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O inventivo pianeiro Daniel Grajew

Com  um  talento  expressivo  tanto  para  a  música  popular  quanto  erudita,  o  pianista  e   compositor  paulistano  Daniel  Grajew  é  formado  em  piano  pela  Universidade  de  São   Paulo  (USP).  Transita  por  diversos Daniel Grajew Montagem gêneros,  desde  o  repertório  erudito  tradicional  até  o   choro,  jazz,  tango  e  música  dos  balcãs. Em 2013 lançou seu  primeiro  disco  solo,  “Manga”  e  em  março  de  2016  lançou  o  disco  “Bailado”  em  parceria  com  o  baixista   Marcos  Paiva.

Wilson Garzon – Começando aos onze anos no piano clássico, como e quando você se encontrou com o jazz e a música brasileira?
Daniel Grajew – Quando estava na faculdade em Araraquara (fiz Administração Pública na UNESP) comecei a me interessar pela música popular, em poder tocar com os outros músicos. A música clássica está muito centrada na partitura e a música popular tem mais a ver com a habilidade de tirar músicas de ouvido e interagir com os outros músicos. A primeira música que tirei de ouvido foi o Confortably Numb do Pink Floyd. E pensando nisso, vejo que o Pink Floyd tem um som jazzístico: tem acordes com nonas, caminhos harmônicos interessantes nos teclados do Richard Wright e influência do blues nos improvisos do David Gilmour, é uma boa ponte, junto com Led Zeppelin, Emerson Lake and Palmer, pra quem curte Rock e vai aos poucos começar a ouvir jazz, bossa-nova, Hermeto e Gismonti. Comecei então a fazer aulas com o Otávio Jr. que me apresentou mais o Jazz, a música instrumental brasileira e o conservatório de Tatuí onde eu fui estudar depois.

WG – Que mestres e músicos foram decisivos na construção de sua carreira musical?
DG – Minha primeira professora de piano, Lúcia Latorre, formatou o primeiro contato com o instrumento, que é muito importante nessa fase de desenvolvimento. Depois do Otávio Jr, veio o André Marques que me mostrou a riqueza do universo do Hermeto; o Bira Marques me abriu as possibilidades de improvisação e trânsito entre os diversos estilos, a riqueza da rítmica da música afro-brasileira. O Evaldo Soares me mostrou os caminhos harmônicos do Tom Jobim, do Bill Evans, do Luiz Eça, um mestre da harmonia. A Luciana Sayure na USP me ajudou a produzir um som melhor no piano, com o repertório erudito. A composição e o universo orquestral com o Gil Jardim e Ayton Escobar. Tocar com o Carlos Malta foi uma experiência incrível: juntar a liberdade do jazz com a música brasileira, um requinte e uma profundidade como artista. E agora recentemente, fazer esse disco com o Marcos Paiva tem sido interessante pra pesquisar o universo dos pianeiros, do choro-jazz.

WG – Em 2012, você lança seu primeiro trabalho autoral, “Manga”. Essas onze composições resumem a sua trajetória como músico ou elas foram compostas para esse CD?
DG – Tinha algumas composições prontas e outras que apareceram para o disco. Foi um privilégio poder contar com o violão (e o berimbau) do mestre Luiz Brasil, com o sopro transversal do Carlos Malta no Sete Vidas, o Jorginho no trombone samba jazz do Guenta Ai, a guitarra elegante dos parceiros Willy Daniel e Luis Passos e os parceiros Humberto Zigler e Nilton Leonarde na batera e no baixo. É um disco que dialoga com essas diversas influências, já tem o choro jazz no Choro Vermelho, o samba-jazz, os ritmos ímpares, e a busca de uma sonoridade nova, ligada também com o timbre e as dinâmicas do universo da música erudita. É difícil pedir essa versatilidade dos músicos, mas eles responderam com novas propostas e energia muito boa. Acho que há um ponto positivo nessa globalização, no fácil acesso aos diversos sons, e no impacto que isso traz para as composições e para o jeito multifacetado de tocar, e o disco reflete essas múltiplas influência que tive.

WG – Quando você conheceu Marcos Paiva? Em que momento decidiram realizar um projeto em comum?
DG – Foi uma coisa muito rápida, uma confluência de interesses em comum. Conheci o Paiva tocando com o Marquinho Mendonça e em outros trabalhos na linha do samba, choro, jazz. O Paiva trouxe essa ideia do disco de piano e baixo, com choros e um resgate do estilo dos pianeiros. É uma coisa que sempre gostei, Nazareth, Radamés, Chiquinha Gonzaga e o jazz e as composições também. E foi assim, em dois meses levantamos o repertório e gravamos, uma experiência muito gratificante, que é rica e divertida de tocar.

WG – Porque “Bailado”? O nome reflete o conceito do trabalho em duo?
DG – Bailado é um nome que casou perfeitamente com o trabalho. Acho que o nome bailado eleva a dança pra um lugar um pouco diferente do baile, é a diferença entre o bailarino e o dançarino. Assim como o Piazzolla diz que o tango, na sua opinião, é mais para os ouvidos do que para os pés, o Bailado é composto por danças mais para serem bailadas do que dançadas, e que podem perfeitamente serem ouvidas e apreciadas como num concerto de música de câmara. O Nazareth também tinha essa intenção com suas música, de leva-las para a sala de concerto, mesmo que fossem danças, assim como as Polonaises do Chopin, o Bolero de Ravel, as Suites de Bach, todas inspiradas em danças que ganham um corpo diferente para serem ouvidas como que contando histórias através da música.

WG – Das nove composições do repertório, três delas são de sua autoria: “Gauche”, “Tempo de Murici” e “Choro Vermelho”. Conte-nos um pouco sobre elas.
DG – Gauche é uma brincadeira com o Gaucho, o Corta Jaca da Chiquinha. Gauche porque ela foi uma mulher à frente de seu tempo, e também tem ai uma brincadeira com o jazz manouche que eu tenho tocado nos últimos tempos. Esse mesmo tom em la menor do Minor Swing, tema do Django, ajuda a colocar fogo no maxixe arretado da Chiquinha, que la na frente dialoga com a Habanera, um ritmo primo do maxixe, e com algumas rearmonizações mais modernas. Viva a mistura!
Choro Vermelho tem um fraseado em cima das nonas, decimas primeiras, que são notas que ouvimos em Debussy e Ravel, antes do jazz se apropriar desse tipo de harmonia. O Garoto e o Radamés usaram muito bem esse tipo de abordagem. Me inspirei nessa atmosfera “impressionista” na parte A e na parte B a coisa esquenta, indo pra fá maior e conversando com o calor da roda da choro.
Tempo de Murici é uma homenagem aos pianeiros, ao Radamés, o Nazareth. Fui buscar nela uma sonoridade mais reflexiva, um choro canção. Tempo de Murici porque é uma expressão que o Mario de Andrade usa pra definir o auto-didatismo do Nazareth: “Tempo de Murici, cada um que cuide de si”. Acho que a composição é um caminho para o auto-didatismo, para o auto-conhecimento, pra procurar os sons que estão dentro de você e colocá-los pra fora, um passeio pelos anseios da alma quando vira som.

WG – Nas suas interpretações, você gosta de fazer citações de outras músicas no meio dos solos. Na realidade, isso é pensado ou improvisado?
DG – As citações são um pouco pensadas e um pouco improvisadas, e elas nunca vem do mesmo jeito. Gosto de brincar com as melodias, de colocá-las em lugares inusitados, e percebo que o público e as pessoas respondem muito bem a isso. Teve uma historia engraçada na nossa turnê por MG: estávamos tocando com uma mesa conversando muito, aparentemente desconectadas do som…quando fiz uma citação do Pour Elise, elas todas se viraram e reconheceram aquela melodia: faço um pouco isso pra trazer o ouvinte pra música, pra dizer: olhem, o improviso não é um monte de nota jogada, tem uma história aqui, eu to pegando esse intervalo do pour elise de meio tom e brincando com ele, transformando, estou criando uma música aqui com você, ouvinte. Gosto de improvisar com o desenvolvimento temático, um pouco como na música erudita, como na composição. Se eu pego um tema conhecido e começo a brincar com ele, como numa variação, acho que as pessoas entendem melhor e se conectam ao improviso de uma outra maneira.

WG – Como está sendo a divulgação do CD? E a recepção perante a crítica musical?
DG – Estamos começando o trabalho de divulgação mas estamos tendo ótimas respostas. O CD acabou de sair nas plataformas digitais como Itunes, Deezer, Spotify. O Mauro Ferreira escreveu uma ótima matéria, e as pessoas tem gostado muito desse som que é antigo e novo ao mesmo tempo. É dizer: olha, o som do piano e contrabaixo é algo contemporâneo, os pianeiros são bacanas e são atuais, podem ser tocados como jazz ou como uma roda de samba sem percussão. Essa intimidade do som do disco tem sido muito bem recebida pelas pessoas quando escutam o CD.

WG – Em seus futuros projetos, pretende continuar trabalhando nesse campo em que as músicas popular e a clássica se confundem? Como projeta a evolução da música instrumental brasileira?
DG – Com certeza, é um campo muito rico e próximo ao meu pensamento musical. Toco e componho para o Escualo Ensemble, que é com ótimos músicos da OSESP, que trazem esse refinamento e vitalidade ao universo do tango. Tenho o projeto Veredas onde compus o Strawa no Choro, uma brincadeira com a sonoridade do Stravinsky e o choro.
A música instrumental brasileira tem evoluído muito nesse sentido de unir o refinamento erudito com a improvisação, tem grupos incríveis como o Vento em Madeira, o Quarta B, o Trio Curupira, Trio Corrente, só pra ficar em alguns, e músicos que estão investindo em sua carreira como artistas, o que abre um campo em termos de lugares para tocar, na formação de público e no interesse pra esse gênero. Acho que há um maior diálogo entre músicos eruditos, entre o choro, o jazz, a música folclórica, e isso traz um ganho para todos.

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Duo Bailado – Marcos Paiva & Daniel Grajew – 1º Movimento
Manga – Daniel Grajew Trio