Nenê Trio => “Verão” e Leo Gandelman => “Yellow Saxmarine”
Baterista Nenê comemora 50 anos de carreira com dois discos novos
Estadão Conteudo, publicado no ‘Estado de Minas, 22/12/2018
O gaúcho Nenê legitima a constatação de que o músico toca nada mais do que aquilo que ele é. O tempo o deixou mais enigmático, talvez menos pesado, e sua música tem sido também assim. Em outros tempos, Nenê tocava com mais explosão, mais volume, sem medo das toneladas do próprio braço, mas há discos em que ele busca nuances que o aproximam dos compositores eruditos, apostando na bateria que fala tanto quanto um instrumento de sopro ou de cordas. Quanto mais homens houver ali dentro, mais recursos o baterista terá.
Seja quantas forem suas facetas, o fato é que Nenê se tornou um dos maiores instrumentistas do Brasil. Seus 50 anos de baquetas são comemorados agora com dois álbuns. Em Verão, ele vem produzido pelo também baterista Carlos Ezequiel, que acaba de dar dignidade a outro obelisco das percussões, Airto Moreira, que fez pela primeira vez um álbum no Brasil depois de mais de 50 anos. Sua formação aqui é de trio, com Irio Jr. (piano) e Alberto Luccas (contrabaixo), e a ideia é fechar uma quadrilogia. Outono saiu em 2009 e Inverno em 2013. O próximo será Primavera.
JAZZ
Verão abre com o Nenê dos experimentos e do jazz. Sua música tem imagem e seu instrumento parece interferir na melodia, tamanho seu desprendimento do chão rítmico. A seguinte, Calunga, tem mais tensão, com o diálogo do trio, de novo, em alta intensidade A experiência que a música propõe é outra, de absorção, como um livro. Uma história está sempre sendo contada. Fraterna é outra criação que sai de uma cabeça fora do lugar comum. Um piano que parece brincar, como se estivesse criando a melodia ali mesmo. E Meu sábado cai sempre no domingo inicia por um solo. Nenê é da época em que os bateristas solavam.
O outro disco tem o nome de Pantanal, com a mesma produção de Carlos Ezequiel. Além de Nenê, estão nele Rodolfo Guilherme (trompete), Gustavo Benedetti (sax), Fabio Leandro (piano) e Jakson Silva (contrabaixo). A história aqui é outra. Um grupo grande, com sopros, vem mais ironicamente quente que o verão. É agora uma música suingada que aparece em Pantanal. Calunga, do álbum anterior, é de novo mostrada; e seguem Tarde fria, Dark square, Choramingando. Mais melodias, belíssimas, até que outros temas de Verão são reapresentados em uma nova proposta.
Música que toca o mundo
Thiago Prata, jornal “Estado de Minas, 24/12/2018
O primeiro contato do saxofonista e produtor musical Leo Gandelman, 62, com a obra dos Beatles se deu na infância, por meio da irmã mais velha – uma “beatlemaníaca”, segundo o instrumentista. Mas sem aquela sensação de “amor à primeira vista”. “Não fui exatamente um ouvinte (dos Beatles) na juventude. Comecei a ouvir com carinho mais recentemente, pesquisando os arranjos, que são belíssimos e muito bem cuidados”, relata o compositor. “Os discos que mais ouvi foram ‘Sgt. Pepper’s’ (1967) e o ‘Álbum Branco’ (1968)”, complementa.
A ideia de confeccionar uma bolacha com músicas do quarteto de Liverpool – intitulado “Yellow Saxmarine” e lançado recentemente – surgiu de um encontro com o grupo Julio Bittencourt Trio, numa pousada em Visconde de Mauá, no interior do Rio, durante o Carnaval de 2016. “Eu tinha encerrado minha temporada no clube de jazz (na pousada), e aí vieram os shows do Julio Bittencourt Trio no clube. Eles me convidaram para uma canja, e começamos a tocar músicas dos Beatles. Senti ali uma química legal e falei com eles que poderíamos fazer um trabalho com músicas dos Beatles. Tivemos a chance de fazer mais shows espetaculares que fortaleceram essa ideia”, diz.
Essa sinergia resultou em dez temas instrumentais, entre eles “Eleanor Rigby” – do álbum “Revolver” (1966) –, “Drive My Car” – de “Rubber Soul” (1965) – e “Ticket to Ride” – de “Help!” (1965). “Não houve um critério para a escolha das músicas, além do fato de tocar as que mais gostávamos e, naturalmente, não escolher músicas óbvias. E escolhemos as que mais se integravam com a linguagem que a gente mais trabalha, que é a música improvisada”, conta o saxofonista.
“Yellow Saxmarine” viaja pelos territórios do jazz e do pop, como destaca Gandelman. Nessa transição, o saxofone reproduz as linhas vocais das canções originais em vários momentos. “O negócio de fazer música dos Beatles é que ela toca uma parte do subconsciente das pessoas. Então, nos shows, as pessoas começam a cantar, e fica tudo muito interativo. Acho que tocar os Beatles é tocar o mundo”, enfatiza. Curiosamente, a faixa “Yellow Submarine” não faz parte do repertório, apesar do trocadilho no título do álbum e na referência na capa. “O nome veio de uma brincadeira, não tínhamos um compromisso com um disco dos Beatles. Eu estava no telefone, enquanto desenhava um sax que parecia um submarino e falei: um ‘yellow saxmarine’ (risos)”, relembra Gandelman.
Atuante no mercado musical há mais de quatro décadas, incluindo 31 anos dedicados à carreira solo e a assinaturas como produtor em álbuns de artistas como Marina Lima e Gal Costa, Leo Gandelman acumula ainda a função de apresentador do programa “Vamos Tocar”, do canal Bis. “‘Vamos Tocar’ é um marco na minha carreira de transição e está entrando na quarta temporada. Vivemos uma era em que as pessoas têm interesse em assistir e não apenas ouvir a música”, ressalta. No programa, o saxofonista recebe artistas para bate-papo e jams.