Paisagens Sonoras segundo Flavio Romero
Há mais de uma década (2010), o contrabaixista Flavio Romero lançou Umbral, seu primeiro disco que foi muito bem recebido pelos críticos de jazz de Buenos Aires e sendo saudado como uma grande revelação. Em 2013, foi a vez de Ideario, seu segundo álbum, desta vez conduzindo um poderoso sexteto. Agora, em 2021, Flavio Romero lança pelo selo Club del Disco, ‘Paisajes de un Venidero Retorno‘, seu terceiro disco. E com exclusidade, Flavio cocedeu essa entrevista para o site Clube de Jazz.
Wilson Garzon – Em outubro de 2020, sete anos após ‘Ideario‘, você grava ‘Paisajes de un Venidero Retorno‘. Porque tanto tempo entre um e outro? Que trabalhos ou projetos importantes você destacaria durante esse período?
Flavio Romero – É verdade, meu primeiro disco saiu em 2010, três anos depois saiu Ideario e só depois de sete anos esse novo material apareceu. Sinceramente, não estabeleço um prazo para lançar músicas novas, apenas deixo isso acontecer naturalmente e, acima de tudo, espero que seja movido por um desejo ou necessidade real de produzir música.
Por outro lado, nestes anos estive muito ocupado gravando e fazendo turnês com outros projetos que me interessam extremamente, como o Oscar Giunta Supertrío!, O Hernán Jacinto Novo Trío e o projeto Speaking Tango do percussionista argentino radicado na França, Minino Garay.
WG – O projeto ‘Paisajes de un Venidero Retorno‘ surgiu a partir de um conceito base? Quando tempo demorou da ideia inicial até as gravações?
FR – Este novo projeto é composto por uma música completamente nova, escrita em 2020 em um contexto de pandemia e confinamento. Comecei a compor sem muita consciência de que essa prática criativa ia se transformar em disco, embora tenha assumido essa forma naturalmente por ser uma atividade que eu fazia todos os dias e que se desenvolvia sob um conceito homogêneo. Este conceito esteve atrelado à ideia de desenvolver música que, por um lado, foi gravada ao vivo e, por outro, é passível de pós-produção.
WG – Como foram feitas as escolhas dos músicos? Já havia tocado com todos eles?
FR – A escolha dos músicos foi muito importante porque me ajudou a finalizar a configuração da música, muitas vezes eu terminava de definir uma composição sendo muito claro que eles tocariam e em alguns casos, compus diretamente pensando neles, para realçar o que vejo tão interessante nas pessoas que ele escolheu.
Já compartilhamos alguns projetos com Sebastián Greschuk e Fernando Moreno, mas não com Javier Burin Heras, já que ele é muito jovem (20) e ainda não tínhamos nos cruzado em cena. A minha escolha foi muito satisfatória, pois sinto que trabalhamos muito bem juntos tanto no conjunto das secções musicais escritas como na interacção das partes improvisadas.
WG – O repertório é composto por nove músicas, sendo oito autorais e um standard. ‘Autumn in NY‘ foi uma escolha demorada ou já a tocava em suas apresentações?
FR – A versão de Autumn in NY foi preparada exclusivamente para integrar o repertório do meu álbum. A ideia de fazer um cover de uma música de outro compositor foi uma decisão concreta, eu só queria dar uma nova perspectiva a uma música conhecida, que faz parte do cancioneiro de jazz usual e acho que foi alcançado! Já que, sem perder a identidade da música, realmente soa muito diferente de todas as versões que ouvi dela. O resto do repertório é música original, escrita muito recentemente.
WG – Qual foi o processo de criação das suas composições em ‘Paisajes de un Venidero Retorno‘?
FR – No ano passado (2020) mantive uma prática constante de composição, realmente era algo que eu precisava e me fez bem. No entanto, eu estava fazendo isso sem muita ordem até que entendi que estava montando meu próximo álbum. Nesse ponto, comecei a pensar mais globalmente, em relação a como as músicas funcionavam entre si, a instrumentação e outros elementos que dão homogeneidade à proposta.
Especificamente, preparei todo o repertório e depois nos reunimos com meus amigos do grupo e como sempre acontece, aí acaba tomando forma. Parece-me muito necessário confiar nas opiniões das pessoas que se convoca para integrar um projeto e sob essa premissa, houve algumas alterações em algumas composições. Mas basicamente, as composições em sua maioria já estavam quase fechadas desde o início.
WG – Você utiliza a voz em ‘Intro‘ e em ‘Linha‘ há a participação de Hermeto fazendo uma inserção vocal. Nos fale sobre essas experiências. Pretende utilizar a voz cada vez mais dentro das suas composições?
FR – Acho o uso da voz muito interessante, acho que cria uma textura muito sutil e natural ao mesmo tempo. E, por outro lado, se inclui também a palavra, pode ser mais um elemento de consciência, dando uma mensagem mais concreta e precisa que pode eventualmente ter outra chegada ao ouvinte. Além disso, estou num momento artístico onde me sinto muito permeável à ideia de pós-produção musical, colorindo ou adornando com diferentes elementos e, nesse sentido, a voz parece-me um elemento muito bonito a incluir.
Gostei de incluir a voz de Hermeto Pascoal naquela música, pois Linha traz texturas que evocam certas paisagens sonoras que podem ser encontradas em sua obra. Além disso, o Hermeto acaba sendo uma grande influência para mim, sou um grande admirador de todo o seu trabalho.
WG – O processo de gravação e mixagem foram feitos no mesmo estúdio? Foi demorado?
FR – A gravação foi ao vivo por dois dias consecutivos e por sua vez, houve um trabalho de produção daquela sessão que foi feito em minha casa, no estúdio de Hernán Jacinto e no estúdio de Fernando Moreno, foi um processo de experimentação onde tentei muitas coisas, “fiz e desfiz” até conseguir o que queria. Por isso, a mixagem talvez tenha levado mais tempo do que normalmente leva para mixar um álbum de jazz, já que havia músicas onde havia muitos canais, mas além do trabalho que exigiu, estou muito satisfeito com o som do álbum, o som Foi muito cuidado e meticulosamente trabalhado.
WG – Quando foi que começou a divulgar ‘Paisajes de un Venidero Retorno‘? Está tendo uma boa repercussão crítica? Como foram os shows de lançamento?
FR – O álbum foi lançado no final de julho (em formato físico e digital) pelo selo Club del Disco. A repercussão foi muito boa, o que me deixa muito feliz, mas além disso, me sinto feliz com o disco que fiz, acho que representa o meu momento artístico de uma forma muito fiel. Até agora já fiz três apresentações aqui em Buenos Aires e pretendo levar essa música para fora da cidade e até para o exterior, espero que o contexto global me ajude a poder especificá-lo.
WG – O que está pensando como projetos para os próximos anos?
FR – Quero muito continuar apresentando minhas novas músicas e também fazer parte de projetos interessantes. Tenho duas viagens à Europa marcadas para 2022 com projetos diferentes e por sua vez, algumas gravações que também me estimulam muito.
Eu realmente acho a cena musical que tenho que integrar aqui em Buenos Aires muito interessante, há muitos artistas fazendo coisas muito desafiadoras e de alta qualidade. Acho que esse fenômeno se estende ao resto da América do Sul, pois tenho amigos no Chile, Brasil e Paraguai que têm propostas muito interessantes e me mantêm muito atento ao que acontece em nossas cenas irmãs, não só como ouvinte, mas como sou também muito interessado em me alimentar com suas propostas e descobertas artísticas.