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Rodrigo Domínguez e a reafirmação do som de grupo

Fernando Rios, www.argentjazz.com.ar, 14/01/2019

Desde seus primeiros trabalhos, seja como parte do icônico Quinteto Urbano ou projetos de outras pessoas, até a sua atual liderança com seus próprios grupos, o saxofonista Rodrigo Domínguez mantém sua vocação para uma busca temática e estilística que o levou a se tornar uma referência do novo jazz na Argentina. No final de 2018, o saxofonista renovou esse compromisso com uma nova obra de valor: o notável “Igual”, segunda obra do quarteto completado Ernesto Jodos (piano), Jerónimo Carmona  (contrabaixo) e Carto Brandán (bateria). “Ter a continuidade do grupo permite que você passe a barreira da previsibilidade para alcançar o seu próprio som”, diz Rodrigo.

 

Fernando Rios – É difícil não perceber uma certa continuidade entre “Limón”, sua produção de 2015 e este “Igual“, seu álbum no final de 2018. Você percebe isso? É algo que você propôs de alguma forma?
Rodrigo Domínguez – Não. O que acontece é que é o mesmo grupo e os temas são todos meus. Às vezes os discos são vistos como “coisas“, quando na realidade são apenas fotografias de um processo. É o reflexo de um momento. No último álbum, por exemplo, há temas que escrevi especialmente para esse trabalho, mas há também outros que escrevi há algum tempo e que estavam por aí. Eu escrevo música o tempo todo. Para mim, é um processo natural que se desenvolvendo com o tempo.

Rodrigo Domínguez, só e com Ernesto Jodos, Jerónimo Carmona e Carto Brandán. Fotos: Catu Hardoy e Guillermo Beratarbide.

FR – E como você percebe que um tema que você compôs é para o grupo ou para outro projeto?
RD – Isso é algo que desenvolvi ao longo do tempo. O que eu estava vendo nesses anos é que quando estou escrevendo algo, percebo logo se isso vai funcionar no grupo ou em outro contexto. Eu tenho um jeito errático de escrever. Quando uma ideia vem a mim, começo a trabalhar nisso, até sentir que ela para de fluir. Então eu a abandono, arquivando-a de alguma forma e começo a trabalhar em outra. Muitas vezes é como se as coisas estivessem tomando forma por si mesmas. Então, quando você voltar para eles, depois de um tempo, é muito provável que você encontre o que estava procurando antes e não sabia ainda.

FR – De que maneira essa ideia que aparece põe em movimento todo o processo subseqüente?
RD – Muitas ideias surgem de maneira abstrata. Uma certa melodia por exemplo. E o que você faz então? … bem, você escreve em cima ou abaixo disso uma linha de baixo, uma harmonia, uma contra-melodia, de acordo com o que você vai tocar. Esse é o meu caminho, um pouco intuitivo, para compor. Por essa razão, e voltando à sua primeira pergunta, acredito que o que se ouve em “Igual” como uma continuidade de “Limón” é o som do grupo. São as mesmas pessoas, o mesmo estudo, o mesmo técnico …

FR – Mas acima de tudo há uma identidade de grupo …
RD – Sim, totalmente. Essa é uma das coisas que para mim é muito bom tocar muito tempo com as mesmas pessoas. Você passa a barreira da previsibilidade para chegar a um som próprio, um som de grupo.

FR – Quando você apresenta uma música ao grupo, você deixa as portas abertas para a contribuição composicional dos outros músicos, além dos espaços de improvisação?
RD –Depende do tema. Muitas vezes sim. Mesmo nesse álbum algumas músicas foram finalizadas ou arredondadas no estúdio, no momento da gravação. Eu gosto de fazer isso quando um assunto é muito tocado. Chegar ao estúdio e mudar alguma coisa. Algo que de alguma forma nos “incomoda” um pouco, para nos tirar do automático … Outras vezes o tópico é mais “fechado“.

FR – O disco saiu no final de 2018. Você irá continuar apresentando esse trabalho ao longo deste ano?
RD – Sim. O álbum saiu em um momento em que há muita atividade. Então, vamos continuar tocando o álbum em 2019. E vamos tocá-lo junto com novas músicas que eu estava escrevendo junto com o lançamento do álbum. Para mim, este é um momento muito produtivo. São meses em que me sinto motivado a sair de uma certa inércia …

FR – Eu não sei a que inércia você se refere … nos últimos meses do ano você levou “Igual“, você fez vários shows e você participou das muito boas obras de Mariano Otero e Hernán Mandelman
RD –Sim, é verdade (risos). Mas às vezes essa inércia é algo mais pessoal. Eu sempre considero as coisas, mudar de direção, encarar o outro lado. E acontece que muitas vezes essa mudança não é vista ou não transcende. É quase imperceptível para os outros, porque você mudou algo muito técnico ou acrescentou outra maneira de abordar uma determinada situação. E isso não é perceptível porque ele está tão imerso em um perfil profissional já formado. A pessoa vê isto. Mas talvez não os outros.

FR – Essas mudanças mais “íntimas”, para chamá-las de alguma forma, você as cria quando está em uma posição de liderança com seu próprio projeto, ou você também as toma quando faz parte de outro grupo?
Em geral, eles são planos pessoais. Aspectos que tenho que estudar e praticar sozinho. Então tudo isso se reflete no que você faz. Aqui é onde você tem que ter muito cuidado, porque qualquer situação de grupo, de alguma forma, leva você a agir como os outros esperam que você aja. Você entendeu? Às vezes você dá o que os outros esperam e não o que você quer porque você estava estudando algo novo ou porque você encontrou um outro de volta para o que você faz. É algo inconsciente e ocorre em qualquer campo, não apenas musicalmente.

FR – Mas isso não seria lógico? Ou seja, se você convocar Ernesto Jodos para o seu grupo, é porque você o conhece. Resumindo: você espera que Jodos jogue como Jodos …
RD –Sim, pode ser. Acredito que uma das vantagens de tocar muito tempo com algumas pessoas é que o tema da personalidade não está em análise ou debate. Já a relação chegou a um ponto que atravessa aquela “casca“. E você sabe que, se você mudou alguma coisa porque está tentando outra coisa ou quer fazer o contrário, seus colegas não precisam de você para orientá-los. Você já sabe o que fazer. Quando você muda alguma coisa, o resto dos músicos não param para pensar “ah, ele não tocou o que ele sempre toca” … Existe uma percepção interna. Eles percebem a mudança, se adaptam e propõem e a música continua …

FR – Além do registro, o que você acha que muda quando passa do tenor para o alto: o estilo, a abordagem?
RD –O estilo não. A abordagem sim. O enfoque é diferente. E há algo emocional que é diferente. Muitas vezes eu fui para o alto como uma maneira de escapar de uma situação anterior que sentia não fluir ou não se resolvia. Outras vezes eu usei sabendo que iria descobrir coisas diferentes. Eu também fiz experimentos em outro sentido. Em “Igual” há uma música que eu estava fazendo com tenor, mas quando gravei fiz com o alto. Alto tem outra voz, embora nem sempre seja a que eu quero. Eu tentei em alguns dos meus tema e eu não gostei e em outros é totalmente adaptado.

FR – Falando de adaptação, o que acontece com você quando você faz parte de outro projeto, com outra liderança, com composições que não são suas?
RD –Diferentes músicas levam você a lugares diferentes. E muitas vezes você toca de outra maneira. Embora haja sempre um núcleo que permanece, isso é seu. Você acabou de citar o álbum de Mandelman. Bem, aí toquei o saxofone alto, que é algo de que gosto muito. Mas eu também o faço isso para romper com uma certa estrutura imposta pelo tenor. Este é o tipo de coisas que falamos antes e que eu nunca soube se fora eles percebem ou não. Muitas vezes me fiz essa pergunta …

FR – Você pode me dar um exemplo concreto do que você conta?
RD –No álbum, há uma música chamada “Das líneas“, que para mim tem um aspecto de tango. Bem, se eu tocar com o estilo de som alto Tim Berne, com um tecido de melodias justapostas. Por outro lado, o tenor tem um caráter de tango. Por que essa diferença? … Acho que é assim que eu vivo, talvez além do próprio instrumento.

FR – Você ouve seus álbuns anteriores?
RD –Sim, de vez em quando. Mas acho difícil ouvir a si mesmo. Quando faço isso é de um jeito “estudantil“, procurando coisas que eu quero melhorar, o que eu quero mudar ou o que eu deixaria assim. Em dezembro gravamos um novo álbum com Guillermo Bazzola. Eu toco alto e Natalio Sued, tenor. Porisso, estava ouvindo alguns dos álbuns de Guillermo com o Summer Quartet, antes dele se mudar para a Espanha. Esses registros foram as primeiras gravações que eu fiz. Bem, voltar a ouvir esse material foi bom, porque me permitiu ver que coisas ainda são essenciais para mim, que os outros vêm “arrastando” e eu gostaria de mudar e quais eu melhorei a partir daí. É como uma reavaliação que é sempre positiva.

FR – E em relação à música dos outros? Você pode ter uma audição mais relaxada, sem preconceitos, sem desarmar o mecanismo interno do que ouve?
RD –É bom escutar a sua própria emoção. Do que acontece com você como ouvinte na frente desse trabalho. Conectar-se com a obra. Isso às vezes nos custa músicos, por uma questão de vício profissional. Eu acredito que a música, quando é boa, está terminada na cabeça do ouvinte. Com a emoção e a informação de quem ouve. Às vezes pode ser desconfortável, como colocar você em um lugar que você não esperava. Mas isso também é bom. E você tem que se abrir para isso. Eu tento, estou nessa busca. Eu escuto com o estado de ânimo.

Igual – Rodrigo Domínguez

Rodrigo Domínguez: saxes alto, tenor & soprano
Ernesto Jodos: piano
Jerónimo Carmona: contrabaixo
Carto Brandán: batería

Gravado entre os dias 30 de junho e 01 de julho de 2018 em Fort Music, Buenos Aires

Todos os temas pertencem a Rodrigo Domínguez.
Produzido por Rodrigo Domínguez.