Entrevistas

A Criatividade de Rodrigo Chenta em Solos, Duos e …

Há alguns anos atrás fui apresentado ao trabalho do duo de guitarras e violões Chenta & Barasnevicius e fiquei impressionado, para não dizer maravilhado pelos caminhos que eles apresentavam dentro da música instrumental brasileira. Aos poucos também fui conhecendo os trabalhos solo de Chenta e do duo que começou a desenvolver com o saxofonista Cássio Ferreira. Agora, chegou o momento de apresentar aos ‘sócios’ do Clube de Jazz um pouco da vida e obra de Rodrigo Chenta para que vocês conheçam as razões pelas quais o considero um dos maiores solistas em atividade dentro de nossa cena instrumental.

Wilson Garzon – Ao dar uma olhada geral na sua carreira, percebo que você e o violão formam uma unidade. Foi realmente seu primeiro instrumento? Como e quando você decidiu-se pelas rotas da música instrumental?
Rodrigo Chenta – O violão com cordas de nylon foi o meu primeiro instrumento. Inicialmente fui autodidata por quatro anos e meio. Esta formação me levou a ganhos e também tive algumas perdas, já que não passei pelo estudo formal nesta época. Eu tocava o violão de forma tradicional, mas muito mais como se fosse uma guitarra usando palhetas. Após alguns meses parti para a guitarra efetivamente a daí para frente ela se tornou o instrumento número um em minha vida. Ambos, violão e guitarra trilharam caminhos paralelos na minha formação musical.

Sobre a música instrumental comecei ouvindo guitarristas de rock e posteriormente blues, jazz e música brasileira. Também, escutava trilhas de filmes como a do “Conam – O Bárbaro”, por exemplo. Por conta própria passei a ouvir cds de música clássica orquestral, mas sem nenhum direcionamento. Estava descobrindo e desbravando sonoridades novas totalmente ao acaso. Quando decidi realizar os estudos formais na antiga ULM de São Paulo e posteriormente na Fundação das Artes em São Caetano do Sul tive acesso a muita música instrumental. Me encontrei. Também gosto de música vocal bastante e há espaço para as duas.

WG – Como se deu o encontro com Ivan Barasnevicius e formar um dos duos de violões mais profícuos e criativos da cena instrumental brasileira?
RC – Conhecemo-nos em uma escola de música de São Paulo onde lecionávamos. Tanto ele como eu já havíamos participado de outros duos, mas nenhum que se concretizasse de forma efetiva. Ele me convidou para tocarmos e ver no que dava. O entrosamento foi instantâneo e em outubro agora faremos seis anos de duo. No EP e em quatro álbuns usamos somente guitarras acústicas. No álbum “Guitarra Preparada” usamos guitarras de corpo sólido, semiacústico e acústicos. Somente no “Cedro” utilizamos os violões e no caso com 7 cordas de nylon. Quando se pensa neste instrumento vem à nossa memória facilmente o samba e o choro, gêneros não abordados nesta gravação. Aqui quisemos por os graves da sétima corda em evidência de uma maneira 100% original e dissociada dos gêneros comumente usados neste instrumento. Usamos afinações variadas trabalhando com a sétima corda afinada em Si e Lá e uma composição com a primeira corda afinada em .

WG – A partir de 2015 o Duo lança seis CDs e um EP. Cada trabalho é um projeto único ou são todos interligados dentro de um conceito mais amplo proposto para o trabalho do Duo?
RC – Cada trabalho é um projeto único. A ideia é que um não tenha muita relação com o anterior preferencialmente. Quando gravamos um álbum já temos os projetos seguintes só esperando a sua respectiva vez. Os títulos são pensados com calma e possuem justificativas. Até o momento eu editorei todas as artes das capas dos trabalhos gravados juntamente com as contribuições do Ivan. Isso não é uma regra, mas facilita bastante já que não precisamos depender de outras pessoas para fazerem.


WG –
Todos os trabalhos são realizados dentro de um estúdio próprio e tem um processo de comercialização via digital? Conte-nos um pouco sobre isso.
RC – Os trabalhos deste duo são realizados em estúdios diversos conforme a ocasião e proposta de cada álbum. Eu tenho um home studio montado recentemente em casa e nele gravo os ensaios semanais do duo. A escolha do estúdio tem como critérios a sala que será usada na gravação porque o tamanho dela influencia na sonoridade da ambiência como um todo. Normalmente se faz uma visita no local para atestar se é adequado ou não aos projetos.

A comercialização digital dos álbuns se deu devido a muitos fatores:
a) O valor usado na prensagem de um CD físico daria para produzir mais um ou dois álbuns (gravação, mixagem e masterização);
b) A mídia física tem uma vida útil devido a durabilidade do material empregado na construção que pode quebrar, riscar, ter o rótulo descolado com o tempo, etc;
c) No arquivo digital disponibilizamos os áudios sem compactação. Em nosso caso sempre usamos eles em 24 bits, 48 Khz, diferentemente do CD que usa somente 16 bits, 44,1 Khz.
d) No digital não há o acúmulo de espaço como no CD físico que em grandes quantidades, coisa comum de acontecer, geraria uma organização em prateleiras, estantes, etc.
e) Também tem a questão ambiental com este monte de plástico que era usado nas mídias.


WG –
Esse ano, vocês lançaram ‘Cedro‘, com oito composições do Duo. Como foi o processo de composição dessas músicas? Conte um pouco sobre cada uma delas.
RC – Neste álbum as músicas foram compostas individualmente. Quatro minhas e o restante do Ivan. A música “Mulher Elegante” que escrevi para a minha esposa é a primeira que apresentei para o Duo e que não nem improvisação. O Ivan também fez isso com “As coisas da lógica”, nome este influenciado pelos pensamentos do francês Pierre Bourdieu, autor que o Ivan leu bastante na época. “Indo para Curitiba” e “Voltando de BH” foram compostas pelo Ivan em suas viagens pelos congressos que participa na academia. “Sonhos” escrevi com um roteiro onde misturamos improvisações bem presas com outras mais soltas. Aqui a sonoridade ad libitum deixa tudo no ar e solto. “Riscaram o meu case” escrevi após um luthier me vender um case que veio com algumas manchas de cola e de outro luthier o riscar. Do nervoso que passei, surgiu esta música que tem um início mais rock e posteriormente uma improvisação tensa. “Despedida” foi escrita pelo Ivan em homenagem ao seu querido avô, falecido na época. “Água pra Madame” escrevi para minha linda esposa que sempre me inspira a compor.

WG – Como está a divulgação de ‘Cedro‘? Há shows agendados?
RC – A divulgação é realizada pela web. O duo tem o site oficial e perfis nas redes sociais especificamente no Facebook e Instagram. Locais como este site que estão de parabéns pela iniciativa e serviço prestado são maravilhosos e tem a minha sincera e humilde gratidão. O duo sempre envia os materiais para várias revistas, blogs, portais, etc; que às vezes são gentilmente analisados e divulgados através de resenhas, recomendações, entrevistas, etc. Aqui deixo o meu agradecimento a todos que de alguma forma divulgam o trabalho deste álbum. Os concertos já estão acontecendo aqui em São Paulo. Estamos agendando novas datas que serão divulgadas nas redes.

WG – Por outro lado, você também desenvolve sua carreira solo, que é composta por três trabalhos. Creio que aqui você tem uma outra perspectiva conceitual, já que as músicas são de sua autoria. É por aí?
RC – No meu trabalho solo assino todas as composições. Em 2016, lancei o meu primeiro EP de música contemporânea intitulado “Concepção“. Este trabalho inicia com uma peça solo que dá titulo ao EP. Em seguida vem a obra “Suite for Schafer” com 6 movimentos onde a guitarra acústica dialoga com a voz de Roberto Agnelli que lê fragmentos de textos de R. Muray Schafer. Em 2017 foi a vez do meu primeiro CD solo intitulado “Influência Brasileira” onde explorei gêneros musicais regionais como xote, baião, ijexá, toada, vanerão, guarânia, samba, bossa nova e outros mais. Cada música possui uma formação instrumental própria. Em 2018 gravei o álbum “Brincadeira Séria” onde sozinho explorei de forma espontânea jogos de improvisação onde em cada faixa brinquei com elementos como ritmos, encadeamentos, glissandos, atrasos, harmônicos, etc... Aqui usei guitarras diversas para obter timbres diversificados além de tocar tanto de forma convencional como com o uso de técnicas estendidas e preparação do instrumento.

No duo com o saxofonista Cássio Ferreira, que formamos em março de 2017 e que atua no seguimento da música instrumental espontânea, temos dois CDs independentes intitulados “31 | 36” (2017) e “15” (2018). Aqui o saxofone dialoga com a guitarra em improvisações tanto idiomáticas como não idiomáticas (livre improvisação). A única regra é não ter regra e através da interação os dois músicos constroem e desconstroem sua música no momento de sua respectiva execução. Além de tocarmos de forma convencional também usamos técnicas estendidas que promovem diversas possibilidades de timbres. Nada é premeditado e merecem destaque os climas produzidos em tempo real e a forma da música criada na hora. O duo entende que a improvisação não sai do nada. Cada um juntamente com suas biografias musicais procura fazer uma música através de interações onde a escuta e o respeito são altamente almejados.

WG – Quais serão seus próximos projetos, em duo e individual?
RC – Com o duo com o Ivan Barasnevicius gravaremos nas próximas semanas o álbum “Ballads” com 8 faixas a serem lançadas ainda este ano. Posteriormente virá um projeto somente com o gênero Jazz onde tocaremos de maneiras inusitadas e não standards que também gravaremos este ano. Para ano que vem faremos o “Guitarra Preparada II” onde usaremos preparações não utilizadas no primeiro álbum do tipo que lançamos em 2018.

Em relação a minha carreira solo tenho uma lista de projetos que aos poucos vão se concretizando. Gravarei ainda este ano um CD com um grupo maior de músicos onde exploraremos improvisações coletivas mais livres. Como tenho muitas músicas que não entraram no álbum “Influência Brasileira” pretendo fazer outro disco no mesmo estilo. Assim que minha guitarra acústica de 7 cordas ficar pronta, pois está em processo de construção, gravarei um EP de música erudita na estética da música minimalista.

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