Lelo Nazário e a Lenda do Grupo Um
Lançado pelo Selo SESC em dezembro de 2016 e gravado em agosto/2015, o cd “Grupo Um: uma Lenda ao vivo’ foi um dos maiores acontecimentos dentro da cena instrumental brasileira. O propósito inicial foi resgatar um grupo que se tornou referência a nível mundial e que não se apresentava há 30 anos. Em matéria exclusiva para o site Clube de Jazz, Lelo Nazário, um dos mentores e principal compositor do Grupo Um nos fala sobre o processo de criação, desenvolvimento, repertório e repercussões desse trabalho, que resultou inesquecível para todos os que se dedicam à música de qualidade.
Wilson Garzon – Há quanto tempo esse projeto estava sendo pensado? Como foi esse processo até o show em 20/08/2015?
Lelo Nazário – Bem, muita gente sempre me perguntava, durante esses anos, quando iríamos nos reunir novamente, já que todos os músicos originais estavam em plena atividade e em plena forma… Durante um encontro com o Mauro Senise e o Zé Eduardo sugeri essa possibilidade e eles concordaram prontamente. Então, nossa produtora Irati Antonio colocou o projeto no papel e começou a fazer os contatos para a realização do concerto, que acabou acontecendo no Festival Jazz na Fábrica, organizado pelo SESC Pompeia.
WG – Entre os músicos do Grupo Um, além de você e do Zé, participaram Mauro Senise e Félix Wagner. Como eles entraram no projeto? E quanto ao Frank Herzberg, que não fez parte da banda, porque foi escolhido?
LN – Na realidade, minha ideia inicial era reunir todos os músicos que fizeram parte do Grupo Um nas suas várias formações, mas é claro que isso dificulta a viabilidade, tanto do ponto de vista da produção quanto da disponibilidade de datas e de compromissos de todos os envolvidos. Assim, conseguimos reunir quase todo o grupo original. Por um problema de agenda, não pudemos contar nem com o Zeca Assumpção, nem com o Rodolfo Stroeter, mas o Frank Herzberg já trabalha com o Zé Eduardo há muitos anos e é um super baixista, então, foi uma ótima escolha para integrar o grupo.
WG – Em relação ao repertório, executar integralmente “Marcha sobre a cidade” já era uma proposta inicial ou foi decidida mais adiante? As músicas, “[B(2)/10-0.75-K.78]..e.. “54754-P(4)..” são referências à obra de Anthony Braxton?
LN – Executar o “Marcha” integralmente foi uma proposta do SESC, já que o LP é um marco na música instrumental brasileira e estaria completando, em 2015, 35 anos de seu lançamento. Os títulos das músicas são, na realidade, eventos que acontecem na partitura (introdução, número de compassos, ponte, número de pausas em determinada passagem etc.). Era um mapeamento de regras mnemônicas para a gente usar durante os primeiros ensaios. Depois, todos os músicos se referiam às composições pelos primeiros números da “fórmula”, isto é, “B(2)10”, “547” etc. – então acabei adotando as fórmulas como títulos. Como você pode ver, não tem relação com o Braxton, embora o princípio deva ser o mesmo: estruturas e relações internas da composição.
WG – Houveram outras apresentações do projeto? Foram boas as repercussões críticas e de vendas do CD? O vídeo do show está disponível para ser assistido?
LN – Fizemos outra apresentação no SESC Belenzinho, em dezembro de 2016, para o lançamento do CD “Uma Lenda ao Vivo”, gravado durante o Jazz na Fábrica e lançado pelo Selo SESC. A repercussão foi a melhor possível, tanto de público quanto de crítica: o disco foi considerado um dos melhores de 2016 por críticos como Carlos Calado, Arnaldo De Souteiro e Adam Baruch. O CD está à venda no site do SESC e nas lojas de suas unidades, além de uma rede de distribuição muito organizada, então, acredito que o CD venderá bem, dentro da perspectiva de mercado do jazz contemporâneo, claro. O Grupo Um foi convidado a se apresentar em março no Instrumental SESC Brasil e o concerto será gravado para exibição no canal SESC TV.
WG – Esse trabalho sinaliza o encerramento do ciclo do Grupo Um ou aponta para uma nova direção de caminhos e pesquisas musicais?
LN – Acho que aponta para uma nova direção, já que a gente sempre tenta incorporar elementos novos, mesmo nas músicas mais antigas. No concerto do Jazz na Fábrica, tocamos “Mobile/Stabile”, peça para fita magnética e grupo – aglutinando os sons pré-gravados originais com sons dos sintetizadores mais modernos (alguns virtuais, que só existem em software). Sem falar nos elementos criativos que cada um dos músicos traz depois de 35 anos de experiência, trabalhando com música de matizes diferentes.
WG – Como você analisa a atual cena da música instrumental em São Paulo?
LN – É claro que depois do golpe de estado que tivemos no Brasil em 2016, a produção de música vai ficar cada vez mais difícil e, lógico, essa dificuldade se amplia mais ainda em se tratando de música instrumental. Nada se pode esperar da mídia tradicional, que só divulga, cada vez mais, os projetos de seu interesse comercial – que são abaixo do medíocre. Vejo, tanto em São Paulo, como no resto do país, muitos músicos jovens fantásticos, com talento e formação, que conseguem divulgar a sua música na internet, mas mesmo assim, não conseguem tirar unicamente da música o seu sustento, então, vejo que as perspectivas não são das melhores, enquanto o golpe avança tirando direitos fundamentais de todos os trabalhadores.
WG – Que projetos ou sonhos andam ocupando o seu tempo atualmente? Há convites para tocar no exterior?
LN – Tenho composto bastante música eletroacústica no meu estúdio e colocando no papel o projeto de gravar algumas composições eruditas de câmara que já foram compostas há algum tempo e nunca foram executadas. Há pouco terminei de restaurar uma gravação que fizemos quando ainda integrávamos o grupo do Hermeto, com composições inéditas e que vai ser lançado em CD e vinil agora em 2017 pela gravadora FarOut Records de Londres. Além de mim, Zé Eduardo e Zeca Assumpção, o grupo do Hermeto tinha ainda a participação de Raul Mascarenhas, Nivaldo Ornelas, Mauro Senise e Toninho Horta. Além disso, tenho o Duo Nazario com o Zé, e pretendo fazer uma série de shows com convidados especiais, para fazer um som baseado sobretudo na improvisação. Convites para tocar no exterior sempre existem, mas as condições de produção também estão em queda para a música de vanguarda, mesmo lá fora.
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