Jazz News

A grande perda de Letieres Leite (1959-2021)

Mariana Peixoto, Estado de Minas, 27/10/2021

Maestro, compositor, arranjador, saxofonista, flautista, percussionista, produtor, professor, o baiano Letieres Leite, morto nesta quarta (27/10), aos 61 anos, atuou em todas as frentes da música. Tanto que sua morte súbita, em decorrência da COVID-19, segundo o jornal “A Tarde” – ele sofria de asma crônica e seu quadro foi afetado com a doença – foi lamentada por um número igualmente grande e diverso de profissionais do meio.

Mas a música de Letieres foi muito além de sua atuação ao lado de nomes célebres. Além de sua atuação individual ele, desde 2006, esteve à frente da Orkestra Rumpilezz , com quem lançou dois álbuns.. A formação (19 músicos mais o maestro), que passou por diferentes ocasiões em BH (a última em novembro de 2019, no Palácio das Artes, no Festival de Arte Negra), é uma orquestra de afrojazz.

A palavra “rumpilezz” já explica muito: ela junta o nome dos três principais atabaques do candomblé (ru, o tom grave; rumpi, o médio; e lé, o agudo) mais os dois zes do jazz.

A orquestra acabou gerando um projeto social, também em Salvador. Rumpilezzinho é um laboratório musical que ensinar a música de matriz afro-baiana e jovens de 15 a 25 anos. O método foi criado pelo próprio Letieres que lançou, em 2017, um livro sobre ele. Para um músico que atuou em tantas e diversas frentes, Letieres teve um início de carreira incomum.

 

Tinha 13 anos quando expôs, na Biblioteca Central de Salvador, pinturas e gravuras. Também já tocava – foi integrante da orquestra afro-brasileira do Colégio Severino Vieira – mas ao entrar na faculdade, escolheu artes plásticas na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Ainda que tenha sido o “universo percussivo baiano” o norte de sua música, foi no Sul do país que viveu na juventude. Morou em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde fundou bandas e atuou ao lado de músicos como Nei Lisboa, Renato Borghetti e Antônio Villeroy. Foi para a Europa nos anos 1980.

Em Viena, Áustria, estudou no Conservatório Franz Schubert. Tocou com muitos grandes do jazz como Paulo Moura, Hermeto Pascoal, Raul de Souza. Depois de uma década fora do país, retornou à Bahia, onde passou a dividir sua agenda entre aulas de música, shows e gravações de vários artistas.

Com uma relação próxima com a música (e os músicos) de Belo Horizonte, Letieres presidiu, em julho, o júri do 20º Prêmio BDMG Instrumental. Entre os quatro vencedores está o contrabaixista belo-horizontino Pedro Gomes, que encantou o mestre baiano. Um dos prêmios do concurso é a produção de um show no CCBB. O de Gomes será em 10 de novembro. Letieres já havia confirmado o convite para participar da apresentação.

 

Caetano Veloso
Acabo de receber a notícia inaceitável: Letieres Leite faleceu. Formado pela prática nos trios elétricos, autodidatismo, cursos específicos na UFBA e por estudos em Viena, esse portento da música, há anos à frente da Orkestra Rumpilezz, aquele deslumbramento de sopros e percussão, e do requintado Quinteto que leva seu nome, Letieres teve diálogo com as mais densas expressões da música brasileira, de Moa do Catendê a Toninho Horta, passando por Hermeto Paschoal, Daniela Mercury e Lulu Santos – além de ter sido, por anos, a base do trabalho de Ivete Sangalo. Arranjou o álbum recente de Bethânia e também o show que o antecedeu. Orquestrou a faixa ‘Pardo’ do ‘Meu coco’. Conversar com ele era ganhar uma aula sobre claves rítmicas e gostos harmônicos. Estou arrasado com a notícia de sua morte