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Bruno Migotto apresenta sua arte, ciclos e seu lado unknown

Quando se fala sobre a música instrumental improvisativa dentro da atual cena brasileira, um dos músicos mais atuantes, sem dúvida, é o contrabaixista Bruno Migotto. Um raro talento que comecei a conhecê-lo através do trio de Michel Leme e do quinteto de Djalma Lima. Não demorou muito, Bruno colocou na praça seu primeiro trabalho solo, In Set, com um repertório autoral e tocando ao lado de feras amigos como Michel Leme, Alex Buck e Daniel D’Alcântara. 

Nesse ano de 2016, Bruno participa do lançamento de dois cds: o primeiro é referente ao Projeto Unknown onde ele participa junto com Gustavo Bugni, Djalma Lima e Cuca Teixeira; o segundo se refere ao Trio Ciclos, trabalho onde ele participa ao lado de Alex Buck e Edson Santanna. É sobre esses lançamentos e outras histórias que Bruno nos conta nessa rica entrevista.

 

Wilson Garzon – Quando surgiu e qual foi o conceito criado para o Projeto Unknown? bruno-miggoto-montagem
Bruno Migotto – O Unknown nasceu há mais ou menos 2 anos atrás. O Djalma Lima, guitarrista, recebeu um convite para tocar uma vez por semana num lugar super legal no Belenzinho em São Paulo, chamado Boutique Brechó Vintage. Ele montou o grupo que a principio levava seu nome e me chamou para fazer parte junto com o Cuca Teixeira na bateria e o Gustavo Bugni no piano. Começamos tocando músicas dele e do Gustavo, coisas que eles já tocavam juntos em outros grupos. Nesse começo tocávamos um set com umas 2 músicas autorais e o resto eram standards do repertório de jazz e de compositores que a gente curte em comum, que são muitos.

Ao longo do tempo começamos a aumentar o número de composições próprias; o Djalma e o Gustavo foram levando mais músicas e compondo especificamente para esse grupo. Eu também comecei a levar composições e naturalmente, esse projeto do Djalma tinha se tornado um grupo de todos nós. Somos todos muito amigos; temos uma afinidade musical muito grande, tocamos juntos há muito tempo e em muitas outras situações e formações, e desde o começo acreditamos muito no som do grupo. Ficamos por 6 meses tocando toda semana nessa casa e isso foi muito importante para começarmos a estabelecer uma identidade sonora, experimentar com timbres, usando essa sonoridade mais elétrica, baixo elétrico e guitarra com efeitos, teclados, sintetizadores, e sempre deixando o som rolar da forma mais natural possível e usando nas nossas composições a mesma liberdade que temos tocando os standards.

WG – E o projeto do cd surgiu esse ano? O repertório foi sendo montado ao longo do tempo? Em que estúdio? As gravações foram demoradas?
BM – A ideia de gravar surgiu assim que percebemos que estávamos começando a soar como um grupo mesmo, isso é uma coisa que todos sempre buscamos e sabemos que não é tão fácil de alcançar. É muito diferente quando você vê um grupo tocar e ele não soa somente como quatro músicos tocando, mas soa como uma unidade sonora. Isso muda tudo, e nossas principais referencias são assim, o Miles Davis Quintet dos anos 60, o quarteto do Coltrane, a Big Band do Count Basie, Keith Jarrett Trio, Led Zeppelin, dentre muitos outros. Então assim que percebemos que tínhamos músicas suficiente para gravar um disco, decidimos entrar em estúdio.

Gravamos no estúdio O Porão na casa do Cuca Teixeira em janeiro desse ano de 2016. O processo de gravação foi bem mais tranquilo do que o comum, por estarmos em um clima mais a vontade, na casa do Cuca e sem aquele taxímetro de estúdio correndo, e por ter sido em uma época em que tem poucos trabalhos para músicos, então conseguimos ficar 5 dias no estúdio, coisa que é bem rara para se gravar um disco de música instrumental, normalmente gravamos tudo em 2 dias. Isso foi bom pois pudemos experimentar bastante e chegar num conceito que nos deixou muito felizes com o resultado.

Mas normalmente na hora de gravar o processo era bem parecido com o de música instrumental no geral: tudo foi gravado ao vivo, todo mundo tocando juntos na mesma sala, algumas faixas foram take 1 e as outras no máximo 2 ou 3 takes. São 8 músicas e uma delas que é uma composição minha, tem um alternative take completamente diferente do primeiro então decidimos deixar no disco também como bonus track, então o disco tem 9 faixas no total.

WG – Como está sendo a divulgação e a repercussão crítica?
BM – O disco saiu em setembro, e de lá pra cá temos feito alguns shows de lançamento, tocamos em festivais e também temos feito alguns workshops em conservatórios e faculdades de música. Estamos como sempre trabalhando de forma totalmente independente e divulgando o nosso som da melhor maneira possível, a aceitação está sendo muito legal tanto de pessoas que vão nos ver ao vivo quanto de quem ouviu o disco, estamos muito felizes, as coisas estão caminhando de uma forma muito natural desde o começo do grupo e o mais importante pra gente é que nada interrompa o fluxo criativo e nada nos deixe amarrados musicalmente. Uma das principais características desse grupo é tocarmos da forma mais livre possível dentro das músicas e deixamos a Música falar mais alto. Estamos aproveitando esses shows de lançamento para trazer músicas novas e já estamos pensando num próximo disco.

WG – Cinco anos depois do lançamento do primeiro do disco, você, Alex e Edson lançam Mobiles Vol. 1, o segundo trabalho do Trio Ciclos. Porque tanta demora? Os discos surgem em ciclos?
BM – Gostaríamos de ter gravado antes esse segundo disco, mas hoje percebemos que a gente precisava desse tempo mesmo para amadurecer o som que estávamos buscando e somos gratos por termos esperado até agora para gravar. O baterista Alex Buck, o pianista Edson Santanna e eu tocamos juntos há muito tempo e em diversas outras situações. Esse trio surgiu em 2008 e desde a primeira vez que tocamos juntos ficou claro que a nossa busca em comum era a improvisação e buscar cada vez mais dessa liberdade.

Sempre usamos dessa liberdade tocando standards e improvisando sobre a forma do tema, e ao mesmo tempo estávamos sempre conversando sobre isso e procurando maneiras para sair da forma e nos comunicar musicalmente de outras maneiras que não só tocando na harmonia, no tempo e dentro de uma estrutura. Gravamos nosso primeiro disco em 2011 com composições dos 3, baseadas em formatos de standards e com a sonoridade mais naquela linguagem dos trios de samba jazz que foram e ainda são grandes referências pra nós.

Paralelo a isso estávamos sempre trazendo ideias e fazendo arranjos para temas de compositores brasileiros, os arranjos sempre foram feitos coletivamente nos ensaios. Pensávamos em gravar esses arranjos, mas aí entra uma questão bem complicada que são os direitos autorais, principalmente do ponto de vista financeiro, isso dificulta bastante para gravar um disco de forma independente, pois gastaríamos mais com direitos do que com a própria gravação.

Então começamos a utilizar dessas ideias que trazíamos para os arranjos como linhas de baixo, trechos de harmonia, grooves e etc, para criar nosso discurso musical, começamos a usar tudo isso como códigos musicais, o que chamamos de Mobiles, estruturas fixas que podem ser apresentadas em ordens diferentes e usadas de maneiras diferentes. Então agora através da improvisação, criamos as composições em tempo real, e tem toda essa liberdade criativa para conectar uma ideia com outra e criar o discurso sonoro. Fazemos isso ao vivo, e foi assim que fizemos na gravação do disco também.

WG – Em termos de proposta, o que existe de diferente de um disco para o outro?
BM – A proposta desse disco vem do mesmo princípio do primeiro disco, que é essa ideia jazzística de improvisar sobre uma estrutura, porém agora podemos sair dessas estruturas recriar o tempo todo a ordem e a conexão entre um trecho e outro. Outra coisa que muda bastante é que essas criações são feitas sempre de forma coletiva então sai um pouco daquele conceito jazzístico de um solista e outros acompanhando e interagindo, estamos sempre criando juntos e interagindo um com o outro sem ter necessariamente uma voz principal, dessa maneiras, a soma dos 3 cria uma outra textura, diferente de um solo e acompanhamento.

Outra coisa que começamos a experimentar a usar no disco e pretendemos usar ao vivo é a live eletronics, processamos os sons acústicos dos instrumentos criando texturas diferentes e isso também leva a improvisação para outros caminhos. No geral o conceito do trio desde o começo tem sido trabalhar e explorar ao máximo a improvisação, e estamos sempre pesquisando e propondo novas maneiras de criar e improvisar.

WG – Gostaria que você dissecasse um pouco as composições desse cd (ideia ou conceito de cada uma delas)
BM – A primeira faixa, 3 Chances foi uma ideia que o Alex trouxe que é um conceito muito novo para nós e decidimos experimentar no disco. O disco foi gravado em 3 dias, e no final de cada dia gravávamos cada um de nós um trecho solo de 3 minutos, mas ninguém ouvia a gravação dos outros, no final fizemos uma montagem com trechos dessas gravações sobrepostas, isso resulta em uma música totalmente aleatória porém o resultado não poderia nunca ser alcançado de outra maneira e ficamos muito felizes com o resultado. Foram feitos também alguns processamentos usando o live eletronics que foi feito pelo Alex, decidimos abrir o disco com essa faixa para já mostrar que nosso som está tomando outros rumos.

A faixa 2 Curaçao Mobile foi baseada em um tema do Alex com uma estrutura de standard que tocamos há muito tempo, chamado Curaçao, começamos tocando de forma livre e depois entramos na estrutura do tema e nessa faixa fazemos algo mais na linguagem jazzística com solos e etc.
A faixa 3 Mobile Rock é baseado em um groove de rock com compassos irregulares, o groove é tocado por baixo e bateria e o piano toca uma camada por cima disso, o que resulta em uma textura bem diferente de um solo, usamos alguns processamentos no piano também nessa faixa.
Koan n°2 é uma peça do Alex que contém 5 elementos para cada instrumento do trio, só podemos improvisar com essas pequenas ideias, e na mixagem fizemos uma sobreposição com gravações feitas nas ruas, o que ilustra bem essa nossa realidade urbana com a improvisação.
Mobile Saudade é uma simples ideia de linha de baixo retirada do nosso arranjo para “Chega de saudade” que foi um dos primeiros arranjos do trio, essa faixa é emendada com a anterior.
Mobilibre foi uma improvisação livre que fizemos no final da gravação, usamos alguns códigos musicais dentro dela mas a grande maioria é completamente livre.
Maxixe é uma improvisação na forma do tema “Brejeiro” do Ernesto Nazareth.

WG – Quais serão as próximas apresentações do Trio? E tem saído matérias sobre o disco?
BM – O primeiro lançamento oficial do disco será no dia 10 de janeiro de 2017, no festival Jazz A La Calle, na linda cidade de Mercedes no Uruguai. Será muito legal lançar nosso disco lá, pois todos já fomos algumas vezes para este festival, tocando com outros trabalhos e será nossa primeira vez com o trio lá e lançando o disco será muito especial para nós. Antes disso, faremos um workshop no dia 19 de novembro em um estúdio no Brooklin, em São Paulo.

Nós três atuamos como professores de música há muito tempo e começamos a fazer esses workshops no ano passado e foram experiências muito boas tanto para os participantes quanto para nós. Falamos principalmente sobre improvisação, e abordamos isso de diversas maneiras mas falamos principalmente sobre a improvisação em grupo, que é muito pouco falada no ensino musical de uma forma geral. Estamos agendando o nosso lançamento oficial no Brasil para o começo de 2017.


WG –
Você, que é um dos mais requisitados contrabaixistas da cena jazzística em São Paulo, como andam seus trabalhos com Michel Leme, Lupa Santiago, etc..?
BM – Sou realmente muito grato pois tenho trabalhado com músicos que são referências pra mim desde o começo e com sons que valorizam a liberdade de criação e improvisação que é realmente minha grande paixão.

Michel Leme sempre foi uma referencia de músico e improvisador pra mim, e venho trabalhando com ele há quase 10 anos. Gravei os últimos 6 trabalhos dele, os dvds “Na Montanha” e “Arquivos vol. 1”, os discos “5”, “Na Hora”, “9” e “Alma”. Todos eles com o meu parceiro Bruno Tessele na bateria, e os dois últimos em quarteto com o Felipe Silveira no piano elétrico. Esse grupo tem sido uma grande escola pra mim, os temas que o Michel trás são num formato parecido com os standards e isso nos deixa livres para criar juntos e ir para onde a música nos leva, sem combinar nada, simplesmente saímos tocando. Com o Michel venho tocando baixo elétrico desde o começo.

Em 2007 entrei para a Soundscape Big Band também, essa banda sempre foi uma grande referencia pra mim e tem sido uma grande escola também, tocar em Big Band é uma responsabilidade muito grande para um baixista e diferente de tocar em formações menores. Desde que entrei gravamos dois discos com a banda, “Cores vol. 1” e “Paisagens sonoras”, e nos últimos anos temos feitos projetos com grandes solistas e arranjadores como o Nailor Proveta, o Ohad Talmor e também com o Gilson Peranzzetta.

Com o guitarrista Lupa Santiago gravei dois discos no ano de 2014, um de quinteto que se chama “Chamado” onde ele divide as composições com o saxofonista Rodrigo Ursaia e outro chamado “Ubuntu” onde divide as composições com o grande trombonista americano Ed Neumeister.

Além destes, tenho tocado com o Chico Pinheiro há pouco mais de 2 anos, temos feito bastante shows pelo Brasil e fora também, esse ano fizemos shows na Argentina e nos Estados Unidos. Outra grande referencia pra mim que venho tocando há mais de 10 anos é o trompetista Daniel D’Alcântara, em 2014 gravamos seu último disco de quinteto chamado “Canção para tempos melhores” onde gravamos uma composição minha também.

No ano passado gravei um disco ao vivo no Jazz nos Fundos em SP com o percussionista Marco Lobo, grande músico com quem venho tocando junto desde 2010. Além destes, tenho tocado e gravado com muitos grandes músicos e compositores da minha geração, como Jota P, Louise Woolley, Jorginho Neto, Vinicius Gomes, Paulo Almeida, Lourenço Rebetez, dentre outros.

WG – Depois da grande repercussão do seu primeiro cd In Set, já se passaram alguns anos e nada. Quando é que sairá o segundo trabalho solo?
BM – Tenho pensado há algum tempo em gravar meu segundo disco solo, mas tenho dado mais prioridade ultimamente para os grupos aos quais faço parte e todos os trabalhos que participo que me ocupam bastante tempo. Gravar um disco solo dá muito trabalho, ainda mais no meu primeiro que eram sete músicos, não é fácil produzir isso tudo sozinho. Uma das coisas que adoro nos grupos é que tudo é dividido e distribuído de uma forma melhor, não fica tudo para uma pessoa fazer.

Além do Trio Ciclos e do Projeto Unknown que lançaram disco novo nesse ano, tem um novo projeto também que estou muito feliz em fazer parte, se chama Reunion Project. O grupo foi formado no começo desse ano e é um coletivo, todos levam composições, além de mim estão o Chico Pinheiro na guitarra, Felipe Salles no saxofone, Edu Ribeiro na bateria e Tiago Costa no piano. Em fevereiro desse ano fizemos uma turnê pelos Estados Unidos com shows e workshops em universidades, e no final da turnê gravamos nosso primeiro disco no estúdio Wellspring Sound em Acton-MA. O disco se chama “Varanda” e será lançado no ano que vem pelo selo Tapestry.