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Outra verdade do Tango segundo Juan Pablo Navarro

Juan Pablo Navarro, na atualidade, é o mais importante contrabaixista contemporâneo do tango, que além de ter sua própria carreira, participa de grupos importantes, como o Diego Schissi Quinteto e o Pablo Agri Quarteto. Depois de apresentar dois trabalhos revolucionários no universo tanguero, ContraTangos (2012) e “Fantasia ContraPiazzolisimo” inserida no cd “Pa el Agus y el Uli”(2015), Navarro nos apresenta o tango numa nova dimensão: a de interpretar a sua indignação como cidadão contra o que chamamos de pós-verdade. É com orgulho que o Clube de Jazz realiza essa entrevista em que Juan Pablo Navarro nos fala sobre “Tangos de la Posverdad”.

Juan Pablo Navarro com o Sexteto + Verdinelli e a Orquestra Típica.

 

Wilson Garzon – Depois de ContraTangos (2012)ContraPiazzolismo (2015), porque elegeu a Posverdad como tema de seu último cd?
Juan Pablo Navarro – A posverdade é o que está governando nosso mundo de hoje, especialmente em nossos países latino-americanos, onde os poderes econômicos, através do poder político, enganam o público com promessas de bem-estar que nunca chegaram. É por isso que alguns destes tangos estão denunciando este triste realidade. Por outro lado, também a posverdade ou mentira programada, está chegando à arte imposta por grandes multinacionais e tentando-nos a perder a nossa identidade.

WG – Os dois primeiros cds já continham em si mesmos uma linha conceitual; nesse seu trabalho, o que foi preciso fazer para que o tango pudesse reproduzir a tua indignação social e política?
JPN – A situação de opressão social e política, muitas vezes cria uma reação em muitos artistas. No meu caso, este álbum é a reação a essa desigualdade. A uma maior opressão, mais arte!

WG – O repertório contém dez composições sendo sete autorais. As com títulos mais contundentes, “Cínico“, “Que lo parió“,  são também recados explícitos e dirigidos?
JPN – ‘Cínico‘ é dedicado ao atual presidente e seu gabinete, por estarem mentindo descaradamente;
Que lo parió’, é uma expressão de Triunfo. Essa música começa como um tango despreocupado que se torna mais complexa assim como os pensamentos e finalmente se transforma numa intrincada luta rítmica, que reflete a instabilidade da mente. Finalmente termina com a expressão eufórica da resolução do problema.

WG – Já “Tacleta nº1“, “Peru con Belgrano“, “Vuelo truncatus orbem” e “Y así se fué“, foram compostas dentro dentro desse projeto ou foram adaptadas?
JPN – Todas essas peças foram projetadas especialmente para este álbum, pensando neste sexteto que às vezes se transforma em septeto com a entrada de uma bateria:
Tacleta nº1′, é alusivo ao meu amor pelo Rugby na minha juventude e representa a força, a sagacidade, a audácia e o companheirismo que sãoos  valores que aprendi com esse esporte bonito.
‘Peru con Belgrano’, evoca a minha infância em Mar del Plata e é dedicado à casa do meu pai onde cresci: o bandoneon e o clarinete baixo dialogam.
Vuelo truncatus orbem‘ é vôo sem sucesso de balão, símbolo das promessas de felicidade feitas na campanha que desaparecem e
Y así se fué’, é uma balada que evoca, de certa forma, o espírito Spinetteano (Luís Alberto Spinetta). Tem um começo de reflexão nos solos do bandoneón, do piano e do violino, e decanta em uma canção.

WG – Kleiniana” é uma homenagem ao pianista Guillermo Klein. Conte-nos um pouco sobre a presença de Klein em sua obra.
JPN – Guillermo Klein e Diego Schissi são músicos extremamente inspiradores, assim como Fernando Otero; são compositores que têm um discurso musical que marca caminhos. Eles souberam saltar a cerca intransponível de Piazzolla, cada um a seu modo. No caso de Kleiniana, peguei alguns elementos rítmicos que Klein usa em seu trabalho para fazer esta homenagem.

WG – As outras composições, “Volver“, “Canope” e “No soy un estraño” são de outros autores. Porque as escolhas e que leitura você fez para que elas fizessem parte do disco?
JPN – Queria dar na minha própria visão, um tributo às obras de grandes compositores como Gardel (Volver), Debussy (Canope) e Charly Garcia (No soy un estraño); essas foram canções que marcaram minha infância e juventude.

WG – Como foi feita a escolha dos músicos?
JPN – A princípio, são todos músicos que dominam perfeitamente a linguagem da tradição do gênero, mas por sua vez, têm um domínio incrível da música contemporânea.
Bruno Cavallaro é um violinista requintado com uma única expressão, continuador da linhagem Suarez Paz com sua própria personalidade, e também é um grande compositor;
Nicolás Enrich é um dos melhores tocadores de bandoneon no mundo de hoje, tem uma personalidade avassaladora e compositor formidável;
Emiliano Greco é um pianista e compositor maravilhoso, seu projeto solo com seu irmão Lautaro é um dos mais interessantes da cena atual;
Sebastian Tozzolla é um clarinetista baixo que está trazendo cores novas e bonitas para o grupo, também é solista com a Orquestra Filarmônica de Buenos Aires e grande compositor;
Esteban Falabella é um grande companheiro de música e guitarrista muito original, seu som traz uma personalidade única ao grupo.

WG – E quanto às presenças de Verdinelli e Segret?
JPN – Em relação à personalidade convidados, Santiago Segret é um incrível multi-instrumentista, participou do meu projeto da orquestra típica, mas também canta muito bem, e por isso foi que o convidei a cantar o coral é Cínico;
O baterista Sergio Verdinelli é um dos músicos que mais admiro, e ele é um dos mais procurados, não só pela sua fluidez e flexibilidade, se não para o caminho entende rapidamente o conceito destes novos tangos. É um músico completo e traz sempre magia!

WG – Como está sendo a repercussão crítica de seu trabalho até agora? Onde você tem agendado apresentar esse novo trabalho?
JPN – Felizmente, os comentários são muito lisonjeiros e estão tendo uma recepção agradável no público e na imprensa especializada.
As datas de apresentação do álbum serão:

Sábado (11/08), às 19h00, nos Salão Câmara da Usina del Arte no Festival de Tango;
Sexta-feira (21/09), às 21:00 no Café Vinilo, Gorriti 3780;
Quinta-feira (25/10), às 21h00, no CAFF, Sánchez de Bustamante 772.


Músicos

Nicolás Enrich – bandoneón
Bruno Cavallaro – violíno
Esteban Falabella – guitarra elétrica
Sebastián Tozzola – clarinete baixo e clarinete
Emiliano Greco – piano
Juan Pablo Navarro – contrabaixo y composição
Artistas invitados: Sergio Verdinelli – bateria ( faixas3 e 9) e Santiago Segret (vozes na faixa 3)

https://web.facebook.com/juanpanavarro

 

(contracapa de cd “Tangos de la Posverdad”, texto de Enrique Carpintero publicado na Página/12)”:
É hora da mentira programada: a pós-verdade. Se a verdade é construída no espaço da intersubjetividade, no interior de uma cultura, e as relações são cada vez mais fragmentadas, isso facilita a indiferença em relação à discussão sobre o verdadeiro. Este é o novo. É longa a história das mentiras na política e no poder.
Mas nos últimos anos de desregulamentação, flexibilização e liberalização, onde o público desaparece no ar e o fracasso do bem-estar cai total e fatalmente sobre os ombros do indivíduo, vemos que o desejo de se manter ao lado dos vencedores é mais forte que o valor para defender uma posição determinada em um espaço comum de debate“.