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A vida nada ‘simples’ de Juan Bayón

 

 

Tive o prazer de conhecer o contrabaixista Juan Bayón em novembro de 2011 quando ele lançava seu primeiro cd “Trance” no Festival Internacional de Jazz de Buenos Aires. Reencontramo-nos no Brasil, durante o ViJazz 2014 quando fazia parte do pianista Adrían Iaies, ao lado Pepi Taveira (bateria) e Martín Sued (bandoneon). Também divulguei aqui no Clube de Jazz o seu segundo cd “Control”. Agora, que Bayón acaba de lançar seu terceiro trabalho “Vida Simples”, é o momento certo de apresentar um pouco da vida, da obra e das ideias desse talentoso músico. A tradução dessa entrevista ficou a cargo do jazzófilo Paulo Cesar Nunes.

Wilson Garzon – O contrabaixo foi seu primeiro instrumento? Que músicos foram seus mestres/influências foram decisivos durante o período da sua formação?
Juan Bayón – Meu primeiro instrumento foi o baixo elétrico. Antes disso eu havia tido aulas de piano mas nunca tinha considerado isso com maior seriedade que a prática do taekwondo ou as aulas de inglês que também assistia desde criança. Com o baixo elétrico comecei a ter a ideia de tocar com outras pessoas e levar a sério. Um professor importante em minha formação não foi um músico, mas meu professor de literatura no colégio secundário que considerava que se eu tocava o baixo deveria conhecer Jaco Pastorious, e então me emprestava discos dele. Eventualmente no tempo do colégio comecei a ter aulas com o grande baixista de folklore Willy Gonzalez, simplesmente porque vi na rua um cartaz de aula de baixo elétrico. Willy foi quem me mudou a vida e me incentivou a me tornar um músico profissional. Hoje em dia quando ensino penso em sua forma de ensinar e uso muitas de suas soluções pedagógicas. Além disso ele me orientou a ter aulas de harmonia e composição com Juan “Pollo” Raffo.

O contrabaixo apareceu quando comecei a escutar jazz, via Jaco e suas conexões com Wayne Shorter, Joe Zawinul, Pat Metheny, Paul Bley…cheguei a Miles com Paul Chambers e aí comecei a pensar em tocar contrabaixo. Na primeira vez que toquei um contrabaixo – numa loja de instrumentos – soube que isso era pra mim, e ali fiquei. Toda a ansiedade adolescente que sentia por ser bom no baixo elétrico se foi com uma nota mal tocada na loja de instrumentos, e me senti muito bem. Meus grandes professores no instrumento através dos anos são Hernan Merlo, Juan Pablo Navarro e Mark Helias, e fora dele Carlos Lastra, Enrique Norris e Ernesto Jodos no Conservatorio Manuel de Falla, foram figuras importantes para minha aprendizagem.


WG –
Em 2010, você lança “Trance” seu primeiro cd autoral. Ele segue a linha já desenvolvida no grupo ‘Elefante‘? O conceito desse trabalho tem
a ver com ‘transe‘ ou ‘êxtase‘ sugerido pelo nome do cd?
JB – Não necessariamente segue a linha de Elefante porque este era um grupo liderado em partes iguais por mim, Andrés Estein e Pablo Butelman, mas na etapa final do grupo, que existiu entre 2005 e 2010, os temas eram já quase todos de Butelman. No primeiro disco do grupo tem dois temas meus, e é a primeira vez que algo assinado por mim aparece em disco, então em retrospectiva é um momento importante pra mim. “Trance” fazia referencia a certo estado subconsciente em que entram os músicos quando estão improvisando, essa é a ideia do título. É uma primeira tentativa de disco, com muitas limitações, não tão exitoso musicalmente, mas foi um processo de aprendizagem enorme pra mim, tanto musical como humano, e também em relação à produção e difusão.

WG – Em 2014, você lança “Control“, seu segundo trabalho. O grupo aqui é formado por um naipe de saxes, baixo e bateria, sem a presença tanto do piano ou guitarra. A proposta é a de desenvolver uma obra mais existencial, que reflita seu trabalho como homem e músico?
JB – Control” já é outra historia; é um disco que posso escutar com orgulho. Haviam passado quatro anos desde “Trance” e meu conceito como contrabaixista e como compositor amadureceu muito nesse período. É definitivamente uma obra mais existencial e também mais coerente. Tem um conceito muito concreto do principio ao fim e se nota isso. Também reflete meu trabalho com o grande baterista Fran Cossavella, com quem nos juntamos a ensaiar semanalmente durante muito tempo. Algumas das idéias que desenvolvemos nessa época aparecem tanto em “Control” como no primeiro álbum de Fran, “El Límite de la Conciencia“, que considero discos irmãos, pois sairão quase simultâneos em nosso selo Kuai.

WG – Em agosto desse ano você lançou “Vida Simples“, seu terceiro cd, utilizando a formação de quinteto.
Cumbia de Gambartes‘: aqui você tentou musicar a obra de um artista plástico ou foi baseado nas lembranças da sua família?
JB – As duas coisas. Gambartes foi um pintor rosarino muito avançado em seu tempo ,sobre o qual escreveu meu tio-avô, que foi um importante crítico de arte latinoamericano. Por sua vez, com o tempo, acabei trabalhando com a filha de Gambartes, que é diretora e autora de teatro. Esse tipo de circularidades me chamam muito a atenção e sobre isto baseei essa Cumbia de Gambartes. com esses motivos melódicos que me soam extremamente circulares.

WG –
‘Pausa’, ‘Aural’ e ‘Rupturas’, representam de uma certa forma, uma suite?
JB – De algum modo sim, mas sobretudo são dedicados à mesma pessoa. “Rupturas” é algo que escrevi enquanto me separava da minha companheira e saia da que até então era minha casa. É um tema escrito em relação a esta situação. “Aural“, em contrapartida, é meu presente de despedida para esta pessoa, e não é tanto um tema dedicado a ela, mas sim escrito para ela. Assim são dois temas complementares, um por e outro para a mesma pessoa. “Pausa” é uma introdução de piano improvisada de Santiago Leibson que leva a “Aural“, e o fato de que várias pessoas me perguntaram quanto tem de escrito nessa introdução me faz sorrir e pensar que Santiago possui um grau de musicalidade muito profundo.

WG – Ego’ é um belo solo. Você gosta de improvisar solos ou prefere a presença do contrabaixo dentro do conjunto?
JB – Para mim e para quase todos os músicos dos que me rodeiam o espaço de ensaio é fundamental para minha vida diária. Isso significa que passo um bom período do meu dia tocando só, me preparando para tocar com outros. Às vezes, gosto de compartilhar um pouco disso que passo em privado, mas não muito, porque para mim a função da música é social e a parte mais interessante da mesma é o que se passa entre dois ou mais músicos usando a música como meio para se comunicar . Aí é onde encontro a magia, e por isso fazer solo em qualquer instrumento é para mim sempre a exceção e não a regra.

WG – Vida Simples’, tem a presença nostálgica de seus avós. Representar esse tempo onde a vida era simples foi difícil?
JB – É dedicada a meus avós, dos quais só me resta uma avó, mas não é em absoluto nostálgica a intenção. Como o processo que percorre uma canção desde que começo a escrever até que finalmente vê a luz em forma de disco é bastante longo, às vezes um titulo pode me servir para passar muito tempo com uma ideia e não me esquecer. Penso em tocar um instrumento como um processo que não termina, e na composição como objeto que você fecha e segue adiante. Quando olhas pra trás, podes ver pedaços de tua autobiografia nos temas que escrevestes. Neste caso “La VIda Simples” faz referência a certas escolhas de vida que descrevem a vida de meus avós e quais foram suas prioridades, e no meio desta vida de gente apressada para chegar a não se sabe onde e desesperada para não perder seu wi-fi, não quero esquecer o exemplo de meus avós para não perder de vista as coisas simples que importam de verdade.

WG – Fortaleza‘, no fundo, é uma crença no ser humano?
JB – É uma pergunta difícil. “Fortaleza” é uma canção dedicada a uma amiga que teve sérios problemas de saúde e quando tudo parecia perdido, seguiu adiante. Agrada-me que pergunte isso porque o tema em geral é obscuro e sem dúvida nos últimos dez segundos termina com um humor muito mais luminoso. É uma forma de esperança no fim de um momento difícil, então talvez a resposta à tua pergunta seja sim.


WG –
Você é um dos mais requisitados baixistas da cena jazzística de BA. Dá para conciliar o seu trabalho autoral com a sua participação em outros grupos? Você também participa do selo Kuai Music?
JB – Posso combinar ambas as coisas. Se bem que há diferenças mentais e administrativas em ser o chefe ou sideman, para mim as duas situações são parte do mesmo processo, pois se retroalimentam. Inclusive se as condições econômicas tornaram possível, não queria dedicar-me neste momento 100% à minha música, porque aprendo bastante da música dos demais (não penso que haveria algo positivo em não agarrar essas oportunidades).

Algo parecido acontece com o Kuai, que é o selo cooperativo que levamos adiante com vários colegas: em termos ideais, poderia pensar em ter a função de editar música de outros, mas isso te toma o tempo de fazer música. Mas a realidade não é ideal, pois quase, pois quase todos os músicos que conheço trabalham por conta própria; assim, para o bem ou para o mal, temos que ter a função de gerar nosso próprio trabalho. Os quase cinco anos em que tenho colaborado no Kuai tem sido o instrumento de informar como vejo o processo de fazer música e de tentar gerar um impacto. Vivemos épocas de incerteza sobre o quanto que realmente se democratizaram os caminhos para se lançar um disco; paradoxalmente, cada vez é mais difícil abrir a cabeça neste mar de tédio e igualdade que é a internet. Kuai me mostrou que há um caminho inteligente para viabilizar minha própria música: é o de buscar força em números, com colegas e pares com visões parecidas.

WG – Em relação ao Brasil, você já participou de alguns eventos ou shows? Pretende apresentar seu novo trabalho por aqui?
JB – Estive várias vezes no Brasil tocando, mais frequente com o pianista Ádrian Iaies e com o grupo de música argentina Tatadios, mas nunca levei um projeto meu. Não tenho planos em curto prazo de levar a música de “Vidas Simples” ao Brasil, mas creio que deveria trabalhar para que haja mais fluidez entre as cenas musicais da Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Bolivia, Paraguai… vejo menos intercambio na região do que eu gostaria.

WG – Em relação ao futuro, que projetos você pretende desenvolver?
JB – O primeiro disco saiu em 2010, o segundo em 2014, e o terceiro em 2018… definitivamente não quero esperar quatro anos até o próximo disco, assim que vou começar a acelerar os processos. Já estou pensando em música para gravar em 2019 e 2020.