O que rolou de melhor na 50ª Edição do New Orleans Jazz
Paulo Cesar Oliveira, especial para o Clube de Jazz
Há pelo menos dez anos vinha querendo participar do tradicional festival de New Orleans, mas devido a contratempos, protelei a minha ida. Aproveitando a 50ª edição do NO Jazz, zarpei um mês atrás para Louisiana a fim de conhecer um dos mais tradicionais berços da música. A cidade de New Orleans está sempre em ebulição, tem música para todos os lados: em teatros, bares, restaurantes, nas ruas e nos museus. Os shows começavam pela manhã e iam até altas horas; até rolou um festival paralelo na tradicional loja de discos Music Factory, onde também compareci. Mas, meu foco foi mesmo o festival, que relato agora aos leitores do Clube de Jazz.
Para a edição comemorativa o festival aconteceu de 25 a 28 de abril e de 02 a 05 de maio. Como já ocorre há muitos anos, o evento aconteceu no Fair Grounds Race Course & Slots, o jockey clube de lá, e contou com mega estrutura de sete palcos com anfiteatros descobertos, cinco palcos em tendas cobertas com cadeiras, uma tenda para criancas, um pavilhão cultural, praças de alimentação e muitas tendas para compras de souvenirs. Também vendiam cds de shows ocorridos em outros anos. Nunca foi um evento exclusivo de jazz, nem da música tradicional da Louisiana; então, rolou rock, soul music, pop, blues, jazz e muito da salada cultural local.
Pelos grandes palcos tocaram Santana, Earth Wind & Fire, Doobie Brothers, Widespread Panic, Van Morrison, Tab Benoit, Anders Osborne, John Fogerty, Gary Clark Jr, Gladys Knight, Diana Ross, Al Green e até Kate Perry. Os Rolling Stones eram a banda convocada em carater especial, mas os problemas de saúde de Mick Jagger cancelaram a participação da banda no festival e os organizadores fecharam com a jam band Widespread Panic, muito cultuada em festivais por lá. Fizeram set empolgante, debaixo de sol forte.
O primeiro jazzman que assisti na Jazz Tent logo na tarde de abertura do dia 25/04 foi o caçula dos Marsalis, o baterista Jason Marsalis (foto). A frente de um sexteto de jovens talentos ele fez set bastante animado, mesclando temas dos músicos com alguns temas tradicionais da região, uma constante na tenda de jazz. Não faltaram as costumeiras interações público e banda que sempre acontece em New Orleans, quando descem do palco e tocam no meio da plateia em procissão, tradição do mardi grass. Depois desta banda, a cantora Jolinda “Kiki” Chapman arrasou com uma superbanda e sucessão de backing vocais de arrepiar, cada uma melhor que a anterior. Ela é de New Orleans e mais tarde retornou ao festival, no tributo a Aretha Franklin.
Na tenda de blues vimos Taj Mahal (foto), que mesmo tocando sentado ainda arregimenta multidões em torno de sua música. Encerrei este dia vendo o esculacho da mega soul band Earth Wind and Fire, com um dos melhores naipes de metal da historia da musica pop, sempre afinadíssimos. Apesar da ausência do falecido band leader Maurice White e com o já não tão eficiente falsete do vocalista Philip Bailey a banda fez tremer o palco principal e junto com a anterior Doobie Brothers fez muita gente voltar aos anos 70. Os americanos adoram isso! Quem é que não gosta?
Na sexta 26, fui direto ao Gently Stage, o palco mais distante, conferir os atrevidos da Bonerama, brass band que costuma tocar rock; desta vez lançavam um disco em tributo a Led Zeppelin. Pancadaria marcada sem baixo, com tuba! Depois de ver um pouco do Tab Benoit (foto), corri para Jazz Tent conhecer a banda local Astral Project, um quarteto com guitarra e sax, sem piano, que já faz frisson no jazz contemporâneo em NO há quase duas décadas. Daí, pulei para a tenda de blues onde Chris Thomas King estava arrasando com um power trio. Em seguida, ao Accura ver o Santana desfilar seu repertório arrepiante, que já começou com Soul Sacrifice, e imagens de Woodstock. Ele não tocou seu disco novo, fez um recorrido por toda a carreira. 10 pontos!
No domingo cheguei cedo na tenda Gospel assistir à cantora Betty Win com seu coral: mensagens de alto astral, com climax na canção Oh Happy Day, com todos cantando de pé. Depois na Blues Tent vi dois shows: Luther Kent e Davell Crawford, bastante festejados pelos locais. Invadi a tenda de Jazz onde a cantora e tecladista Stephanie Jordan comandava sua big band. Meu foco era ficar ali até o encerramento com a próxima banda, o Ellis Marsalis Family Tribute. Com o lugar completamente lotado Brandford Marsalis, Wynton Marsalis, Delfaeyo Marsalis e Jason Marsalis (foto) chamaram para o palco o pai, o pianista Ellis Marsalis, para celebrarem a 50a edição.
Ellis participou da primeira edição em 1970. Circular pelas tendas foi uma viagem, várias fotos penduradas contavam a historia de edições passadas. A apresentação girou em torno de composições de todos e no fim tiveram a participação de crianças também da família, tocando e cantando. Foi um belo momento, de músicos sempre engajados no engrandecimento cultural da cidade. O publico aplaudiu de pé. Ainda estive na tenda de Blues para ver o fim do show do ícone Johnny Rivers. Fim da primeira semana.
Na quinta, 02/05, o festival recomeçou com Bryan Lee, o simpático bluesman cego que conheci em Rio das Ostras, mas foi uma tristeza vê-lo com saúde bem debilitada, tocando sentado e com máquina de oxigênio. Espero que seja passageiro. No Principal, além do mencionado e bastante festejado guitarrista Anders Osborne assisti também à espetacular Samantha Fish (foto abaixo), bela guitarrista que vem causando furor nos festivais. Destaco ainda o show do trompetista Nicholas Payton (foto acima) e sua fusion band com dois guitarristas, e a violinista Regina Carter, show que achei meio frio, mas foi muito bem recebido pelo público.
Na sexta, comecei no Jazz com o excelente músico James Rivers e banda. Ele, que toca flauta e saxes, atacou bem devagar, de cara com Corcovado, de Tom Jobim, mas esquentou o clima depois e mandou alguns solos bem tortos. De lá fui para tenda de Blues ver uma infernal banda do Mississippi, a do guitarrista Jarekus Singleton, que incendiou o lugar. Ele preparou o terreno para ninguém menos que Sonny Landreth (foto), um fenômeno do slide guitar, nativo de Lafayette, Louisiana, um dos meus focos neste festival.
Tive que perder Kamasi Washington em palco aberto pra ver o Sonny! Tinha uma equipe de TV filmando especialmente este show, que foi anunciado como um tesouro musical nacional. Landreth não usa palheta, usa um dedal fixo no polegar e todos os demais dedos participam no dedilhado. Na mão esquerda o slide nunca sai do dedo mínimo mas os demais participam do efeito slide, técnica particular deste importante músico, venerado pelos americanos. Mil pontos!
Vi um pouco do show de Gary Clark Jr, com banda nova e repertorio meio out of blues, não curto muito mas a guitarra dele continua afiadíssima. No mesmo horário tinha também a cantora Gladys Knight, icone do r&b dos anos 70, e Los Lobos. É impossível acompanhar tudo. A contagem é de 70 a 80 shows por dia, entre as 11 e as 19 hs! É necessário acrescentar que, procurando ver os músicos conhecidos, perdi muita coisa boa de lá mesmo, e nesse sentido tive sorte no palco Jazz & Heritage, onde assisti à tradicional Comanche Hunters, uma pedrada de banda, com seus vocalistas fantasiados a la mardi grass que tapam a visão da enorme banda que está atras daquele monte penas e plumas! Também vimos um pouco do show dos Batiste Brothers, soul band de New Orleans, um arraso.
No domingo, dia do encerramento, comecei com o acoustic blues de John Hammond (foto) e de lá pra Jazz Tent, com a banda Delfeayo Marsalis & the Uptown Jazz Orquestra, com nada menos que 14 músicos de sopro a frente de um trio piano, contrabaixo e bateria. Foi um arraso, nada de repertório de big bands, eles vieram com arranjos atrevidos para alguns temas conhecidos e solos alternados de todo mundo ,apresentação bastante movimentada e astral pra cima. Foram ovacionados. Tinha a opção de ver a cantora Chaka Khan no Congo Square Stage, mas escolhi o rei do zydecco, CJ Chenier, que botou abaixo a tenda de Blues! Estas bandas tradicionais da Louisiana sempre trazem um músico de washboard que fica quebrando tudo junto ao acordionista, e aqui o couro comeu!
Prepararam o terreno para o ultimo show de blues, o icone Buddy Guy (foto). Ultimamente Guy tem embromado um pouco, improvisando versos com a plateia mas até que tocou bastante e mostrou porque é considerado o maior guitarrista de blues de todos os tempos. Ele realmente domina o instrumento. No mesmo horario tinha ainda Herbie Hancock, John Fogerty, mas saímos um pouco antes pra tentar ver algo da apresentação de Trombone Shorty (foto abaixo), sem dúvida hoje o maior nome da musica de New Orleans. De fato se tornou um gigante, e não foi nada fácil achar um cantinho quando todos já estavam entupindo o gramadão. Na hora que chegamos lá, Shorty chamou Cyrill Neville, outro pilar do soul de NO. Pancadaria que levantou o povão. Fim de festival.
Vale muito a pena ir a New Orleans, talvez no French Quarter Jazz Festival – que acontece no começo de abril – pra sentir a pressão dos shows nas ruas. A cidade oferece centenas de possibilidades para quem quer se embebedar de música. Recomendamos ficar sempre acompanhando no site do evento, que já tem datas definidas para 2020, fiquem atentos.