Entrevistas

Os Grooves mágicos de Jorge Pescara

Conheci o contrabaixista Jorge Pescara em 2007 quando trabalhei na divulgação de seu primeiro cd “Grooves in the Temple” aqui no site Clube de Jazz. Pescara acaba de lançar pelo JSR seu terceiro trabalho solo, “Grooves in the Eden”. É com prazer que apresento essa exclusiva entrevista com esse grande músico que transita com muita qualidade dentro das áreas do jazz progressivo e do rock instrumental.

Wilson Garzon – Treze anos depois de lançar “Grooves in the Temple“, você apresenta seu terceiro cd “Grooves in the Eden“. O que diferencia o conceito do “groove” de um trabalho para o outro?
Jorge Pescara – Na verdade a passagem do tempo e o amadurecimento musical. A intenção inicial era ter uma trilogia focada nos ‘grooves’ dos meus baixos, sem deixar de lado as melodias, contrapontos e solos. Então a diferença palpável está na minha visão, que por conta das pesquisas constantes, torna-se cada dia mais abrangente, em termos de música mundial. Por isto lá fora meu som/estilo pessoal é chamado de Global Fusion ou World Fusion.

WG – Das 15 músicas que compõem o repertório de Grooves in the Eden, você está presente em seis, só ou em parceria. Gostaria que você nos contasse um pouco sobre o processo de criação de cada uma delas:
JP:
Grooves in the Eden
tema que nomeou o disco. Aliás o nome Grooves in the Eden está calcado no fato de que, infelizmente, alguns músicos faleceram ao longo do tempo que levei pra gravar, regravar, terminar, mixar, masterizar e lançar o disco. Esta é uma composição em parceria com o estimado amigo tecladista e pianista Glauton Campello (falecido meses antes do término do álbum). Ele montou o esqueleto da música e me enviou, ainda quando eu estava morando em Portugal (por volta de 2011). Eu aprontei algumas ideias, mudei outras e ambos aprovamos o resultado final da pré-produção. Posteriormente ele gravou os teclados e o piano ‘valendo’ e eu cuidei do resto (arranjo, chamei os demais músicos, etc…).
MacumBass
parceria com outro grande amigo e infelizmente, também falecido, percussionista Laudir de Oliveira. Estávamos no estúdio e havíamos terminado um take de outra música. Então, Arnaldo DeSouteiro (produtor musical do disco) pediu que o Laudir tocasse uma daquelas batidas afro que ele tanto sabia, do candomblé. Imediatamente peguei meu baixo que já estava plugado e criei o bass groove. Laudir cantou um take junto com o toque e colocou uma dobra de voz em seguida. Eu gravei o solo e tudo ficou pronto no segundo take.
Plato’s Dialogue: Timeaus e  Plato’s Dialogue: Critias
Esta foi uma daquelas felizes tardes de estúdio onde alguém inicia um groove e o outro responde. Se você tem um produtor que saca que aquilo é importante gravar, mesmo que seja pra avaliar posteriormente se serve ou não pro álbum, então isto é meio caminho andado pra um tema, vinheta, etc. Foi uma sobra de estúdio de anos atras, quando o Thiago de Mello estava experimentando as percussões e eu peguei um fretless piccolo e comecei a dialogar musicalmente com ele. Tudo foi gravado e inserimos esta as duas partes (Timaeu e Crítias) com duas vinhetas.
Azymuth Men
esta aqui foi uma homenagem que compus ao grande mestre José Roberto Bertrami, um dos maiores tecladistas com os quais eu pude conviver, tocar, gravar e excursionar, durante alguns anos. Zé Roberto tinha algumas assinaturas musicais estilísticas com timbres, melodias e certas harmonias que ele usava constantemente. Eu me baseei em um groove que ele tocou comigo certa ocasião, e aproveitei pra construir a música pensando na ambiência do grupo Azymuth, mas claro, colocando minha visão particular nisto. Engraçado notar que, além de tocar, gravar e excursionar muito tempo com o José Roberto Bertrami, eu também estudei fretless com o irmão dele, Cláudio Bertrami e também trabalhei muito com o primo deles o saxofonista José Carlos Ramos (Zé Bigorna).
Ao Cósmico
este tema eu compus por volta de 1991, e foi uma das minhas primeiras composições musicais. Ela foi construída e pensada pro baixo elétrico, mas as partes vieram em sua maioria, no papel, sem o instrumento às mãos. Usei a criatividade e o (pouco) conhecimento técnico (principalmente de tapping e harmônicos) que tinha à época, pra compor uma música, que foi inscrita no 1º Festival Brasileiro de Composição para contrabaixo da UNESP daquele mesmo ano. No final ganhei o prêmio como melhor composição e melhor interpretação. Ela está no meu video aula de 1994 (O Contrabaixo Completo/MPO video), mas penso que era hora de eterniza-la em uma gravação mais apropriada.

WG – No cd, as homenagens estão presentes, tanto relacionadas ao jazz (Freddie Hubbard, Michael Brecker) quanto ao rock (Deep Purple, Beatles). E em especial, a Larry Graham. Como foram feitas as escolhas dessas músicas: foi difícil ou já estavam pré-selecionadas?
JP – O setlist do disco foi escolhido à 4 mãos… (risos) Pelo Arnaldo DeSouteiro e por mim, então como há muita empatia e amizade isto favorece o trabalho render. No caso, Arnaldo sempre procura opinar em músicas que façam sentido ao estilo, gosto e preferencias dos artistas aos quais ele produz. Foi um prazer imenso gravar, por exemplo, Cruisin do Larry Graham, pois eu pensaria em outra música dele, mas a ideia do Arnaldo acabou por ser a melhor.

WG – Conte-nos sobre as participações de JP Mendonça, Gaudêncio e Glauton, já que suas composições fazem parte desse cd.
JP – Amigos estimados, pena que Thiago e Glauton ja faleceram… Thiago era um doce de pessoa e um gênio com seu estilo de composição. Ganhou Grammys e fez uma obra impecável nos USA. Convivi pouco com ele, mas o suficiente pra ter sua participação no disco.
Glauton participou de todos os meus discos. Era um cara incrível, com uma estupenda técnica e um conhecimento harmônico fora da média. Havia empatia musical e amizade fácil, pois ambos contávamos muitas piadas… (risos)
JP Mendonça é um daqueles músicos fantásticos, e excêntricos (risos), que conheci por volta de 2000, quando ele produziu o disco EletroAcústico (Sony Music) da banda ZERØ. Grupo do qual fiz parte de 1997 até meados de 2007. Multinstrumentista de primeira, compositor e arranjador, JP trabalha como produtor musical da Globo, então acaba por ser um cara complicado pra se contar em gigs e viagens… senão, com certeza ele seria um músico do qual eu não largaria nunca de tocar ao lado.

WG – Quanto tempo durou o processo de gravação? O processo teve ter tido várias etapas, já que as formações variaram de solo a banda.
JP – Isto é uma historia que terei de encurtar… (risos) este disco Grooves in the Eden era pra ser a seqüência direta do primeiro (Grooves in the Temple), e deveria ter sua realização por volta de 2007. Mas tive de adiar tudo, interrompendo as gravações inicias, na época, pois me divorciei e me mudei pra Portugal. Lá chegando, e apesar te ter trabalhado muito com o baixo elétrico tradicional junto com artistas Lusos (Fernando Girão, Paco Bandeira, DGang, etc), fiz um investimento constante de tempo pesquisando, estudando e praticando o touchbass e o touchguitar recém adquiridos (instrumentos de 12 cordas que usam uma técnica parecida com a pianística para serem tocados.

Ou seja, mal comparando, os dedos batem nas cordas, como se fossem teclas de piano, para se extrair os sons). Com esta pesquisa/estudos e estes instrumentos, compus e gravei o disco Knight Without Armour, o qual lancei em meados de 2013, já de volta ao Brasil. Aqui chegando, retornei ao Rio de Janeiro e reconectei os trabalhos com a Ithamara Koorax. Disto, já dá pra perceber, voltei a trabalhar com o Arnaldo DeSouteiro, e ele insistiu em retomarmos o disco de 2007, de onde paramos. Confesso que fiquei reticente durante bastante tempo, mas por volta de 2015 aceitei retomar as coisas, desde que refizéssemos os poucos takes em mãos e, claro, gravássemos material novo, deixando algumas das coisas pré gravadas e que já não valiam a pena, pra trás. Com o André Sachs pilotando tudo em seu estúdio, a coisa ficou prática e terminamos o projeto.

WG – E em relação à divulgação como foi realizada (lançamento, mídia, imprensa)?
JP – A divulgação está a cargo da assessoria de imprensa com a Cezanne Comunicação, que está realizando um excelente trabalho, por sinal. Em termos de lançamento, estou estudando algumas possibilidades de fazer algumas cidades, que estão sendo contatadas, pra levar meu trio ProgFusion. Temos um show pronto bastante intenso e bem diferente do fusion tradicional que temos normalmente. É com este show que quero mostrar meu lado musical.

WG – Em 2012, entre os dois “Grooves”, você lança “Knight Without Armour”. Esse trabalho é diferenciado dos outros dois, uma transição, ou segue a mesma proposta conceitual?
JP – Ele, por sí só, já é um álbum diferente, pois não uso o baixo tradicional (4, 5 ou 6 cordas) e sim os touchbass e touchguitars, os quais já citei em reposta anterior. Neste disco busquei mais um conceito focado no álbum como um todo, contando uma história. São 9 composições inéditas em parceira com o produtor e baterista alemão, Marc Jung (sendo uma com o Glauton Campello “World New” e a faixa titulo “Knight Without Armour” com o multinstrumentista Alex Frias). O disco procura contar uma historia, algo como uma pequena trilha sonora, mas sem termos a própria historia de antemão.

Criei um ambiente fictício de um tipo Dom Quixote que sai ao mundo à procura de si próprio. Baseei-me em 9 arcanos maiores do Tarot e o resto foi compor, arranjar, gravar, etc. Participaram músicos de vários países como o próprio alemão Marc Jung na bateria, o português Luis Guerreiro na flauta chinesa de metal, o tecladista francês Aurelien Lino, o africano Zozo e o grupo AfroBrasil na percussão, além dos amigos de sempre Glauton Campello no piano acústico e sintetizadores analógicos, Iuri Sant’Anna na bateria da faixa título, Paulo Oliveira no sax soprano e flautas e o Alex Frias no bouzouk.

WG – Como está desenvolvendo seus trabalhos como professor/didata: internet, escolas, workshops…?
JP – Sou autor de diversos livros de baixo elétrico (Manual do Groove e Contrabaixo Completo/Irmãos Vitale, Dicionário Brasileiro de Contrabaixo Elétrico/H Sheldon editora, Compêndio de Harmônicos (que saiu em 2006 pela editora da extinta revista Cover Baixo, mas que pretendo relançar com cd e atualizado), Arthur Maia Transcriptions (MPO editora) e o Curso de Contrabaixo da rede TKT de ensino, além do video aula. Também escrevi mais de 300 artigos em incontáveis revistas (Backstage. Música & Tecnologia, Cover Baixo, Cover Guitarra, Modern Drum, On & Off, Rock Brigade, Toque pra Quem Toca, etc).

Uso sempre este material em meus workshops, aulas, etc. Como nunca me canso de pesquisar e respirar ares diferentes, sempre tenho inovações ou novidades pra me entreter e me inteirar, então assunto não falta. (risos) Tenho um workshow pronto com meu trio, que além de tocar algumas musicas apresento o workshop junto, num mesmo pacote. Ou seja, temos o show pronto, ou se o local preferir, um workshow, onde juntamos uma pequena parte do show com um workshop abrangente!

WG – Quanto aos próximos anos, o que você projeta desenvolver?
JP – Prosseguir nos estudos pesquisas e praticas pra encontrar uma voz que me diferencie do mar de instrumentistas existentes. Há muita gente excelente, mas também há muitos músicos que não possuem uma voz própria, uma assinatura musical. Veja, você consegue fechar os olhos e reconhecer as vozes de um Frank Sinatra, de uma Madonna, ou Phil Collins, ou do Djavan, Roberto Carlos, e outros gigantes. Também consegue manter os olhos fechados e reconhecer um Marcus Miller, ou Stanley Clarke ou Jaco… ou Chick Corea, ou Zawinul, ou Charlie Parker, Coltrane, Bob James, Pat Metheny, etc, etc. Mas, no universo de instrumentistas isto é um pouco mais vago. Quantos músicos daria pra reconhecer a sonoridade, o timbre, ou o fraseado, ou alguma assinatura pessoal?

Por isto, sempre tento passar em aulas, as ferramentas que possibilitem que o aluno não copie ninguém, mas faça à seu modo, buscando timbre próprio, frases próprias, usando referências sim, mas nunca copiando. Por outro lado, acabo de adquirir um fretless de 10 cordas onde uso uma afinação em quintas e estou estudando diariamente com ele… (risos). Então pretendo seguir nos baixos elétricos, fretless, acústico, nos tocuhguitar e touchbass, na viola baritono de cordas triplas que estou praticando, enfim… Estudar harmonia, composição, arranjo, poliritimia, touchstyle, etc, etc, etc Música!