David Ganc => Presente para Nivaldo
Na década de 1970, surgiram algumas das bandas mais originais do rock brasileiro.
Entre elas, A Barca do Sol e Som Imaginário. A primeira, legítima representante do Rio de Janeiro leve e ensolarado. A segunda, fundamental para a definição da sonoridade do Clube da Esquina. Em Noturno, quinto disco do flautista e saxofonista David Ganc, esses dois grupos, de alguma forma, se aproximam. Ganc, ex-A Barca, gravou repertório exclusivo de Nivaldo Ornelas, que cuidava dos sopros do Som.
O belo-horizontino Nivaldo tocou, principalmente, com Milton Nascimento. Também fez parte de fases fundamentais das carreiras de Hermeto Pascoal, Paulo Moura e Egberto Gismonti.
Em 2016, quando o mineiro comemora 75 anos, é mais do que louvável a iniciativa de David Ganc de registrar a face menos conhecida de Nivaldo Ornelas: a música de concerto. Acompanhado basicamente pelo piano de Maria Teresa Madeira, ele consegue manter o interesse de quem conhece o compositor por sua trajetória na música popular, mas também oferece aos amantes da música de câmara um mergulho em universo sonoro rico e variado.
Em 1986, a dupla Ganc/Madeira havia gravado a primeira obra erudita de Nivaldo, Noturno, que encerra o disco como faixa bônus. O contrabaixo de Zeca Assumpção, a percussão de Mingo Araújo e o violoncelo Iutra Ranevsky surgem em pontuais participações especiais, ajudando a ampliar a diversidade de timbres.
Já na abertura, os três movimentos (com breve introdução) das Variações para flauta e piano estabelecem o clima de cumplicidade e estímulo entre os intérpretes. A delicadeza da Canção breve, com a flauta em sol, é suave introdução para a múltipla Suíte para saxofone tenor e piano, seguida pela emotiva Sentimentos não revelados – a voz de Milton Nascimento da versão original é, de certa forma, substituída pelo cello de Ranevsky em diálogo com flauta de Ganc.
Saída de um caderno de canções para violoncelo, a nostálgica Canções do interior (a praça) recebe transcrição para sax-tenor e funciona como preparação para a longa Suíte Brasil-Holanda, em que o compositor mostra sua visão das convergências sonoras produzidas pela invasão holandesa no Brasil (1630-1645). A percussão e o baixo reforçam a riqueza rítmica, enfatizando a fusão das influências do barroco europeu com os ritmos, melodias e harmonias do Nordeste. Europa e Brasil pela lente mineira, com filtros cariocas.
No texto do encarte, Egberto Gismonti narra como foi sendo seduzido pelo disco – da primeira audição, ainda fria, até ser conquistado pela musicalidade contida e exuberante. Resta, agora, aguardar que o concerto de lançamento passe por Minas e nos ajude a comemorar os 75 anos do mestre Nivaldo Ornelas.
Fonte: Kiko Ferreira, jornal ‘Estado de Minas’, 27/06/2016