‘Azul’ d(a) cor de André Juarez!
Tenho por André uma velha amizade que começou quando lançou ‘Canja’, um trabalho que foi marcante para mim, ao perceber que ele navegava pelos deslimites do vibrafone. De uma certa maneira o reinventava dentro do cenário da música brasileira. Com seu espírito renascentista participa de grupos como o seu Quarteto, o Gato Preto, o Petit Comité, rege o Coral Azul e ainda por cima faz doutorado. Nesse momento, André está lançando ‘Azul’, trabalho esse que levou quatro anos para ser concluído e além do mais teve que enfrentar essa pandemia. Nessa entrevista, ele nos conta um pouco da sua carreira musical, disseca o repertório de ‘Azul’ e fala sobre seus futuros projetos.
Wilson Garzon – Em sua formação, quando foi que fez a opção pelo vibrafone? O piano foi seu primeiro instrumento?
André Juarez – A atividade do meu avô materno era muito semelhante à de um vibrafonista. Na verdade, ele trabalhava com duas baquetas e isso me influenciou bastante, desde muito novo. Sim, o piano foi meu primeiro instrumento. Após uma rápida passagem pelo violino, já fui para a bateria, que era o que eu gostava mesmo. Logo comecei a me envolver com os LPs do Milt Jackson, Gary Burton e Bobby Hutcherson. O Gary veio para o Brasil e fui assisti-lo. Eu devia ter uns 15 anos. Eu literalmente pirei com aquilo. E nunca mais parei…
WG – Conte-nos um pouco sobre a fundação do André Juarez Quarteto. Qual foi o conceito? E os instrumentistas eram todos colegas de sala?
AJ – O AJQuarteto está fazendo 30 anos em 2021. Na verdade, no começo (1991) era um trio, o Ethos Trio. Em 1992, eu resolvi transformar em quarteto porque eu queria aprender a acompanhar uma melodia com o vibrafone corretamente. Por isso incluí um saxofone. Assim nasceu o AJQuarteto! Depois de um tempo, eu decidi trocar o sax por piano, totalmente influenciado pelo Modern Jazz Quartet, do meu ídolo de adolescência e juventude, o Milt Jackson. A minha ideia era ter uma sonoridade parecida com a do MJQ, porém com o foco na música brasileira e latina. E é o que temos feito desde então até os dias de hoje no AJQ.
WG – Em 2006, você lança ‘Canja’, com repertório voltado para a excelência da música brasileira. Foi difícil escolher as dez músicas do disco? E a repercussão crítica foi boa?
AJ – Na verdade, o lançamento do cd “Canja” foi em 2007! A repercussão foi boa sim!! Impulsionados por essa repercussão crítica positiva fizemos vários projetos, viajamos bastante pelo interior de São Paulo e várias cidades brasileiras. Para isso contamos com a produção do querido amigo e parceiro, diretor da Gravadora Pôr do Som, Sérgio Mendonça e sua equipe.
Escolher as músicas não foi difícil não! Isso porque eu escolhi temas que eu amo muito (e já amava fazia tempo!). A ideia era fazer uma mistura de música brasileira com música latina. Na ideia original era para o CD se chamar Salsamba. Como o nome já diz, eu queria misturar salsa com samba mas, no decorrer do projeto eu fui percebendo que, a não ser pela energia contagiante e pelo impulso de fazer dançar, a salsa não tem muito a ver com o samba e sim, com o baião!!
Difícil mesmo foi arregimentar o pessoal que gravou comigo!! O CD passou a se chamar Canja exatamente porque eu chamei muita gente interessante para dar uma canja comigo! E tivemos canjas sensacionais: Jair Rodrigues, Osvaldinho do Acordeon, meu pai, maestro Benito Juarez, entre muitos outros músicos incríveis.
Uma coisa interessante que rolou com esse CD foi que uma das músicas, a Máscara Negra, do Zé Kétti, que fizemos em uma versão jazz waltz, ficou bastante tempo estourada no Japão. Eu inclusive, fui ao Japão com a pianista do Quarteto na época, a Ai Yazaki. Fizemos vários shows por lá em uma turnê maravilhosa!!
WG – Em 2010, você lança seu projeto de choro, Gato Preto, que recebeu o Prêmio Sesi de Música Instrumental. Quando o grupo foi formado? Ele trabalha com repertório voltado para clássicos, autoral ou os dois?
AJ – O cd Gato Preto foi lançado em 2009. O interessante desse trabalho é que ele tem uma importância histórica: foi o primeiro cd de choro integralmente gravado com vibrafone. Claro que nós não somos os inventores da roda. Já tinham usado o instrumento no choro esporadicamente mas, esse ovo de Colombo fomos nós que botamos em pé sim!! O grupo Gato Preto foi formado em 2006, mais ou menos. Na verdade, ele “foi acontecendo”! Eu comecei a tocar choro no vibrafone por volta de 2000/2001, durante uma temporada que passei estudando na Berklee College of Music com o Dave Samuels, vibrafonista da banda Spyro Gira. O Dave gostava de choro e tocamos bastante juntos!
Em uma das músicas que está no cd Canja, Apanhei-te Cavaquinho, eu convidei meu ex-aluno na UNICAMP, um dos melhores músicos com quem já tive (e ainda tenho!) a honra de trabalhar, o Euclides Marques, para gravar o violão de 7 cordas. A coisa deu tão certo que, a partir daí, surgiu a ideia de montarmos o trabalho. Apesar de ser o mais novo, o Gato Preto é, talvez pela facilidade de locomoção dos instrumentos, o grupo com o qual eu mais viajo. Já tocamos em vários países, várias vezes, em importantes festivais (Estados Unidos, Costa Rica, Peru, México, Argentina, além de várias cidades brasileiras). Não vejo a hora dessa pandemia terminar para podermos voltar a fazer nosso som juntos.
WG – Em 2020, em plena era pandêmica, você lança o último trabalho do AJQ, Azul. Existia já um conceito sobre esse trabalho ou foi uma questão de momento/oportunidade?
AJ – Deve fazer mais ou menos uns 8 anos que eu tentava gravar o cd Azul. Tentei inscrever o projeto em vários editais, mas não conseguimos nada, nenhum apoio. Assim, eu decidi gravar às minhas próprias custas. Tive que quebrar o porquinho para conseguir fazer isso. Não foi nada fácil. Só tivemos uma ajuda do entusiasta esloveno Silvo Gustin. Inclusive, já temos até um convite para ir apresentar o Azul na Eslovênia!! Por capricho do destino, bem na hora que conseguimos pôr o projeto em prática, vem essa pandemia…. Bom, que esse pesadelo passe logo para a gente poder botar o “Azul” on the road…
WG – O repertório de ‘Azul’ compreende dez músicas, sendo a maioria, autorais. Das suas composições, gostaria que você falasse sobre cada uma delas, do ponto de vista de como foram criadas, estilo…
AJ – Minhas composições são:
Choro Azul
na verdade, é um blues na forma de 12 compassos, mas com ritmo de choro. Eu fiz essa música originalmente para o Gato Preto, mas ela funciona perfeitamente com o AJQuarteto também.
Minha Mobylette Azul
não é blues. É uma canção na forma AABA, com levada pop, para ser tocada em clima festivo!! É uma música pela qual tenho grande carinho, por vários motivos. Em primeiro, como vc pode ver, eu sempre tive uma forte relação com a cor azul. Desde criança, as minhas coisas em casa sempre foram azuis, enquanto que as do meu irmão Mateus, vermelhas! Essa mobylette azul realmente existiu!! Era azul claro! Talvez tenha sido a fase mais feliz da minha vida!! Eu fazia o diabo com aquela motinha! Rodava pra tudo o que era canto… Vc nem imagina… Uma vez cheguei num ensaio do meu pai com um colega na garupa… só que… em Campinas, pra vc ter uma ideia!!! (mas abafa o caso!!). Bom, outra coisa que me faz ter muito carinho por essa música é que, além dos queridos parceiros de muitos anos Aldo Aliberti e Cassiano Nogara, a faixa tem a participação do meu irmão Felipe de Souza no violino, da minha mãe Beth Rangel no piano, e do meu pai, maestro Benito Juarez no violino. Essa foi a última música que meu pai fez na vida.
A Bossa Azul
é uma composição que fiz em homenagem aos 20 anos de existência do Grupo Azul do CORALUSP, trabalho que criei em 1997 e que até hoje mantenho com muito carinho. Na verdade, essa música é um dos movimentos de um grande projeto, a Cantata Brasileira, obra que compus em homenagem aos 50 anos do CORALUSP. A faixa é uma bossa-nova e conta com a participação do grupo Azul.
Blues for Nêgo
é uma música que fiz para o gato de uma ex-namorada, a Priscila. O Nêgo foi o gato mais lindo que já vi na vida!! Era peludão… Na verdade, ele é o gato que aparece na capa do cd Gato Preto! Inclusive, quem tirou aquela foto dele fui eu! E te digo o seguinte, a coisa mais difícil no cd Gato Preto, muito mais do que gravar, compor, produzir, etc, foi fazer o Nêgo ficar 5 segundos olhando para a câmera. Foram centenas de fotos!! Bom, um vizinho desgraçado deu veneno pro Nêgo e ele morreu. Eu fiquei tão arrasado que compus essa música. É um blues em tom menor (mais triste!), com levada afro-cubana. Na verdade, ela já tem um sentimento de tristeza embutido. Acho que tem a ver com o blues…
Azul
é um dos movimentos de uma obra de minha autoria chamada Suíte Bacante que, na verdade, é um concerto para vibrafone e orquestra. Bacante porque a obra é inspirada em Bacco, o Deus do vinho. Daí, cada movimento ter um nome referencial: Tanat, Malbec, Riesling, Cabernet Sauvignon e Pinot Noir. O primeiro nome de Azul é, na verdade, o movimento Pinot Noir. Trata-se de uma canção com o feeling de um spiritual norte-americano. Também reconheço a forte influência do Gary Burton na minha música, principalmente a vinda do seu álbum Alone at Last, em que ele toca sozinho.
WG – A gravação do disco foi rápida? E quanto a mixagem?
AJ – A mixagem e masterização foram rápidas sim. Meu parceiro Frank Herzberg que, inclusive é o baixista do AJQuarteto, faz isso com muita habilidade.
Quanto à gravação do disco levou mais ou menos 4 anos. Primeiro porque, com te falei, eu paguei do meu bolso. E em segundo, porque eu fui bem seletivo quanto aos parceiros, e dependia da disponibilidade deles para gravar. Bom, mas o cd está aí, e ficou com um resultado que me deixou bastante satisfeito.
WG – Esse espaço é para você sobre seus atuais companheiros do quarteto: Hildebrando Brasil (piano), Frank Herzberg (baixo) e Mosca (bateria).
AJ – Bom, esses três são meus irmãozinhos de som. Trabalhei com o Hilde pelo menos durante uns 10 anos, tocando no jazz sob a escada, no Bourbon Street Music Club, aqui em São Paulo. Depois na pizzaria A Tal da Pizza. Isso além de muitos shows no All of Jazz e em vários outros espaços. Temos também um trio com o baterista Fernando Moura, o Light Jazz Trio, que se apresenta em hotéis, clubes, recepções e eventos de variados tipos; o Mosca eu conheci na UNICAMP durante a década em que fui professor naquela escola. Trabalhamos juntos muitas vezes, inclusive tocando percussão na Orquestra de Campinas. No total, devemos ter pelo menos uns 25 anos de parceria; e o Frank, é meu “irmão alemão”!! Além de ser o baixista do AJQuarteto há mais de 15 anos, já fizemos muita música juntos, em muitos shows pelo Brasil. Ele tem sido também o meu técnico de som em vários CDs e outros projetos. E já rodamos a Europa juntos… meu Deus!! A gente numa highway alemã, numa BMW a mais de 200km/h!!! Eu com o coração na boca de medo!! Muitas aventuras!!
WG – Quanto aos futuros projetos, tem mais uma novidade em relação ao AJQ? E em relação ao Gato Preto e ao Le Petit Comité?
AJ – Tem sim!!! O cd Azul é, na verdade, a primeira parte desse projeto. A segunda parte é outro cd chamado Rapaziada do Jazz que já está pronto e pretendo lançar depois da pandemia!! Se Deus quiser, muitos shows pela frente com esses dois trabalhos. Inclusive, já temos um convite para ir apresentar esses sons na Slovênia. É claro que vamos aproveitar a oportunidade para dar um giro por lá.
Para o Gato Preto também tenho planos…. já está na hora de pensarmos em um cd novo!! Essa ideia já está cozinhando na minha cabeça… Mas eu gosto de ir fazendo as coisas lentamente. Gosto de amadurecer bastante… uma hora a ideia sai da cabeça e vai parar na gravação concretamente!! E com o Le Petit Comité, temos o cd Vintage que não está tão antigo… ainda merece ser mais divulgado. Há alguns anos, fizemos um intercâmbio com o vibrafonista Victor Mendoza. Trouxemos o Victor para uma turnê pelo Brasil e fomos com o Le Petit Comité rodar a Europa. Saudade desse tipo de aventura… Se Deus quiser essa pandemia vai acabar logo e voltaremos com tudo!!!
WG – Como você também atua em outras áreas musicais (Coral USP, doutorado…) esse espaço fica aberto para que fiquemos atualizados em relação ao conjunto da sua obra.
AJ – Sim, sou regente do Grupo Azul do CORALUSP, trabalho que criei em 1997 e que, até hoje, me dá muita satisfação. Foram mais de 10 projetos ao longo desse período: “Azul Canta Spirituals”, “Blóco Andrénalina” (frevos), “Volta ao Mundo em 4 Vozes”, “Samba no Coro”, “América do Som”, “Canta Raul”, “Azul Canta Beatles”, entre outros. Foram algumas centenas de concertos, gravações, viagens, risadas, churrascos…
E sim, atualmente sou doutorando no programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná. Creio que serei o primeiro Dr. Salsa aqui no Brasil!! O meu orientador é o Dr. Edwin Pitre, pioneiro do gênero no Brasil, líder e parceiro por mais de 15 anos na banda de salsa Son Caribe. Graças a Deus, trabalho é o que não nos falta!!! Amém!!!
CD AZUL
1 – “Choro Azul” (André Juarez)
piano – Hildebrando Brasil; baixo – Frank Herzberg; bateria – Ricardo Mosca; vibrafone – André Juarez.
2 – “Minha Mobylette Azul” (André Juarez)
piano – Elizabeth Rangel Pinheiro (minha mãe); baixo – Cassiano Nogara-bro ; bateria – Aldo Alibertti – bro; violino 1 – Felipe de Souza – (meu irmão); violino 2 – Benito Juarez – (meu pai) e vibrafone – André Juarez.
3 – “Fiz Mas Não Sei Tocar” (Rodrigo Bráz Santos)
piano – Salomão Soares; baixo – Frank Herzberg; bateria – Rodrigo Bráz Santos e marimba – André Juarez.
4 – “Midnight Blues” – Hildebrando Brasil
piano – Hildebrando Brasil; baixo – Frank Herzberg; bateria – Ricardo Mosca e vibrafone – André Juarez.
5 – “Lamento Sertanejo” (Gilberto Gil)/ “Cantiga de Amigo” (Elomar)
baixo – Frank Herzberg e vibrafone – André Juarez.
6 – “Bag’s” (André Christóvam)
piano – Michel Freidenson; baixo – Frank Herzberg; bateria – Lael Medina e vibrafone – André Juarez.
7 – “A Bossa Azul” (André Juarez)
piano – Giba Estebez; baixo – Gê Côrtes; bateria – Fernando Moura; vibrafone e marimba – André Juarez e vozes – Coral Azul*
8 – “Blues” (Ney Rosauro)
vibrafone – André Juarez.
9 – “Blues for Nego” (André Juarez)
piano – Hildebrando Brasil; baixo – Frank Herzberg; bateria – Ricardo Mosca e vibrafone – André Juarez.
10 – “Azul” (André Juarez)
piano – Ai Yazaki; baixo – Frank Herzberg e vibrafone – André Juarez.
*Sopranos: Isadora Rodrigues, Ieda Almeida, Ligia Torres, Gina Petraglia, Maria Carolina Seixas, Sandra Marino, Ligia Torres
Contraltos: Rosana Biral, Maria Lúcia Duarte, Liliane Zorzella, Eliana Dobay, Benedita Ferrari,
Tenores: Francisco Barbieri, Guilherme Augusto Alves, Hélio Bispo, André Juarez
Baixos: Jorge Luiz dos Santos, Bruno Ferrari, Francisco Molina, Denis Klein
FICHA TÉCNICA
Direção artística e produção: André Juarez
Produção executiva: Sérgio Mendonça/Pôr do Som
Gravação, mixagem e masterização: Frank Herzberg
Designer gráfico: Andrex Almeida
Logo André Juarez: Lourenço Mutarelli
Apoio: Silvo Gustin