Entrevistas

Os Afetos que estão presentes no Violão de Victor Polo

Com surpresa, recebi o trabalho o Victor Polo, ‘Violão de Afetos’ para poder avaliá-lo. E maior foi a minha surpresa com a qualidade técnica e criativa desse jovem músico que também se revelava um grande compositor. É com alegria, que nesse início do ano, apresento a vocês mais um grande talento da música instrumental brasileira. Curtam essa entrevista onde Victor abre seu coração contado a sua história, detalha o processo de criação e gravação de ‘Violão de Afetos’ e aponta quais serão seus próximos passos.

 

Wilson Garzon – Todo esse seu encanto pelo violão começou desde cedo?
Victor Polo – Meu encanto com o violão começou quando tinha cerca de sete, oito anos de idade, através do meu pai e do meu irmão. Eles tocavam violão de forma amadora, ambos tiveram aulas do instrumento por um certo tempo. Por causa disso, me interessei por tocar e comecei também a fazer aulas com o mesmo professor, chamado Luis Carlos Santos, de Franca/SP (minha cidade). O tempo passou e eles pararam, mas eu continuei!

WG – Sua família é musical?
VP – Na minha família não há nenhum músico profissional, mas sempre gostaram muito de música. Meus pais ouviam música o tempo todo, em casa, no carro… O que mais gostavam era MPB, então ouvi, desde muito novo, grandes artistas como Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Djavan, Gilberto Gil, entre outros. Também ouviam um pouco de jazz, música clássica, um pouco de rock dos anos 1970…

WG – Como foi a sua formação?
VP – Minha formação começou com esse professor, o Luis Carlos. Ele foi de grande importância, pois sempre soube estimular uma relação saudável com o violão, sobretudo quando eu era bem jovem e ainda não tinha decidido seguir com a carreira musical. Fiz aulas com ele por muitos anos, dos 7, 8 até os 14. Quando estava com cerca de 13 para 14 anos, me deparei com o jazz através de um célebre DVD da cantora e pianista Diana Krall. Era o “Live In Paris” (2002), que meu pai comprara alguns anos antes e que ouvia com recorrência. Encantei-me com o guitarrista que tocava com a Diana, chamado Anthony Wilson. Fiquei muito impressionado com a maneira livre dele tocar, improvisando e acompanhando maravilhosamente bem naquele contexto musical. Por conta disso, comecei a tocar guitarra e, alguns meses depois, fui assistir a um show de música instrumental em minha cidade, do grupo “Kajazz”.

Nessa ocasião, conheci o guitarrista Helton Silva e vi que ele tocava justamente aquilo que havia me encantado no Anthony Wilson: a improvisação, a guitarra jazzística e um tratamento harmônico sofisticado e mais livre. Por conta disso, comecei a ter aulas com o Helton, que me apresentou o lindo universo da música instrumental brasileira e me ensinou muito sobre harmonia, improvisação, repertório… Foram cerca de três anos de enorme aprendizado! O Helton me mostrou um universo musical que estava sedento por conhecer e que fez a minha cabeça.

Em nossas aulas ele apresentava grandes violonistas: Toninho Horta, Hélio Delmiro, Lula Galvão, entre muitos outros. Após esses anos de aprendizado com Helton Silva, ingressei no curso de Música Popular da UNICAMP (modalidade Violão) e tive aulas com grandes professores, entre eles o renomado violonista Ulisses Rocha. Também tive contato, fora da universidade, com outros grandes professores, entre eles o pianista Felipe Silveira e o guitarrista Marcus Teixeira. Ambos foram de grande relevância para meu crescimento musical, pois são instrumentistas da mais alta qualidade e também excelentes professores. Após a graduação, cursei o mestrado, também na UNICAMP, cujo tema foi a performance de Lula Galvão. Atualmente, dedico-me a pesquisa de doutorado na mesma instituição, com orientação do guitarrista, professor e pesquisador Budi Garcia.

 

WG – Ao longo do tempo, quais foram os músicos que de uma maneira ajudaram a você construir o seu estilo?
VP – No início, como mencionei, tive muito contato com artistas da MPB, da canção brasileira. Acredito que isso tenha influenciado muito em minhas preferências musicais, pois tenho grande fascínio pelo universo da música popular brasileira, em suas múltiplas vertentes. Nesse sentido, tenho grande influência de Tom Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, entre outros. Mais tarde, descobri o jazz e também os grandes músicos da música instrumental brasileira. Gosto muito de Wes Montgomery, Joe Pass, Miles Davis, Bill Evans. Dos guitarristas e violonistas brasileiros, me inspiro em Baden Powell, Toninho Horta, Hélio Delmiro, Lula Galvão, Ulisses Rocha, isso só para citar alguns. A lista de músicos brasileiros que admiro é enorme!

WG – Como foi a sua carreira: mais como solista ou trabalhou em que grupos, bandas e orquestras que foram relevantes?
VP – Trabalhei em diversas formações ao longo de minha trajetória. Tenho enorme fascínio pelo formato solo, talvez por ter estudado, quando bem jovem, um pouco de violão clássico e algumas peças do repertório brasileiro para o violão. Dessa forma, muitas das minhas composições são escritas especificamente para violão em caráter de peças instrumentais, tal como em meu recente trabalho, “Violão de Afetos”. Aliás, o violão solo brasileiro é algo riquíssimo! Basta vermos a obra de Garoto, Dilermando Reis, Luiz Bonfá, Laurindo Almeida, Paulinho Nogueira, Ulisses Rocha, Marco Pereira, Yamandu Costa… Em relação a outros trabalhos musicais, também atuei em grupos, entre eles: “Telecoteco”, banda dedicada a releituras de sambas, especialmente os de Noel Rosa, e também canções autorais. Com esse grupo, no qual tocava guitarra elétrica, realizei shows e participei de seu primeiro CD, “É Hora de Trocar As Válvulas” (2014), que foi agraciado entre os 100 melhores da Música Brasileira, pelo site  https://www.melhoresdamusicabrasileira.com.br

Outro grupo importante em que atuo como guitarrista é o “Trem Doido”, que nasceu com a proposta de realizar releituras do cancioneiro do “Clube da Esquina” e que lançou seu primeiro disco, homônimo, em 2018. Atualmente o grupo segue em outra formação e construindo um novo trabalho, com composições autorais dos membros do grupo. Também possuo um projeto de música instrumental chamado “Polo Trio”, cuja formação é violão, baixo acústico e bateria. Além disso, atuei e atuo bastante na formação de duo, com cantores e instrumentistas, e também, eventualmente, em bandas maiores.

WG – ‘Violão de Afetos’ já era um projeto antigo ou ele foi concebido em tempos de pandemia?
VP – É um projeto antigo. Como mencionei, gosto muito de compor e tocar nesse formato de violão solo. Então, desde que comecei a esboçar minhas primeiras composições já queria escrever peças para violão. Por isso, tinha grande vontade de gravar um álbum com essas composições e assim foi… O disco é um apanhado de peças instrumentais escritas ao longo de seis, sete anos antes da gravação. O álbum foi gravado em fevereiro de 2020, cerca de um mês e meio antes da pandemia estourar no Brasil. Foi lançado em formato digital no final do mesmo ano e em formato físico em meados de 2021.

 

 

WG – O repertório contém 12 obras autorais. Conte-nos um pouco sobre cada uma delas (conceito, se foi homenagem…)
VP – Vou apresentar as músicas na ordem que consta no álbum:
1. Branca e Dourado: essa música é dedicada à minha companheira de vida, Isabella. É uma valsa bastante lírica e melódica, um retrato musical da minha relação afetuosa que tenho com ela.
2. Vila Rica: peça inspirada na cidade de Ouro Preto/MG, antiga Vila Rica. Comecei a fazê-la em minha última viagem para lá, há uns quatro anos. Vila Rica é uma tentativa de descrever musicalmente a cidade de Ouro Preto/MG, lugar dualístico onde toda a beleza artística é envolta por um denso e triste passado do Brasil colonial.
3. Alegre: dedicada a Alegre Corrêa, compositor que tive contato pela primeira vez através do disco Terra Mágica (1997), trabalho de grande beleza. É um tema construído em compasso de 7/4, mas que em alguns momentos alterna com os compasso de 6/4 e 5/4.
4. Pros Velhos: é a composição mais antiga do álbum. Foi composta em homenagem aos meus pais e é um agradecimento por tudo o que fizeram e fazem por mim.
5. Ao Fundo um Céu Azul: outra composição dedicada à Isabella, feita depois de uma viagem com ela. É uma peça inspirada no ritmo do chamamé.

 

6. Saudades da Bel: essa música é uma homenagem à saudosa tia Bel, pessoa de extrema ternura e que nos deixou repentinamente. É a obra mais jazzística do álbum, construída sobre ritmo ternário (Jazz Waltz) e com seção dedicada à improvisação.
7. O 3 do Dori: nessa composição, a inspiração veio da maneira como o genial compositor, arranjador e violonista Dori Caymmi brinca com os compassos ternários, por caminhos rítmicos que muitas vezes fogem das levadas convencionais, tal como em suas músicas Dança do Tucano, Três Curumins e The Colors of Joy.
8. Valsa Mística: essa música é a expressão do mistério, do místico, em que a delicadeza se soma a carregados coloridos harmônicos. Foi inspirada em inúmeros momentos de apreciação do álbum O Grande Circo Místico (1983), de Chico Buarque e Edu Lobo.
9. Sambajazz na Madrugada: nessa composição, busquei a visão de um momento imaginário em que músicos jazzistas estão “quebrando tudo” em uma linda noite de som, aquelas em que a música “ferve”. É um samba com influência do blues, especialmente no aspecto harmônico. Cabe destacar que, no interlúdio, há uma linha de baixo que é próxima à executada por Luizão Maia na canção “Ladeira da Preguiça” (Gilberto Gil), na versão da Elis Regina.
10. Caminhando Junto: mais uma peça dedicada à Isabella. É um baião lento e lírico, cuja inspiração foram as nossas caminhadas pelo bairro em que morávamos, que tinha lindas paisagens!
11. Por um Dia Melhor: defino essa música como uma tentativa de tornar um dia extremamente difícil, um pouco mais leve: foi feita em 11 de dezembro 2018, quando da triste ocasião em que um homem adentrou na igreja Catedral Metropolitana de Campinas/SP e atirou em algumas pessoas. Essa música busca demonstrar a esperança, o renascer, um alento ao sofrimento causado por esse angustiante acontecimento.
12. Violão de Afetos: faixa título, foi escrita depois de alguns meses de proximidade com a obra do violonista e compositor Andrew York, pintor das mais belas paisagens violonísticas. A descoberta de sua música me impactou e abriu minha mente para novas possibilidades de composição para o violão.

 

 

WG – Como foi o processo de gravação? E de mixagem?
VP – O disco foi gravado pelo técnico Rafael Thomaz, no estúdio Rizoma, em Campinas/SP, nos dias 4, 5 e 6 de fevereiro de 2020. Foram três sessões intensas, em que gravávamos cerca de três ou quatro takes por música e escolhíamos os melhores. A mixagem e masterização também foi feita pelo Rafael, porém trabalhamos à distância, por conta da pandemia. Na mixagem demos muita atenção aos reverbs, à equalização e ao pan (já que foram utilizados dois microfones para captar o violão).

WG – Como foi feita a divulgação? Fez alguma apresentação e matérias em jornais e tv e mídia?
VP – O álbum foi lançado em formato digital (plataformas de streaming) em novembro de 2020, em plena pandemia. Na ocasião, a divulgação foi feita pelas redes sociais, alguns veículos da mídia alternativa, e também em uma rádio. Além do álbum (áudio), estão disponíveis o teaser e vídeos de algumas músicas, em meu canal do Youtube. O disco físico, chegou mais tarde, em meados de 2021, e está disponível para quem quiser adquirir. É só entrar em contato pelo e-mail viropolo@gmail.com Por conta da pandemia, realizei algumas lives em 2020 e 2021, sem público presencial, tocando as músicas do álbum.

Mais recentemente, com a melhora da situação pandêmica e consequente abertura de espaços físicos, fiz dois shows de lançamento em espaços culturais na cidade de Campinas/SP. O próximo show de lançamento será no teatro do Sesc, também em Campinas, no dia 15 de janeiro de 2022. Além disso, tenho participado de algumas entrevistas falando sobre o trabalho, tal como essa em que escrevo, que serão lançadas futuramente.

WG – O que planeja para os próximos anos? Dedica também às atividades de aulas/lives e workshops?
VP – Para o ano de 2022 planejo realizar diversos concertos de lançamento do álbum “Violão de Afetos”, além de seguir com as outras atividades musicais, entre elas a construção de um novo show com o grupo “Trem Doido”. Além disso, continuarei lecionando música, especialmente violão, para alunos particulares e seguirei com minha pesquisa de doutorado. Algo que planejo a médio/longo prazo é a gravação de um novo álbum, ainda sem formação definida, com composições mais recentes e outras que não entraram em meu último trabalho. Creio que, com as músicas que fiz durante a pandemia, já daria pra lançar uns dois álbuns! Outro plano é circular com uma oficina de levadas de ritmos brasileiros para violão, que já ministrei em algumas ocasiões. Recentemente, fui contemplado por um edital do Proac para gravação de uma videoaula. Recentemente, fui contemplado por um edital do Proac para gravação de uma videoaula cujo tema envolve o ensino de levadas de samba ao violão.


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