Entrevistas

Conrado Paulino apresenta ‘Takes on Jobim’

Nos últimos anos, estamos vivenciando o processo de extinção do cd como veículo de divulgação da obra de um músico. No fundo, isso significou uma mudança radical no processo de produção e divulgação de um disco. A grande alternativa passou a ser as redes sociais. Portanto, uma obra não precisa mais estar delimitada ao tempo de duração de um cd, nem ser gravada em estúdios. O modelo que está sendo  muito adotado é o EP, com menos músicas e um tempo de duração menor.

Esse cenário afetou entre outros, o processo de criação e de divulgação da obra do violonista e guitarrista Conrado Paulino. Alguns meses atrás ele lançou seu mais recente trabalho, “Takes on Jobim” o seu primeiro 100% digital. Trata-se de uma coletânea de dez composições do Maestro Soberano, sendo oito delas já registradas em seus cds anteriores e duas inéditas. Metade delas são vertidas para violão solo, e a outra metade em versões tocadas por duos, trios e quartetos. arranjos originais e sofisticados, com participação músicos de destaque no cenário musical (com Lea Freire na flauta, Celso de Almeida, bateria, Alexandre Ribeiro, clarinete,  Douglas Alonso, percussão , entre outros).

As sofisticadas releituras de Conrado Paulino valorizam ainda mais a beleza das composições de Tom Jobim, com destaque para a versão de “Garota de Ipanema”, que é muito original, renovadora e surpreendente.

 

ENTREVISTA

 

Wilson Garzon – Depois que lançou o cd ‘A canção brasileira'(2018), você já pensava em um novo projeto de gravação ou tinha outros planos?

Conrado Paulino – Não, inicialmente não tinha. Apenas tinha uma leve ideia de que o próximo cd deveria ser com o meu Quarteto, já que desde o 1° lançamento venho alternado um disco com o quarteto  com outro de violão solo. No entanto, a pandemia me deixou meio perdido, e para piorar o mercado discográfico estava mudando vertiginosamente, fato que deixou todos os músicos um tanto desnorteados. Com o fim do cd físico e a ascensão das plataformas de streaming, surgiram muitas dúvidas sobre a regulamentação desse novo mercado digital. Em algum momento, percebi que, no cenário musical atual, é fundamental continuar produzindo e compartilhando nosso trabalho, já que o espaço é bastante limitado e o público, numericamente pequeno.

E o espaço nos meios ficou mais restrito ainda (entre outros motivos, devido ao fim dos jornais – e consequentemente dos críticos de música -e  a predominância inédita da música comercial. Sempre a musica ruim teve mais publico e vendeu mais, porém atualmente a divisão do mercado é desigual como nunca dantes). Foi então que a ideia de fazer um cd em homenagem ao Jobim começou a tomar forma, enquanto eu tentava entender as nuances do novo mercado digital. Esse projeto trouxe um desafio extra, pois, por se tratar de uma coletânea com faixas previamente lançadas, precisei resolver questões relacionadas ao ISRC e direitos autorais.

 

 

 WG – Quando é que você decidiu utilizar o vasto material que já tinha do Tom Jobim para montar um novo álbum?

CP – Durante a inatividade forçada da pandemia e lidando com a vontade de colocar na praça um novo trabalho, percebi que uma coletânea com as várias músicas do mestre Jobim que já havia gravado seria uma ótima saída. As faixas estavam prontas, mixadas e masterizadas (exceto uma inédita), e eu acreditava que muitas delas mereciam – pela sua qualidade – uma nova oportunidade de chegar ao público   Além disso, lançar a coletânea me permitiu fazer um cd em que metade das faixas são de violão solo e a outra metade com formações de duo, trio e quarteto , ou seja , um meio termo entre lançar um cd solo ou com o meu Quarteto,  resultando em uma proposta musical bastante atrativa e cativante.

WG – Para complementar as nove obras de Jobim que constavam na sua discografia, você gravou mais uma, “Demais” . Demorou um tempo para escolhê-las ou elas já constavam em seu repertório?

CP – Sou um grande apreciador do samba-canção, e Jobim escreveu vários muito bonitos nessa fase anterior à Bossa Nova. “Demais” forma parte do meu repertório há muitos anos, mas nunca a quis gravar porque sempre achei o arranjo fraco, bem abaixo da media dos outros.  Em 2023, ao retomar a produção de vídeos de violão solo, decidi que era hora de dar uma nova vida a “Demais”, e para isso dei uma caprichada no arranjo, tendo como base a versão antiga.

Curiosamente,  a maturidade que tenho agora me permitiu fazer e aceitar duas coisas opostas: uma foi poder melhorar o arranjo, adicionando uma introdução, refazendo a harmonia – de leve, com muito respeito – e principalmente melhorando os contracantos e a voz do baixo na 2a parte, quando a música vai para tom menor, tornando-se mais introspectiva e triste (“…Ninguém sabe é que isso acontece porque vou passar toda a vida esquecendo você…”). E a coisa oposta que acabei aceitando é que esse arranjo tem que ser simples, complicar muito não é necessariamente sinônimo de mais qualidade, não nessa canção.

 

 

WG – Como foi o processo de gravação e mixagem dessas músicas?

CP – O disco “Takes on Jobim” apresenta duas faixas inéditas. Embora “Dindi” já tenha sido lançada no cd “Wrong Way“, esta nova versão traz um arranjo que considero superior ao anterior. A gravação dessa interpretação atualizada de “Dindi” ocorreu no estúdio do querido Nelson Faria, no Rio de Janeiro. Inicialmente, essa faixa estava disponível apenas para os assinantes da plataforma de cursos online do Nelson, “Fica a Dica Premium”, onde sou um dos professores. Após passar por uma nova equalização, mixagem e masterização, decidi incluí-la no novo CD. Já a faixa “Demais” foi gravada em São Paulo no final de 2023, no mesmo dia em que produzi o vídeo.


WG – E em relação às músicas já gravadas anteriormente, você fez alguma alteração na edição original delas?

CP – As oito faixas restantes já estavam prontas, mas ainda assim exigiram um certo trabalho. Como se trata de uma coletânea, havia diferenças de equalização, volume e outros detalhes de áudio que precisavam ser ajustados. Todas as dez faixas do CD foram remasterizadas, e em algumas delas foi necessário realizar um processo de restauração para eliminar barulhos indesejados e frequências excessivas. Para isso, contei com a expertise de dois profissionais altamente qualificados: Omar Campos, do estúdio Casa da Árvore, e o premiado engenheiro de som Ricardo Marui.

WG – Em relação à escolha do nome do disco, como foi essa história toda?

CP – O nome “Takes on Jobim” foi escolhido porque com o pessoal do selo estávamos procurando um titulo em inglês (Tom Jobim, Bossa Nova, etc… é musica “for export”, tem mais demanda no exterior do que no Brasil, infelizmente), e “Conrado Paulino plays Jobim” ou similares é muito batido…E a palavra “takes” nesse caso tem três sentidos: o primeiro como substantivo, “takes” no sentido de “faixa de CD” e/ou “Tomada de sessão de gravação”(take 1, take 2…) , o segundo como verbo, no sentido de “encarar” “aceitar o desafio” (Conrado Paulino encara o desafio de interpretar Tom Jobim) e ainda tem o sentido de “abordagens sobre Jobim”.

WG – Quando você finalizou “Takes on Jobim” e quando ele foi disponibilizado nas redes? E quanto à divulgação? Já houve apresentações ao vivo? agendadas?

CP – Embora a maioria das faixas já estivesse quase pronta, como disse antes, o processo de finalização do disco enfrentou algumas dificuldades relacionadas a questões burocráticas, legais e técnicas. Isso – mais a remasterização – levou alguns meses do segundo semestre de 2023 e todo o  primeiro semestre de 2024, mas, felizmente, tudo se resolveu graças à ajuda, competência e gentileza da equipe do meu novo selo, o Creative Records, uma subdivisão da DNBB Records, que conta com distribuição mundial pela francesa Believe.

O lançamento oficial ocorreu em junho de 2024, e o álbum está disponível em todas as plataformas de streaming e download. Atualmente, a divulgação se concentra muito nas redes sociais, uma vez que o espaço nos meios tradicionais, como jornais e revistas, é praticamente inexistente. No ano passado, realizei três concertos apresentando o trabalho em São Paulo, Rio de Janeiro e São José dos Campos, e este ano estamos buscando novas oportunidades de apresentação.

 

 

REPERTÓRIO

Guitarra Solo

.Sem Você (Jobim -V.de Moraes)
.Tema de amor de Gabriela (Tom Jobim)
.Falando de Amor (Tom Jobim)
.Dindi (Tom Jobim-Aloysio de Oliveira)
.Demais (Jobim-A.de Oliveira)

Guitarra +Acompanhamento

.Só danço samba (Tom Jobim- V. de Moraes): +Alexande Ribeiro (clarineta) e João Marcondes (percussão)
.A Felicidade (Tom Jobim- V. de Moraes): + Marinho Andreotti (baixo acústico) e Celso de Almeida (bateria)
.Vivo Sonhando (Tom Jobim): + Lea Freire (flauta), Marinho Andreotti (baixo acústico) e Pérsio Sapia (bateria)
.Garota de Ipanema (Jobim -V.de Moraes): + Douglas Alonso (percussão)
.Olha para o céu (Tom Jobim): + Beto Angerosa & João Marcondes (percussão)