Argentina

Jazz Argentino Contemporâneo segundo Fernando Ríos

Trabalhar com jazz, é uma tarefa árdua, mas ao mesmo tempo gratificante. E se esse trabalho for for nas áreas de comunicação e divulgação, mais ainda. Fernando Ríos, se tornou ao longo desse século, uma das pessoas fundamentais na divulgação do jazz argentino através do seu site argentjazz. Agora, ele lança um livro que não só já se torna um clássico pela importância do tema, mas também por sua tenacidade e perseverança na construção dessa obra: ‘Un Panorama del Nuevo Jazz Argentino (2000-2020). É com prazer que recebo Fernando, meu companheiro de armas, para que nessa entrevista ele possa passar até vocês um pouco do que acontece com o jazz na sua terra.

Wilson Garzon – Como foi seu encontro com o jazz?
Fernando Ríos – Meu encontro com o jazz foi algo casual, e aconteceu quando eu era muito jovem. Apesar de sempre ter curiosidade por outras músicas, fiquei muito absorvido pelo rock das grandes bandas inglesas. Quando eu tinha 20 e poucos anos, li O Perseguidor, um conto de Julio Cortázar cujo protagonista era um saxofonista inspirado em Charlie Parker. A certa altura, esse personagem, Johnny Carter, fica chateado com o que está fazendo, tira o sax e diz com raiva: “Já toquei isso amanhã.” Não hoje, não ontem … amanhã. Fiquei surpreso com essa frase. Decidi que queria ouvir o músico que inspirou essas palavras. E lá fui eu. Esse foi o meu encontro com o jazz. Não foi fácil, como você pode imaginar. Demorei a compreender Parker, que só aconteceu depois de ouvir os que o precederam.

WG – E como jornalista, quando você iniciou seus trabalhos relacionados à área musical?
FR – Como jornalista, nunca decidi escrever sobre jazz. Trabalhei na seção política de uma grande agência de notícias, onde sempre chegavam convites para cobrir shows de jazz e ninguém ia. Então comecei a fazer isso sozinho. Primeiro, apenas como ouvinte e depois construindo uma experiência como cronista. Logo percebi que faltavam “ferramentas” para expressar o que ouvia, então fiz cursos de apreciação musical e li todos os livros sobre jazz publicados em espanhol. Começar do zero, eu diria. O resto veio pela experiência.

 

 

WG – Em 2005 você criou o site argentjazz.com.ar com foco na divulgação do jazz argentino. Conte-nos um pouco sobre as mudanças que o site sofreu ao longo do tempo.
FR – Não houve muitas mudanças no site, Wilson. Apenas algumas modificações estéticas, para torná-lo cada vez mais moderno, amigável com o celular, com o Instagram e com aquelas plataformas que não existiam naquela época. O que sempre permaneceu foi o motivo central do site: ajudar a divulgar a música jazz no meu país e tentar fazer com que mais e mais pessoas se interessem pela música criativa e seus artistas.

WG – Quando surgiu o projeto do livro ‘Un Panorama del Nuevo Jazz Argentino (2000-2020)’? Quanto tempo demorou para escrevê-lo? Como foi seu encontro com a editora ‘Gourmet Musical’?
FR – O livro foi uma consequência lógica do meu trabalho com o argentjazz. Achei que seria interessante poder reunir em um livro todas as coisas boas que as últimas gerações têm feito no jazz argentino. E valorizar todas as informações que estão em jornais, revistas e blogs dos últimos 20 anos. Sempre soube que, uma vez que tudo estivesse reunido em uma única obra, em um único livro, haveria uma magnitude real de todo o movimento. O livro me levou um pouco mais de dois anos entre a pesquisa de campo e a redação. O pessoal do Gourmet Musical, com Leandro Donozo, seu diretor, colaborou muito com o projeto desde o início. Sou fã desta editora especializada em música, que já tem mais de 70 títulos publicados.

 

 

WG – Você aborda a história do jazz argentino através de seções temáticas, relacionando-o ao rock, tango, free music, vocal jazz e big bands. Essa linha de abordagem surgiu desde o início, com o objetivo de tornar a leitura mais didática?
FR – A ideia original era contar a história cronologicamente. Comecei citando os últimos anos da década de 90, para entrar com o novo movimento que começou em 2000 e continua até hoje. Mas então, à medida que a escrita avançava, percebi que havia temas que “ultrapassavam” a cronologia. A relação entre jazz e tango é muito forte aqui. A mistura com o rock, principalmente com a obra de Luis Alberto Spinetta e Charly García. O movimento free que é muito importante e tem as suas “grutas” e a crescente presença feminina. Foram temas que mereceram desenvolvimento próprio, além da linha do tempo. São aquelas coisas que você aprende na medida em que trabalha, tem dúvidas e busca o caminho a seguir. Hoje acho que adotar esse esquema foi a decisão certa.

WG – O livro contextualiza as diferentes etapas do jazz argentino com a história política. Isso somado às seções dedicadas a gravadoras, clubes de jazz e festivais, acaba criando uma cena muito rica e carregada de informações construtivas.
FR – Acho que é sempre útil contextualizar. O jazz, como fato artístico e ao mesmo tempo como música popular, foi sempre influenciado pela sociedade que o produziu. A segregação e o racismo sempre marcaram sua história nos Estados Unidos. E ainda hoje a desigualdade persiste em outros aspectos. Pode-se perguntar, por exemplo, se as mulheres que fazem música têm as mesmas oportunidades que seus colegas homens. Na Argentina, nos últimos 20 anos, o jazz foi marcado por repetidas crises econômicas. E isso somou ou subtraiu as possibilidades de poder viajar para o exterior para estudar, de fazer viagens internacionais, gravar novos álbuns, abrir novos espaços para estudar, etc. É por isso que incluí o contexto social, político e econômico, porque acho que fosse necessário conhecer o desenvolvimento de qualquer acontecimento artístico.

 

 

WG – Gostei muito da sua bibliografia, baseada em grande parte no setor jornalístico. Agora, em relação à discografia (foi a primeira seção que li), ela está muito bem suprida. Você já tinha tudo catalogado?
FR – Sim, Wilson, os colegas e as suas notas ao longo destes 20 anos foram um material muito importante, assim como os testemunhos pessoais dados pelos músicos, que sempre apoiaram a ideia. A discografia que você está citando, com cerca de 800 títulos, a pauta e o rótulo de cada um, foi a parte mais complicada do livro. Eu não tinha feito isso antes. Eu montei a discografia à medida que progredia na escrita e a concluí muitos meses depois de finalizar o texto. Certamente faltam outros títulos, mas acontece que essas informações não estão na internet ou estão totalmente dispersas e não são fáceis de encontrar. Mas queríamos fazer a discografia, porque sabíamos que seria um material valioso para quem quisesse buscar esses registros, com a facilidade que as plataformas online agora oferecem.

WG – Em relação à internet, na área do jazz, em termos de sites, produtos e serviços, existe uma carência muito grande no mercado em termos de oferta. Aqui no Brasil também sinto a mesma carência. Que futuro você projeta para a informação do jazz: CDs, redes sociais, shows e eventos?
FR – Acredito que a oferta em termos de sites, produtos e serviços continuará escassa. Jazz, que tanto amamos, é música para minorias. Não é o rock nem o pop, nem a MPB, nem a cumbia, que está em moda na Argentina. E o mercado da música é administrado com critérios comerciais, não artísticos. Tanto você vende, tanto você vale. Na Argentina existe uma geração crescente de músicos jovens e talentosos. Muitas pessoas fazendo música muito valiosa. Mas a grande mídia e os programadores de teatro ainda não a descobriram. É engraçado, por exemplo, mas a crítica musical ou as resenhas de discos desapareceram dos jornais de massa. Isso tudo é um sintoma.

WG – Como está sendo a distribuição do livro? Caso haja uma nova edição, você atualizaria as informações?
FR – Uma nova edição do livro é uma decisão da Editora e acho que irá depender das vendas. O livro está em todas as livrarias do país e também no Uruguai e no Chile. Veremos qual será a aceitação e se isso irá definir ou não uma segunda edição.

WG – At last: e quanto ao futuro do site, quanto tempo vamos sobreviver?
FR – Quanto ao futuro de nossos sites, tanto o Clube de Jazz quanto o argentjazz são necessários. Muitas vezes são a única possibilidade que nossos músicos têm de contar sobre seus projetos, suas realizações. Acredito que vamos sobreviver ou pelo menos lutar enquanto houver pelo menos um músico que ame jazz.


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