Buenos Aires, destino para jazzófilos!
Estive em Buenos Aires neste mês de outubro e fiz questão de percorrer alguns dos jazz clubs locais, tanto para conhecer alguns e rever outros, e principalmente receber a energia da cena musical que fervilha há quase três décadas e vem lançando músicos e obras de enorme valor. É importante lembrar que o jazz é uma tradição portenha que já tem quase cem anos. Chegou com imigrantes americanos no seculo XX e se misturou com a cultura local.
A onda mais nova que nos referimos foi um boom, um turbilhão de jovens músicos estudando no exterior ou no país, que se somaram a veteranos dos anos 60 e muitos músicos consagrados militando em diversos estilos, como p. ex. o tango. Esse é o movimento que pipocou forte dos 90 em diante. Nós temos acompanhado esta cena desde 1999. Fizemos um histórico de eventos e lugares visitados.
BEBOP JAZZ CLUB
Moreno 364 (San Telmo) 1112 Tel: +54 11 4331-3409
Localizado embaixo do restaurante Aldos em San Telmo, Bebop segue sendo uma grande opção. Sofisticado e com clima novaiorquino, o lugar conta com ótimo serviço de bar e restaurante, mas recomendamos um pitstop no Aldos enquanto não liberam a entrada para o set. Assisti a três shows neste lugar.
05/10 – Daniel Maza Cuarteto
Como sempre, o baixista uruguaio arrasou, acompanhado de Ramiro Cubilla na guitarra, Fabian Miodownik na bateria e Leandro Marquesano piano e teclados. A musica dele tem forte sotaque latino, militando em ritmos argentinos, bossa nova e claro, no candombe uruguaio. Um veterano da cena portenha, Maza tem trabalhos com inúmeros artistas da Argentina e do Uruguai. Sempre é um acerto escolher um recital dele. Um monstro no baixo elétrico.
10/10 – Hernán Jacinto Trio
Cada vez melhor a cada dia que passa, a música de Hernán encanta todo mundo . Com um trio bastante rodado, formado com Jeronimo Carmona no contrabaixo e um perfeito Daniel Pipi Piazzolla na bateria, desfilou temas de seu disco mas com muita coisa nova que devem gravar em breve. Refinado, criativo, com muito bom gosto nas composições, cada apresentação deste trio é imperdível. Recentemente Hernán esteve no Brasil para uma apresentação com o gaitista Gabriel Grossi. Ficamos na torcida pra ver esse trio no Brasil.
12/10 – Marco Sanguinetti
Este pianista portenho vem construindo música nova a cada lançamento, com roupa e estrutura próprias, trilhando caminhos fora dos muitos rótulos corriqueiros que costumamos identificar como jazz, até porque conta com violoncelo e um DJ fazendo efeitos no contexto. Neste recital o grupo lança o disco Inmoral, com o qual celebra a música de Gustavo Ceratti, o cultuado compositor, guitarrista e cantor da mais aclamada banda de rock em espanhol, a argentina Soda Stereo. Com muita elegância eles desfilam o universo de Ceratti na interpretação de Sanguinetti, ora com melodias identificáveis, ora com caras completamente novas, mas sempre uma bela proposta que hipnotiza e embala a plateia. Convenhamos, onde mais encontramos uma pérola assim num domingo a meia noite? Somente em Buenos Aires!
ANTIDOMINGO
Pinto 4860 – barrio Saavedra
Instalado numa casa de três andares cujos ambientes foram todos decorados de forma rústica e despojada, o Antidomingo tem programação variada, como um oásis musical numa zona residencial, o bairro de Saavedra. É preciso tocar a campainha, é uma casa fechada. A cerveja Patagonia no barril, e as pizzas são ótimas pedidas. Eles costumam convocar artistas do movimento contemporâneo portenho, não necessariamente do jazz. O show começou as 22 horas de um domingo, e não costuma se estender depois da meia noite em repeito a vizinhança. Conforme nos contaram, o bairro vizinho San Isidro também conta com nichos de jazz importantes e que eventos públicos tem ocorrido em locais abertos. Precisamos aprofundar mais neste movimento, o que vai ficar para uma próxima visita.
06/10 – Enrique Peña Trio
Guitarrista colombiano que já vive há 12 anos em Buenos Aires, Peña acaba de lançar seu primeiro disco e nos convidou para conhecer o trabalho (a quem irei dedicar matéria especial em breve). Aqui, ele conta com Juan Bayón no contrabaixo e Inti Sabev no sax. A música fluiu suave, agradando em cheio a compenetrada plateia. No disco, eles tiveram um baterista, aqui neste palco, funcionou em trio como música de câmara, uma bela dança entre os três instrumentos. Peña nos explica que parte destas composições são francamente inspiradas na música tradicional de seu país. Um fim de domingo muito especial.
CAFE VINILO
Gorriti 3780 ( y Jeronimo Salguero) 54 11 4866-6510
Foi ótimo revisitar um velho point de boa música, localizado em Palermo. Vários discos ao vivo foram gravados neste lugar, um restaurante de ótimas opções e carta variada de vinhos. Como é comum nesta cidade, os locais de música costumam ter ótimo equipamento, aqui não é diferente, o som é aveludado e convoca a plateia a prestar muita atenção nas execuções.
09/10 – Morrotronik / Noel Morroni Trio
O site Clube de Jazz publicou recentemente uma entrevista com este refinado pianista. Na sequência da carreira ele vem divulgando o disco novo, Essayer, voltado para o grupo Morrotronik, formado por Andrés Chirulnicoff no contrabaixo, Martin Lopez Grande na bateria, e Morroni nos teclados. A apresentação teve duas convidadas, a violinista Julia Tchira e a saxofonista Camila Nebbia. O ambiente foi deixado com baixa iluminação para os efeitos de projeção criados pela artista visual Clara Ayala, que sempre participa como mais um elemento da música deles. O grupo vem sendo classificado na linha nu jazz, dando ao jazz trio novos rumos nas composições, com mais interação entre eles. Foi uma belíssima apresentação que nos dá a certeza de haver visto artistas construindo com firmeza seu universo musical.
THELONIOUS CLUB
Nicaragua 5549
Estava muito curioso para conhecer o novo Thelonious, já que fomos assíduos frequentadores do velho sobrado anterior, espaço venerado pelos músicos locais. Conduzido pelos irmãos Ezequiel e Lucas Cutaia, músicos e filhos do lendário Carlos Cutaia, o Thelonious ocupa agora um amplo ambiente que funciona ao lado de um teatro em Palermo. A mudança veio pra melhor. Agora a casa tem muito mais mesas, mantendo o mesmo bar refinadíssimo, e mesma a cozinha limitada a pizzas , picadas e empanadas, apenas para acompanhar a música. E continua venerado por músicos e público, um point obrigatório.
11/10 – Kink of Blue Projekt
Músicos veteranos da cena portenha, o baterista Fernando Martinez e o sax alto Carlos Michelini se unem aos novos valores Mauricio Dawid no contrabaixo, Miguel Marengo no piano, Gonzalo Rodriguez no sax tenor e Sebastián Greschuk no trompete, para celebrar os 60 anos do icônico disco Kind of Blue, de Miles Davis. Com muito respeito aos temas e uma boa dose de atrevimento nos solos, o sexteto nos proporcionou momentos de puro deleite! Tocaram o disco inteiro e mais alguns temas do Miles. Todos eles tem trabalhos autorais importantes mas é sempre muito bom vê-los tocando standards.
VIRASORO BAR
Guatemala 4328 – Palermo – Tel: 54 11 4831-8918.
Este também é um point obrigatório no roteiro. Localizado em Palermo, o lugar é pequeno e deve-se chegar bem cedo nos sets. Aos fins de semana tem função dupla, que chamam “trasnoches’. O palco pequeno não comporta muita gente, então o lugar é o único que conta com um piano honky tonk. Tem uma vitrine onde se pode encontrar cds dos músicos locais a preços razoáveis. Aliás , é um lugar acessível e muito procurado pela juventude portenha que acompanha jazz contemporâneo.
12/10 – Juan Canosa Sexteto
Escolhi o trasnoche de sábado para visitar o Virasoro e topei com o infernal sexteto do trombonista Juan Canosa. Alguns velhos conhecidos nossos fazem parte do grupo, como o pianista rosarino Francisco Lovuolo, o saxofonista Ramiro Flores e o trompetista Sergio Wagner, aos quais se juntam o baterista Sebastian Groshaus e Leonel Cejas no contrabaixo. O grupo começa misturando standards do songbook americano, como um tema de Count Basie e o dixieland dos anos 20, com trabalhos autorais dentro da roupagem “small big band” que ostentam – Canosa canta em alguns temas – só que os danados estraçalham solos bastante arriscados . A doçura sugerida nos temas desaparece muitas vezes do cenário , dando lugar aos costumeiros improvisos de tirar a respiração! Bandaça de tirar o chapéu!
LA BIBLIOTECA CAFÉ
Marcelo T de Alvear 1155 – 4811 0673
Este charmoso café funciona no subsolo do prédio da Biblioteca Mujeres, bem ao lado do Teatro Coliseo. A cozinha tem empanadas deliciosas e bons vinhos a preços acessíveis. Costumam programar tango, jazz, bossa nova e até musica portuguesa, de quarta a domingo, mas já fazem 11 anos que realizam um sensacional encontro de jazzistas nas noites de segunda, uma jam session bastante concorrida. O encontro de músicos hoje sempre começa com o trio do pianista Angel Sucheras, com Federico Palmolella no contrabaixo e Camilo Zentner na bateria. O repertorio é de standards e tocam por uma hora, quando se inicia a jam, e vários músicos vão se agregando e se revesando. O músico Camilo Zentner comanda a noitada. Vários músicos vão chegando e se instalando na plateia, ansiosos por sua vez na jam. É um point que deve ser incluído no roteiro e recomendo acompanhar esta movida.
Dois Toques
Devo mencionar o histórico Notorious Club, que programa música bastante variada e ainda tem as jam sessions de sexta depois da meia noite. Também fizemos uma visita ao Centro Cultural Kirschner, que tem um grande teatro instalado dentro de uma “baleia metálica”, estrutura que impede a entrada de sinais de celulares. Até o fim do ano estão apresentando uma mostra de música antiga. No dia em que estive por lá, o organista Enrique Rimoldi executou temas do barroco e de música sacra. Um órgão com toda a sua tuberia foi instalado no local e outros músicos farão apresentações nele.
São necessários muitos dias para fazer um recorrido abrangente pelos points de jazz em Buenos Aires, muitos lugares ficaram de fora. Recomendamos aos jazzófilos iniciar uma pesquisa prévia navegando nos sites e páginas de jazz clubs, restaurantes e dos próprios artistas.