Argentina

O vôo criativo de Matías Suarez

Aos poucos, o jazz vai tomando forma na Argentina e retornando aos poucos à sua essência: discos começam a serem lançados, lives com shows e aulas continuam mantendo vivo o espírito da música criativa. Dentro desse cenário, o guitarrista Matías Suarez, nos apresenta ‘Faisán’, seu segundo trabalho autoral, registrando assim, a evolução da sua arte, seja em qualidade ou nas novas direções que propõe para a sua música.
Wilson Garzon – Depois de seis anos (Tangran – 2014), você lança ‘Faisán’ em 2020. Durante esse tempo, além da Anonimus Jazz Band e a banda de Flor Otero, que outra banda ou grupo você  participou?

Matías Suarez – Muitas coisas aconteceram nesses anos, toquei as mais diversas músicas; contarei a vocês alguns projetos de amigos compositores com os quais também editamos álbuns que estão disponíveis para ouvir virtualmente e a maioria também no já “antigo” formato físico (cd):

Pajarito“, grupo liderado por Leandro Zappino, com Julián Gancberg no álbum “Tierra del sol“, o trio liderado por Guillermo Harriague, com Álvaro Atlante e com o grupo liderado por Juan Colonna.

WG – Nesse tempo você também desenvolveu sua técnica como guitarrista e compositor? Quando começou a pensar no projeto Faisán?

MS – Eu me mantenho curioso por aprender constantemente desde criança, estudando música tanto formalmente ou como autodidata. Quanto à formação acadêmica, estudei no ITMC (alguns anos antes de produzir o álbum Tangram) e depois cursei o Manuel de Falla Jazz Race onde conheci meus companheiros ‘Tangram’ e ‘Faisán’ (exceto o baterista Matias Crouzeilles que já o conhecia). Também fiz várias aulas com músicos que admiro muito.

O violão e a voz são os meus principais instrumentos, mas também gosto de escrever poesias, que depois desencadeiam ideias musicais ou vice-versa; uso o computador para produzir música e tocar outros instrumentos. Eu tenho ficado bastante viciado na bateria ultimamente; no fundo, acho que é tudo uma questão de desenvolvimento artístico. O projeto ‘Faisán’ foi a etapa final de canções que escrevi e que passaram por várias versões, entre 2016 e 2019.

 

 

WG – Esse projeto você dividiu em duas partes, com duas formações diferentes de quarteto (aliás, sua formação favorita):

a – Faisán n°1, foi gravado  onde e quando? A edição e mixagem foi feita no mesmo estúdio? Aqui você adotou a formação guitarra, baixo, bateria e piano. Como foi feita a escolha dos músicos?

MS – O que chamei de ‘Vol 1′ foi gravado em outubro de 2019 no estúdio Doctor F. localizado em Saavedra (Cidade Autônoma de Buenos Aires). A maior parte desse disco foi gravada com nós tocando juntos como em um concerto. Depois, em casa, regravei algumas vozes, dupliquei algumas guitarras e também fiz algumas edições, mas a mixagem final foi feita pelo meu primo Hernán Segret e a masterização foi feita por Juan Armani.

Meus parceiros nesse quarteto também são meus amigos e a escolha tem a ver tanto com a música quanto pelo desejo de passar um tempo com eles: creio que nem tudo que acontece no grupo passa pela música. Todos eles se comprometeram com as minhas ideias contribuindo com ‘as suas‘. Neste tipo de música onde não se escreve tanto, a linguagem dos outros é fundamental e os arranjos em muitos casos, a gente fazia juntos.

b – Faisán n°2, foi gravado  onde e quando? A edição e mixagem foi feita no mesmo estúdio? Aqui você adotou a formação guitarra, baixo, bateria e vibrafone ou piano. Como foi feita a escolha dos músicos?

MS – Esse disco foi gravado em agosto de 2018 no estúdio ‘Juli Records‘ de Adolfo Schmidt, a mixagem e a edição foram as mesmas do Vol 1. Começamos como trio com guitarra, baixo e bateria elétricos e fizemos alguns shows assim. Meu amigo Fermín Merlo, que sempre tocou bateria, estudou vibrafone intensamente e começou a tocar em vários grupos; agora, ele  mora na Alemanha. Mas naquela época, a gente passava muito tempo juntos e eu sentia que ele tinha que entrar no grupo, porque com ele a música ia para outro lugar e isso me empolgava muito e assim foi que o trio virou quarteto.

 

 

WG – As oito composições creio que são de sua autoria. Parte delas já estavam escritas ou foram compostas para ‘Faisán’?   Conte-nos um pouco sobre o processo de criação de suas composições.

MS – Foi um longo processo de tocar e arranjar essas e muitas outras músicas; finalmente optei por gravar essas 8 músicas dividindo tudo em 2 volumes. O Vol 2 tem muito improviso e são quase todos instrumentais, pode-se dizer que é mais jazz. São composições minhas, exceto “Hombre de Luz” que é um arranjo sobre um tema de Luis Alberto Spinetta.

O volume 1 começa com ‘Echolalia’*, música do grande  grande guitarrista americano Ben Monder, para a qual fizemos um arranjo baseado em algumas partituras que o pianista e maestro Guillermo Klein compartilhou comigo. Destaco aqui que estudei com Klein, que também veio tocar com a Anonimus Jazz Band algumas vezes e que compartilhou arranjos que ele tinha para big band; gravamos algumas de suas músicas com a orquestra.

Guillermo é um grande músico e muito generoso e através dele pedi permissão ao Ben para editar a sua música e lhe enviei a gravação por email antes de sair virtualmente e ele me disse que gostou muito. Como eu gostaria que ele entendesse a letra (essa foi minha contribuição) creio que ele tenha traduzido e não tenha falado nada para mim, hahaha, mas acho que não, um dia vou mandar para ele em inglês e espero que ele continue gostando do que fiz com a música dele.

‘Marfil’ é um cover de uma linda música do meu amigo Álvaro Atlante. A faixa 3,  ‘Es como Néctar‘ foi composta por Nataniel Edelman, o pianista do ‘Faisán’ (ele também toca Rhodes nas faixas 2 e 3), ele escreveu aquela peça especialmente para a gravação, é a mais nova. O último tema deste VOL 1, ‘Es Espíritu del Valle’, é meu e foi inspirado em um poema de Lao Tze.

 

 

WG – Quanto aos arranjos foram feitos por você? Em relação ao nome do disco, porque ‘Faisán’, uma vez que não existe nenhum música com esse nome…

MS – Alguns arranjos foram claros para mim, outros vieram das ideias dos meus colegas enquanto eu tocava a música; tentei escrever o mínimo possível. O faisão, além de ser um lindo pássaro, tem um som parecido com o ‘Faso‘ que é como os cigarros de maconha são comumente chamados na Argentina, uma planta mestra pela qual temos muito carinho e respeito. Mas pra ser sincero, eu tinha muitos nomes dos quais gostei e quando pesquisei eles já existiam. Pior é que você vem com uma música e descobre que outra pessoa já pensou nela, o mesmo, música e letra, tudo, haha, que felizmente, comigo nunca aconteceu.

WG – Quando acabar a pandemia, pensa em lançar o disco em formato de CD? Já divulgou o disco nas redes ou numa Live?

MS – Não vou editar ‘Faisán’ em CD. A ideia era apresentá-lo ao vivo algumas vezes mas logo a Covid apareceu… É um daqueles projetos em que a gravação chega a seu final, como um disco de música que se tocava muito ao vivo. Agora, já estou compondo novas músicas, canções sem tanta improvisação. A próxima coisa vai ser o contrário, será um álbum de estúdio  e mais tarde verei como e com quem tocarei ao vivo.

‘Faisán’ já está no Spotify, Youtube, Tidal, etc … todas as plataformas usuais. Toquei algumas músicas numa Live, apenas com a guitarra quando o disco saiu. Acho que o álbum é a melhor forma de ouvir essa música, acho que não vamos fazer uma apresentação, agora estou focado no que está por vir.

WG – Como algumas músicas receberam letras, gostaria que comentasse sobre que sentimentos elas exprimem e se elas também abordam os tempos que você está vivendo.

MS –
Te envio as letras de dois temas del Vol 1 de Faisán:
1 – Echolalia, fala sobre a circulação da energia, da vida e da morte, a transformação da matéria, o efêmero de nossas vidas e nossos pensamentos, sobre as lutas internas para dar um sentido profundo à existência e não deixar que sejamos devorados pelo virtual e pela saturação de informação, sobre a importância de focar em algo verdadeiramente importante para nós, encontrar” a canção”, tua canção.
(letra de Matías Suarez)

Todo el tiempo estamos comiendo,
todo es alimento,
y al final
no hay nada que nos pertenezca,
quedan miles de años por andar.

Tendremos que partir, o partirnos en dos,
de lo que ahora pensas no se que quede,
las guerras están en vos.

Tenes tu cuerpo por un rato,
vamos dando vueltas sin parar,
los ojos no son el problema
vale hacer de cuenta que no están,
apagar lo virtual,
que salga nuestra voz,
es imposible estar en todos lados.
El tiempo ya no está, este instante es lo real.

Tal vez encuentres algún color para pintar tu canción,
pagamos caro pasar los días borrachos de ambición
matando de hambre al corazón.

Nada es eterno, no pierdas tiempo,
hay que encontrar la canción
que llevas dentro,
atravesando ese mundo de ficción
que mata de hambre al corazón.

2 – El espíritu del valle é um poema do grande Lao Tse que fala da natureza e sua capacidade de se regenerar e sobreviver.

El espíritu del valle
es la misteriosa madre
la puerta de la misteriosa madre
perseverando sin cesar
obra sin descanso en su lugar
es la raíz del cielo y de la tierra.