Argentina

Luis Nacht e seu ‘Canto de Montañas’

Fernando Ríos. site argentjazz.com.ar, 03 de abril de 2021

O último álbum de Luis Nacht, lançado na Europa pela Fresh Sound, é uma boa medida de quão longe o jazz feito na Argentina chegou. Um punhado de temas originais, criatividade, bom gosto e um equilíbrio perfeito entre escrita e improvisação. Nacht, Sergio Wagner, Fermín Merlo e Demián Cabaud, compõem este quarteto de talentos para um Canto de Montañas que nos fala de picos e de grandeza. Lá onde o vento compõe sua música viajando entre abismos e gigantes solitários (Fotografias Marcelo Rodolfo e Guillermo Beratarvide).

 

 

Fernando Ríos – Luis, hoje em dia lançar um álbum físico é novidade. Mas se Fresh Sound edita para você, é uma novidade ainda maior. Como isso aconteceu com Canto de Montañas?

Luis Nacht – Bom, tínhamos esse material, que tínhamos gravado em Portugal e estávamos pensando no que fazer. O último álbum que lancei, Sueña el Sueño, que fiz com Nataniel Edelman, saiu apenas virtual, não físico. É por isso que não sabíamos se devíamos editá-lo assim ou colocá-lo  no formato físico. Propusemos à Porta-Jazz, uma associação de Porto, que edita discos e também tem um local muito bonito que fui algumas vezes tocar. Eles responderam que estavam com um orçamento baixo e que no momento só iam lançar músicos locais. Então, Demian Cabaud, que vive no Porto e toca no disco, pensou em mandá-lo para Jordi Pujol, o fundador do Fresh Sound. Conheço Jordi há muitos anos, mas nunca tínhamos chegado lá com uma proposta como essa.

FR – E a resposta foi imediata?

LN – Primeiro Demian mandou duas músicas para ele. Jordi gostou delas e pediu para ver o resto do álbum. E então ele nos disse que sim, que gostou e ia editar. Assim, sem voltas. Íamos até apoiar o lançamento com apresentações pela Espanha e Portugal, apresentando esse material. Mas então, como você pode imaginar, tudo foi adiado por causa da pandemia. A princípio, pensamos que seria adiado por cerca de um ano e que em março de 2021 estaríamos funcionando novamente. Mas sabemos que isso não aconteceu. Finalmente o álbum foi lançado para essa data na Europa, embora ainda estejamos em Buenos Aires.


FR – Porque foi gravado em Portugal?

LN – Era 2019 e estávamos em turnê. Com sorte consegui fazer uma apresentação por Espanha e Portugal todos os anos, ano e meio. O Demian está morando lá e isso ajuda muito e também já temos contatos de muitos anos atrás. Em todo caso, houve várias coincidências para poder registrar naquele momento. Por outro lado, havia Fermín Merlo que mora em Berlim e Sergio Wagner estava apenas em turnê pela Europa com Jordi Rossy. Então, conseguimos combinar as datas e montar o quarteto na Europa. Como parte dessa turnê, chegamos ao local do Porta-Jazz, onde gravamos o show em condições bastante precárias. O palco é pequeno, estávamos todos muito próximos, não era o ideal para gravar. Mas nós tínhamos o material. Então, sem muita expectativa, mandamos para ele mixar e masterizar com Luis Bacqué em Nova York. A verdade é que Luis nos deu algo em troca que nunca imaginamos que pudesse soar tão bem. Todos nós ficamos surpresos.

FR – Tudo parece uma cadeia de eventos fortuitos. Você combinou agendas de músicos da Europa, você gravou quase sem tentar, Bacqué fez sua mágica e você coroou com a edição de Fresh Sound …

LN – Totalmente. Tudo aconteceu assim. Quase sem planejar. Quando surgiu a possibilidade de gravar, fizemos com as músicas que tocávamos todas as noites nos shows. Todas as gravações foram em uma única tomada. Quase em estado de graça. Lembro que no meio da gravação caiu a luz em toda a cidade, coisa que não acontecia há anos. Fomos então a um bar, quando vimos que a luz voltou, voltamos e continuamos gravando. Tudo muito natural. Em uma hora e meia gravamos o álbum inteiro. Foi tudo super simples e sem planejamento, o que ainda é uma lição para o futuro.


FR – E um final inesperado com a edição Fresh Sound, que também garante difusão na Europa.

LN – É uma das gravadoras mais importantes da Europa e uma das que tem conseguido sobreviver a essas mudanças na escuta e comercialização da música. Obviamente, está em todas as plataformas, mas também continua a editar discos físicos.

FR – Saiu na coleção Novos Talentos, que tem figuras muito importantes.

LN – Bem, Novos Talentos está indo bem para meus companheiros de equipe, mas não tão bom para mim. Quando estávamos conversando com Jordi, antes do lançamento do álbum, ele me perguntou minha idade. Eu tinha 61 anos na época, e então ele me disse “não se preocupe, então vou te levar para sair na coleção de Old Talent” (risos).


FR – O álbum possui sete músicas. Eles foram compostos para essa turnê?

LN – É que nem todos os temas foram escritos. Existem dois ou três que são improvisações. Nós demos nomes para o álbum, mas são coisas que surgiram na hora da gravação. Porque é assim que temos feito nos shows dessa turnê. Alternar temas elaborados com momentos em que sairíamos para improvisar. Um é a Madre Pereza e o outro é Vidurria. Depois, há mais dois,   A Malaby e Canto de Montañas, estão no álbum que fiz com o Nataniel, embora soem muito diferentes aqui.

FR – Relacionado a isso, você tem 10 álbuns lançados como líder. Você já pensou em fazer um cover de alguns desses primeiros álbuns?

LN – A verdade é que não. Eu esqueço que eles existem. Às vezes eu pensava nisso. Porque assim como não me lembro que eles existem, talvez se os tocasse de novo seria como tocar uma música nova. Não estaria mal. Mas até agora não tenho. Se tenho uma certa nostalgia de um grupo do passado. Gostaria de regravar com o que tive durante 10 anos: Juan Pablo Arredondo, Carto Brandán e Jerónimo Carmona e com quais gravamos três discos.


FR – Em seu primeiro álbum Nacht Music de 2001 está Hernán Merlo. Vinte anos depois, o último é Fermín, seu filho, então menino. Há um Merlo em cada extremidade .

LN – Não havia dado conta. Lembro que gravei aquele primeiro disco graças ao Pepi Taveira. Foi um projeto em que Ernesto Jodos e Merlo estiveram envolvidos. Gravamos algumas músicas, algumas do Pepi e outras de mim. Mas Pepi não estava interessada em lançar o álbum, ela não estava entusiasmada. Então eu perguntei a ele se ele me deixaria usar aquelas músicas que gravamos juntos e ele disse que sim. Com isso eu já tinha feito metade do disco e depois fiz a outra metade com o Guillermo Delgado e o Jorge Pemoff. Foi assim que saiu para o BAU.

FR – Em La hora inexacta de 2019 e neste último, Sergio Wagner aparece ao trompete. Por que você decidiu incorporar esse som lá?

LN – Por um lado foi uma evolução e por outro uma necessidade de dar destaque ao aspecto melódico da minha música. Desde muito jovem fui fisgado pelo Art Ensemble of Chicago. Sempre gostei muito dessa forma de tocar, tão livre entre instrumentos melódicos e rítmicos. Comecei a procurar isso com Juan Canosa no trombone. Queria experimentar a liberdade de não ter que tocar as melodias, de procurar outras vozes. Então Canosa e Wagner se alternaram. Na verdade, no álbum que você mencionou são os dois. Acho que encontramos uma maneira de jogar muito espontânea. Existe uma conexão muito especial aí.

 


FR – Em outra época, os violões foram os protagonistas de sua música, ao lado de Juan Pablo Arredondo e Patricio Carpossi.

LN – Sim. Mas sinto que não tenho um grupo estável, como pertencimento. Há um mês tocamos no Thelonious com as duas guitarras junto com Sergio Verdinelli e Mariano Otero. É um grupo com o qual jogo muito, então pode-se dizer que eles têm uma certa estabilidade. Mas também toco muito com Wagner e Carto e alguns baixistas. Eu diria que são mais ou menos os mesmos músicos, mas em formações diferentes. Com a entrada de Nataniel Edelman, que de alguma forma representa as novas gerações.

FR – Falando em novas gerações, você sabe o que os músicos mais jovens estão produzindo? Você os conhece?

LN – Sim, claro. Eu conheço Camila Nebbia muito bem. Ela foi minha aluna por muitos anos, desde muito jovem. Eu a amo muito e acho o que ela está fazendo muito interessante. Ela é muito ousada, muito brincalhona com a composição. Não é fácil fazer o que ela faz. E também Lucas Goicoechea, um dos meus músicos preferidos. O que ele faz é muito bom, joga muito bem, é muito criativo. Assim como Nataniel. Felizmente existem muitos jovens músicos que tocam muito bem e também têm vontade de ir em direções diferentes. Isto é muito importante. Encontrar uma direção e não se contentar em apenas tocar bem um instrumento. Porque afinal o mais importante é sempre a sua proposta musical.

 

Luis Nacht – Discografia completa como líder

 

Luis Nacht – Nacht Music
BAU Records 2001. Nacht (sxt, sxs), Ernesto Jodos (pn), Hernán Merlo (ctb), Guillermo Delgado (ctb), Pepi Taveira (bat, perc), c / Hernán Mandelman e Jorge Pemoff (perc).

Luis Nacht – Nacht Mood
BAU Records 2003. Nacht (sxt, sxs), Pepi Taveira e Oscar Giunta (morcego), Mariano Otero e Guillermo Delgado (ctb, be), Ernesto Jodos (pn), Enrique Norris (crt) com Rodrigo Domínguez e Martín Pantyrer. 

Luis Nacht – La história del tio
BAU Records 2005. Nacht (sxt, camp), Juan Pablo Arredondo (gtr), Jerónimo Carmona (ctb), Carto Brandán (morcego), c / Enrique Norris (crt), Francisco Lo Vuolo (pn).

Luis Nacht – El presente
BAU Records 2006. Nacht (sxt, camp), Juan Pablo Arredondo (gtr), Jerónimo Carmona (ctb), Carto Brandán (morcego).

Luis Nacht – En las Nubes
BAU Records 2010. Nacht (sxt, camp), Juan Pablo Arredondo (gtr), Jerónimo Carmona (ctb), Carto Brandán (morcego).

Luis Nacht – El invisible
BAU Records 2012. Nacht (sxt). Ernesto Jodos (pn), Jerónimo Carmona (ctb).

Luis Nacht – La incertidumbre (CD + Livro)
Club del Disco 2014. Nacht (sxa, sxt), Juan Pablo Arredondo e Patricio Carpossi (gtr), Jerónimo Carmona (ctb), Carto Brandán (abt), c / Ricardo Piglia (voz).

Luis Nacht – La hora inexacta 
Club del Disco 2019. Nacht (sxs, sxt), Sergio Wagner (trp), Juan Canosa (trb), Juan Pablo Arredondo (gtr), Patricio Carpossi (gtr), Mariano Otero (ctb), Carto Brandán (morcego), Sergio Verdinelli (morcego).

Luis Nacht e Nataniel Edelman – Suena el Sueño
Indep. 2019. Nacht (sxa, sxt), Edelman (pn).

Luis Nacht – Canto de montañas
Fresh Sound 2021. Nacht (sa, sss), Sergio Wagner (trp), Fermín Merlo (morcego), Demian Cabaud (ctb).