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Entre o jazz e a MPB

 

Kiko Ferreira, Estado de Minas, 04/01/2017

O ano fonográfico começa bem com Influência do jazz, terceiro disco do cantor João Mauro Senise, o João Senise, que mantém como arranjador e direção musical Gilson Peranzzetta, responsável pela condução musical dos anteriores Just in time, Abre alas – Canções de Ivan Lins e Celebrando Sinatra.
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Apresentando 14 releituras de temas que, de alguma forma, fizeram pontes, casamentos, flertes e insinuações de parentesco entre o jazz e a MPB, o CD abre com o clássico bossanovista Estamos aí (Maurício Einhorn/Durval Ferreira/Regina Werneck), em andamento mais lento do que o da célebre interpretação de Leny Andrade, com direito a Rildo Hora em sentimental participação, tocando realejo e arranjo com pegada jazzística. A emblemática Influência do jazz (Carlos Lyra), com canja do violão de Romero Lubambo, ganha ares de boate do Beco das Garrafas. Mais lírica, Fotografia de Tom Jobim recebe auxílio luxuoso das cordas do Quarteto Radamés Gnatalli e voz de Joyce Moreno, em dueto que soa como uma foto sépia, analógica, de filme real, revelado em laboratório, com belo solo de piano de Peranzzetta.

A essa altura o ouvinte já está à vontade, saboreando o clima ameno, doce, delicado. Com violão e guitarra de Roberto Menescal, Rio (Menescal/Bôscoli) é outra que perde as cores fortes das leituras tradicionais para soar cool, refrescante. Levada parecida com a leitura brasileira de The look of love, de Burt Bacharach, com precisas participações do piano de Osmar Milito, do baixo de Sérgio Barroso e da bateria do mineiro Pascoal Meireles. A sutileza do vibrafone de Jota Moraes contrasta com a voz forte de Áurea Martins na faixa seguinte, Samba de verão (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle), com Senise mantendo o equilíbro, cantando a letra em ingês de Norman Gimbel. So nice.

O disco chega ao meio com o autor da melodia, Antonio Adolfo, assumindo as teclas de sua Sá Marina, ao lado do violão de Nelson Faria. Ares de solenidade tomam o ambiente quando Alaíde Costa começa a cantar Eu e a brisa, apoiada pelo baixo de Nilson Matta, preparando a cama para a voz de João entrar no jogo com naturalidade. Ele tampouco se abala ao retomar um dos temas preferidos de João Gilberto, a italiana Estate, temperada com a cordas do Quarteto Radamés Gnatalli e o baixo de Tony Botelho.

Um clima de fim de tarde na praia surge em Balanço Zona Sul (Tito Madi), com direito ao sax de Mauro Senise e o violão de Lubambo. E o disco quase entra literalmente nas águas azuis do mar com La mer (Charles Trenet). Mas o balanço zona sul só volta realmente no dueto com Wanda Sá em Tem dó (Baden/ Vinícius), com o violão de Nelson Faria. Torcida ganha, pancada no coração: a autora Sueli Costa e as cordas do Quarteto Radamés Gnatalli colaboram para que leitura de Jura secreta seja tão emocionante quanto a célebre gravação da baiana Simone. Para fechar em alta, A história de Lilly Braun, com Edu Lobo, Mauro Senise, a guitarra de Leo Amuedo e os sopros da Banda Brass de Pina. Mais uma prova da qualidade musical e da coerência com que que João Senise conduz sua carreira ainda curta, mas sólida o suficiente para merecer mais atenção.