Carta Aberta sobre o Amigo Arthur Maia
Dan Mendonça, especial para o site Clube de Jazz
Dan Mendonça é um daqueles cidadãos privilegiados, que além de ser um renomado otorrino em Vitória, também é artista plástico e ultimamente tem abraçado o oficio de luthier, com preferência para baixo elétrico. E foi através dessa atividade que pode construir uma forte e afetiva amizade com Arthur Maia ao longo dos anos. Friso também que Dan Mendonça é um dos curadores do Santa Jazz, que ocorre anualmente em Santa Tereza, na serra capixaba e sem dúvida nenhuma, é um dos três melhores festivais do país.
Esse sábado ensolarado, foi o dia escolhido para a partida à imortalidade do grande baixista, compositor, amigo e incentivador. Recebo com prazer, do um grande jazzófilo brasileiro, Wilson Garzon, essa encomenda, a de falar um pouco sobre meu relacionamento pessoal com Arthur Maia.
Conheci Artur aqui mesmo em Vitória, pelas mãos do baterista e percussionista Edú Szajnbrun. Edú o trouxe à Vitória para ministrar um workshop de contrabaixo, na escola em que lecionava junto com Alza Alves, outra grande amiga comum. Eu já era fã da música dele desde a primeira vez que o vi na apresentação do quarteto Cama de Gato: Arthur Maia (baixo elétrico), Paschoal Meirelles (bateria), Mauro Senise (sax) e Rique Pantoja (piano).
Artur tinha deixado seu contrabaixo trancado num estúdio no Rio, quase perdera o vôo… e não tinha, no momento, um instrumento. Então, Edu me convocou e lá fui eu levar um contrabaixo bastante simples; era um dos primeiros que eu estava fazendo.
Artur olhou meio atravessado para aquilo, mas não se intimidou: plugou e saiu tocando. O som saiu maravilhoso, mas a cara dele não estava muito amistosa… Tocou assim por uma hora. Ensinou algumas coisas aos alunos, e finalmente assumiu uma bateria e se pôs a tocar com os alunos, regendo e ritmando a turma.
Depois, quando todos alunos já tinham saído, ele começou a falar comigo num tom um pouco ríspido, criticando alguns detalhes, como o braço do instrumento, um pouco espesso, segundo ele. Também questionou a posição dos captadores. — Eu expliquei então, que não era não era luthier, argumentei que era apenas um médico e artista plástico apaixonado pelo som do contrabaixo.
Então ele abriu um sorriso largo e me falou: então está bom demais!
Eu falei então: se você me explicar direito o que é melhor, vou poder aprimorar meus instrumentos, e farei um para você.
Dali em diante, ficamos amigos. Cerca de dois meses depois, o fretless cinco cordas já estava pronto. A madeira foi a Itaúba, e a escala, de Guaribú.
Ele me contou que, tempos depois, que sempre comentava sobre a sonoridade desse instrumento com os técnicos da fábrica, de qual era endorser. Os caras trocaram o captador e tentaram outras regulagens, mas nada saiu melhor do que era.
Esse instrumento tem um timbre e um sustain únicos. E assim, voltaram tudo para as características originais. Artur sempre me falava que esse baixo tem um espírito dentro dele.
E eu dizia que tem mesmo. O espírito da floresta, onde as grandes árvores gemem gravemente ao som do vento. Produzindo uma música única.
Desde então, muitas vezes nos encontramos, e nos falávamos por telefone ou WhatsApp quase semanalmente, geralmente aos domingos. E o escalei ao menos três vezes para tocar no Santa Jazz. Várias outras vezes nos encontramos em Rio das Ostras e outros festivais. Sempre que vinha a Vitória, Arthur fazia questão de me procurar, gostava de ir à minha casa, experimentar os instrumentos, fazer comentários e críticas construtivas.
Assim fomos construindo uma relação de amizade em torno da música, com muita gozação, toques de culinária, impressões de viagens e festivais… e isso culminou num projeto, que começou numa conversa, em Rio das Ostras, quando Arthur ainda era secretário de cultura de Niterói. Ele me sugeriu fazer uma exposição dos meus instrumentos, fotografias, esculturas e pinturas….
Eu falei que o nome da exposição seria Música. E assim o fiz. No início desse ano, montei uma exposição com 81 peças, em 350 m² de área, na maravilhosa galeria SESI-Findes. Fiz a Arthur uma bela homenagem, e mais; convidei-o para tocar no encerramento da exposição, junto com a Camerata Sesi.
A partir daí eu e Arthur, ambos fizemos mais uma amigo, o maestro Leonardo David. Essa amizade evoluiu para um projeto nosso, de gravarmos um DVD, que já estava inclusive com a data agendada para 17 de fevereiro de 2019.
Bem, agora com o Artur mudando de plano, eu e Leonardo teremos que resolver alguns detalhes. E lá do alto, Artur certamente nos enviará os melhores fluídos e assim vamos ter como aproveitar o melhor das suas novas composições. Ele vinha trabalhando nessas composições: Amadeus é o nome de uma delas, e em novos arranjos. Trabalho baseado nos belíssimos arranjos originais de Rafael Rocha, que vem tendo acréscimos a cargo de dois outros parceiros de longa data do Artur: o pianista Roger Bezerra, — com quem, Arthur desde a primeira vez que tocou junto, atribuía recursos harmônicos infinitos! Lembro-me bem dessa explicação:
“doutor, esse Roger é o bicho! Se você deixar o cara quieto, ele fica ali, no pianinho dele esperando você cutucar! Mas se você cutucar mesmo, ele não para nunca, as harmonias dele são maravilhosas, inventivas e praticamente sem fim…”
O outro parceiro nesses arranjos, é o “professor Sérgio Benevenuto“, amigos de longa data, a quem Arthur atribuía muito de sua educação musical, coisa dos tempos da Uni Rio.
O show de encerramento da exposição Música, com o auditório totalmente lotado, foi um dos grandes momentos da minha vida, Minutos antes, conversávamos, e Arthur ainda em êxtase com o ensaio, perguntou a possibilidade de repetir a experiência no Santa Jazz. De imediato, consegui contactar a produção e assim consegui levar a mesma apresentação para o festival de 2018.
Tenho todo o registro desse show, — que mistura o melhor da música instrumental brasileira a uma orquestra de câmera conduzida maravilhosamente por Leonardo David, e mais músicos escolhidos por Arthur, — gravado em full hd e com ótima qualidade de som por Márcio Abreu.
Acho que conseguiremos então, realizar um trabalho importante, tendo com este registro como base de imagens e, buscando uma sonoridade ainda melhor com novos arranjos, e quem sabe alguns detalhes que ele nos inspirará.