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Scott Feiner retorna em grande estilo

Em função da inesperada despedida de Scott do nosso convívio, o Clube de Jazz reprisa a entrevista realizada com o nosso querido panderista com o propósito de divulgar seu último trabalho.

Oito anos depois de gravar ‘A View From Below‘, seu último trabalho dentro do projeto Pandeiro Jazz, Scott Feiner apresenta seu mais novo trabalho, Six Feet Apart’, em duo com o pianista Alex Taub. Em entrevista exclusiva para o site Clube de Jazz, Scott nos conta como foi todo o processo de retorno às gravações: seu encontro com Alex Taub, a formação do duo, a escolha e análise do repertório, processo de gravação e suas perspectivas para um futuro próximo. No final, Scott disponibiliza links para acesso à sua obra e à Six Feet Apart‘.

 

Wilson Garzon – Da curiosidade à arte do pandeiro, quem foi seu mestre no pandeiro? Marcos Suzano?
Scott Feiner –
Na verdade, não tive “um mestre”, mas tive várias influências importantes. O Suzano foi muito importante, claro … não só pra mim, mas qualquer pandeirista que veio depois dele, pois queria usar o instrumento fora dos contextos tradicionais da música brasileira. Ele abriu muitas portas, seja no som e nas levadas, sempre ampliando as possibilidades. Todos nós só temos que agradecê-lo. A gente se conheceu em 2000 durante uma das minhas primeiras viagens para o Brasil. Somos amigos e vinte e dois anos depois foi ele quem mixou e masterizou ‘Six Feet Apart‘. Mas além do Suzano, eu sempre gostava (e gosto!) muito do Jorginho do Pandeiro e do seu filho Celsinho Silva. Ambos, são mais do samba e choro, mas o suingue e jeito de tocar o instrumento foi muito importante pra mim. Tem tanta gente que toca bem que eu gosto … muitos não são conhecidos.
Quando cheguei no Brasil, tinha também uma galera mais jovem experimentando o pandeiro de uma forma bem pessoal, o que abriu meus olhos (e ouvidos) sobre as possibilidades dele – como o meu amigo Sergio Krakowki. Além da comunidade do pandeiro de couro, também sou fã dos pandeiristas especializados no pandeiro de nylon – do partido alto, etc. Adoro. Mas também, é importante de dizer que além da influência “pandeiristica“, meu jeito de tocar o pandeiro dentro do meu projeto tem muita influência de bateristas americanos (jazz, funk, e rock) … e ali a lista seria longa! Quando toco uma levada como o shuffle, na faixa “Home at Last” não estou pensando em pandeiristas.

 

 

WG – Em relação à sua obra discográfica, Pandeiro Jazz, Accents, Dois Mundos e A view from below, demonstram a sua evolução tanto como instrumentista como compositor, tocando com formações diferentes de músicos em cada um deles. Dá para resumir os conceitos desses seus trabalhos?
SF –Pandeiro Jazz” e “Accents” são com o mesmo grupo lá de NYC. O primeiro disco, “Pandeiro Jazz” foi o resultado de uma gig bem informal em NYC em 2004 … duo, eu e o violonista Freddie Bryant. O saxofonista Joel Frahm chegou para dar uma canja e depois eu sabia que tinha rolado uma coisa interessante. Aquele disco foi focado neste trio, com o baixista Joe Martin tocando em algumas faixas. Quando fizemos “Accents” foi quarteto mesmo.

No Brasil gravei dois discos: “Dois Mundos“, com Marcelo Martins (sax), Jessé Sadoc (trompete), David Feldman (piano) e Alberto Continentino (baixo) e “A View From Below” um disco mais elétrico com trio ao lado de Rafael Vernet (teclados) e Guilherme Monteiro (guitarra). Em todos os discos sempre tinha algumas composições minhas, mas no A View From Below foi o primeiro só autoral. Cada grupo foi o resultado de um momento … quem estava tocando ao vivo comigo. Nada foi muito planejado falando de conceito … sempre foi um processo orgânico.

 

 

WG – Depois de oito anos, você lança um novo trabalho, em duo com Alex Taub: ‘Six Feet Apart’. O projeto do Pandeiro Jazz acabou? O que você fez durante esse período? Atuou na área de música? O que você destacaria?
SF –Entre 2015 – 2020 eu realmente estava fora da música, trabalhando com outras coisas. Nada que mereça destaque aqui. Na minha cabeça, o projeto Pandeiro Jazz nunca vai acabar. É o tipo de som que foi o resultado daquele momento, lá em 2004, quando eu falei antes e tudo que eu faço, quando é num contexto jazzistico, vai ser isso. Agora tem gente que gosta de dizer que “Pandeiro Jazz” virou o gênero … até existe um hashtag #pandeirojazz, que eu não criei. Acho talvez um pouco exagero de chamá-lo como gênero, mas agora tem outros pandeiristas fazendo esse tipo de conceito também, então vamos ver pra onde vai chegar tudo isso. Eu só não usei o nome Pandeiro Jazz neste disco “Six Feet Apart” porque é um duo e realmente foi um trabalho em parceria com o Alex.

WG – Então, foi o acaso de seu encontro com o pianista Alex Taub é que te trouxe de volta ao pandeiro e à música. O dueto foi sempre a opção para vocês?  Não pensaram na opção em trio ou quarteto?
SF – Pois é, a história com Alex foi incrível pra mim. No começo da pandemia eu tinha saído de NYC para Asheville, North Carolina e um dia passando em frente a uma casa estava rolando um som na varanda. Era o Alex, e quando eu fui falar com ele, perguntou sobre minha camiseta, que tinha uma imagem de um pandeiro nela. Perguntou qual era meu nome, e depois que eu falei, me contou que tinha meu disco “Dois Mundos“. Foi surreal, numa cidadezinha de 100 mil habitantes! A gente virou amigos. Mas só meses depois é que eu fiquei com vontade de tocar de novo e a gente começou tocar duo, só para diversão. Passamos alguns meses assim, uma ou duas vezes por semana … foi o que me salvou durante a pandemia, num lugar onde eu conhecia pouca gente. A gente estava gostando de tocar em duo, e também, como foi durante a época pré-vacina, era bem mais simples de não chamar mais gente. Mas não foi a primeira vez que toquei ou gravei em duo de piano/pandeiro. No meu disco “Dois Mundos“, gravei “Asa Branca” com o pianista carioca David Feldman, e a gente também fazia um duo ao vivo em muitos shows meus.

WG – Quando surgiu a ideia de voltar a gravar? Pelo visto, a escolha do repertório foi puro divertimento, mesclando jazz e rock com muito prazer. Demorou montar esse repertório final? Ficaram de fora algumas músicas que poderiam caber num outro disco?
SF – Um dia o Alex virou pra mim e falou que estava indo fazer um mestrado em jazz no Canadá, então decidimos entrar no estúdio para registrar o que estava rolando durante aqueles meses. Sem saber se iria ser lançado um álbum, um single, ou nada. Quando a gente viu que ficou legal, decidimos lançar mesmo para compartilhar com o mundo. O repertório foi desenvolvido de forma orgânica. Muita coisa que o Alex já tocava, mas não nessa formação, Com o pandeiro, novos grooves e arranjos apareceram. Eu dei minhas ideias, e também coloquei a influência brasileira em algumas faixas. Quando a gente entrou no estúdio tinha uma lista de mais de vinte músicas e decidimos gravar sete. Uma morreu, e o disco ficou com seis. Então sim, com certeza sobrou coisas para um outro disco no futuro. Talvez de duo de novo, ou com mais gente.
WG – Porque deram o nome ao disco o nome de ‘Six feet apart’ ? Onde fizeram as gravações e a mixagem?
SF – Esse título está criando confusão aqui no Brasil porque “feet” (pés) não é usado aqui ;). Durante o começo da pandemia nos EUA essa foi a dica sobre distância social … “stay six feet apart from other people“. Tipo, “Seis pés de distancia”. Mas no Brasil seria ‘fique a dois metros de distância. A gente deu esse nome porque quando a gente começou tocar juntos e estávamos de máscara, mantendo essa distância. A gravação foi feita em Asheville, North Carolina, nos EUA, no estúdio Seclusion Hill Music, e a mixagem/masterização no Rio de Janeiro, por Marcos Suzano, no estúdio dele.

WG – O seu release faz uma boa análise sobre as músicas do disco abordando os conceitos utilizados em cada uma uma delas.

SF – Lush Life: Taub abre o clássico de Billy Strayhorn com uma bela introdução de piano mostrando seu toque elegante e sensível. Em seguida, Feiner entra com um groove que sugere alguns de seus ritmos nordestinos favoritos: ciranda e baião,  mas sempre deixa o ouvinte na dúvida do que exatamente é.. No final, os dois músicos estão conectados em uma vamp alegre que eles nunca gostariam que terminasse. É uma forte declaração que permite a quem escuta saber da proposta desse duo.

Home at Last: Tocar uma música do Steely Dan em duo pode parecer uma ideia maluca, mas Taub fez um trabalho impressionante nessa música de Donald Fagen e Walter Becker, condensando todos aqueles overdubs pelos quais Steely Dan é famoso, apenas no piano. Uma das coisas favoritas de Scott para tocar no pandeiro é o shuffle 12/8, daí ele ter adorado o desafio de tentar tocar de acordo com o lendário “Purdie Shuffle”. Mas não se trata de uma simples reprodução direta da música, como você pode ouvir durante o solo de piano onde a dupla mostra seu domínio sobre a dinâmica para criar um espaço aberto e lúdico que surpreende no meio de uma melodia com tanto groove.

It Could Happen to You: esse belo jazz standard de Jimmy Van Heusen, ganhou uma abordagem surpreendente. Normalmente tocada como uma balada, ou jazz swing em 4/4, o duo o apresenta como uma valsa jazz de ritmo médio 6/8, optando por pular direto para o solo de Alex em vez de declarar a melodia na frente. O uso de dinâmica e sutileza de Feiner nas platinas do pandeiro está bem presente aqui – um dos elementos de sua performance que lhe rendeu o respeito de seus colegas pandeiristas ao redor do mundo.

50 Ways to Leave Your Lover: nesse clássico de Paul Simon, Feiner abre com um groove que pode ser descrito como uma mistura de bolero e baião, antes de se estabelecer em algo mais baião. Taub então entra com uma impressionante introdução que leva a uma bela interpretação da melodia de Simon. Eles seguem o plano da gravação original – um backbeat na parte B, onde Alex mostra o lado gospel/blues/funk de sua execução. A performance termina em uma intensa conversa rítmica entre os dois com um nível de energia que parece ser catártico.

Taub apresentou a Feiner I Wish I Knew What It Would Feel Like To Be Free, do Dr. Billy Taylor, que Nina Simone colocou sua marca com sua interpretação emocional. Alex abre com uma introdução requintadamente comovente e Feiner salta com uma batida gordurosa (greasy), adicionando algumas inflexões de bateria gospel de tempos em tempos.

Cherokee: de Ray Noble. Uma música que remonta à era do be-bop, usada principalmente por improvisadores de jazz para provar seu nível de proeza com up-tempos, recebe uma nova interpretação surpreendente. Feiner abre com o que se tornou sua maneira pessoal de tocar o  maracatu, e Alex encontrou uma maneira de trabalhar a seção A em torno disso, antes de mudar para um samba na parte B, que também é usada para a seção do solo de piano. Se você estiver ouvindo em bons fones de ouvido ou alto-falantes, pensará que os tons graves do pandeiro estão vindo de um surdo, mas na verdade é apenas o pandeiro. O primeiro refrão do solo de Taub é apenas com a mão direita, notas soltas, o que cria um diálogo interessante e esparso com o pandeiro. O final da música oferece mais uma surpresa, quando os dois pulam em um groove funkeado para desvanecer a música, junto com o álbum.

 

WG –Nesse ano, você e Alex pensam em fazer um tour, divulgando o trabalho? Pensam também em compor músicas para um segundo projeto?
SF – Estamos num momento muito complicado com respeito a fazer shows e tours, né? O Alex está em Montreal para os próximos dois anos, e no momento estou no Rio. Mas claro, a gente gostaria muito de pelo menos fazer uns shows para divulgar o trabalho. Pelo menos nos EUA e no Brasil. Vamos ver. Sobre músicas autorais para o segundo projeto…. durante nossos encontros já estava nascendo algumas ideias para músicas novas, mas a gente não acabou terminando nenhuma música. Seria muito bom ter algumas para um próximo disco, com certeza.

LINKS

“Quick links” para várias plataformas para streaming/download “Six Feet Apart” (Bandcamp as pessoas podem comprar e/ou contribuir $)
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