Bolsonaro, a corrupção e a demonização da classe artística. “Os fatos que essas letras trazem se repetem. A corrupção, o mau político, a grosseria, a estupidez e a mediocridade sempre voltam“, diz.

O compositor, que atualmente se divide entre Lisboa e Petrópolis, no Rio de Janeiro, estava na capital portuguesa quando a pandemia do novo coronavírus começou, em março do ano passado. Teve de esperar para voltar ao Brasil e, aos poucos, retomar as atividades. Um disco só com músicas em parceria com Vitor Martins está em compasso de espera. A turnê que comemoraria as cinco décadas de atividade, também.

Acompanhado apenas pelo tecladista Marco Brito, ele se apresentou na sexta-feira passada (26/2) num teatro de São Paulo, para uma plateia reduzida a 40% da capacidade, de acordo com os protocolos sanitários. No repertório, canções como “Vieste”, “Bilhete” e “Iluminados”. Segundo o cantor e compositor, é isto o que “o momento pede: canções mais líricas, de letras mais intensas. O povo brasileiro tem uma carência afetiva imensa”.

 

 

Você não fez live, apenas uma participação na que comemorou seu aniversário. Por quê?
Fiz pouca coisa neste tempo de pandemia. Dois ou três shows em Portugal. Alguns passaram pela internet. Em dezembro, fiz uma apresentação com a Jazz Sinfônica de São Paulo, metade dela, e o MPB4, que foi linda. Foi o único show com público que fiz no Brasil até agora. Preciso sentir o calor humano, a respiração das pessoas. Isso é essencial para a arte.

O brasileiro está carente?
Sim. Estamos precisando demais de amor. O povo brasileiro é carente. Tem uma carência afetiva imensa.

Os versos de músicas suas como “Cartomante” e “Deixa eu dizer” passaram a ser usados nas redes sociais para expressar a insatisfação política e social no Brasil. Você acompanha?
Sim, “Desesperar jamais”, “Bandeira do divino”, “Novo tempo” também. A história é cíclica, igual à moda. Essas letras todas são do Vitor Martins. Ele sempre escreveu com essa atemporalidade, sabe que os fatos que essas letras trazem se repetem. A corrupção, o mau político, a grosseria, a estupidez e a mediocridade sempre voltam. “Formigueiro”, de 1978, é outra que casa direitinho todos os anos. Ela fala da corrupção na época da ditadura, quando se roubava muito, e os militares faziam vistas grossas para manter a maioria no Congresso e aprovar os projetos dentro daquela democracia alegórica que o país tinha.

 

 

 

Você estava preparando um disco chamado “Canções de rua, canções de amor”, com letras do Vitor Martins. Ele está pronto?
Está parado. Esta coisa da pandemia nos tira um pouco o ânimo. Quem tem 35, 40 anos, até se anima em produzir mais. Quando você bate nos 50 anos de carreira, como eu, acha que já fez muito, quer selecionar mais. Embora tenha composto muita coisa nesse período. Inaugurei uma parceria nova com Joyce e Marcos Valle, outra com Valle e a Zélia Duncan. Estou batendo bola com outros parceiros. Esse disco com o Vitor, vou esperar. Gosto de compor presencialmente. Ir com o Vitor para uma fazenda para fazer as canções juntos, como sempre fizemos.

Você tem atuado na defesa dos direitos autorais. O meio digital tem sido correto com autores e intérpretes?
O direito autoral se modernizou e está respondendo muito bem à classe musical. Porém, há um problema que as sociedades de classe e o Escritório de Arrecadação de Direitos (Ecad) sofrem, que é a arrecadação nos meios digitais. Com a internet, ela caiu drasticamente. Vivemos de show, do direito de execução. Com a pandemia, sem apresentações ao vivo, ficou tudo muito complicado. As plataformas digitais nos pagam uma cocada e uma mariola. É totalmente injusto. O compositor ficou no final da fila. Todo mundo ganha dinheiro e, no final, o que sobra vai para o compositor. Deveria ser o contrário. Os compositores deveriam ganhar mais que todo mundo e não ficar pobres. Somos nós que geramos a riqueza das plataformas, editoras e gravadoras, enfim, de todo o mercado.

Mesmo com todos os seus discos nas plataformas e com tantas músicas gravadas por outros cantores você recebe pouco?
Sim. Mesmo das minhas músicas mais gravadas. O que chega são 5 centavos. Uma vergonha. Não só comigo, mas com todos os compositores.