Lançamentos

A música inovadora de Bernardo Ramos

O carioca Bernardo Ramos é guitarrista, compositor, arranjador e produtor musical, foi membro da Itiberê Orquestra Família durante dez anos, onde desenvolveu os princípios e as técnicas da escola hermetiana para encontrar sua própria voz. Bernardo integrou o quinteto de jazz contemporâneo Bamboo (“Bamboo” (2010) e “Abertura” (2012)gravou o álbum “Gesto”com Joana Queiroz e Rafael Martini. Agora, Bernardo acaba de lançar seu primeiro trabalho autoral: “Cangaço”. Nessa entrevista ele nos conta um pouco sobre sua história, formação musical e principalmente sobre o processo de criação desse seu trabalho.

Wilson Garzon – Como se deu seu encontro com o violão/guitarra? Amor à primeira vista? Ou nasceu dentro de uma família de músicos?

Bernardo Ramos – Minha mãe me conta que me levou a um choro, tinha oito anos. Diz que fui às lágrimas ao ouvir o cavaquinista solando. Minha família não é de músicos, mas deixaram à minha disposição uma vitrola e elepês maravilhosos, isso foi fundamental. Depois veio o Rock e, daí a guitarra. Mas os discos continuavam lá, Clube da Esquina, Egberto, Hermeto

WG – Como foi a sua formação musical? Que influências/músicos foram marcantes?

BR – Tive aula com alguns professores de guitarra, depois comecei a estudar violão clássico, depois voltei à guitarra, eis que em 1996 conheci o Itiberê, quando já adentrava no mundo do jazz, isso foi uma revolução. Aos 25 anos, enquanto seguia minha carreira, entrei para a universidade, curso de violão clássico, segui para o mestrado em composição e sou doutorando na mesma área.

WG – Conte-nos um pouco sobre a sua experiência com a Itiberê Família Orquestra.

BR – Comecei a tocar com o Itiberê dois anos antes de conhecer a orquestra; tínhamos um trio liderado por ele. Daí, foram 13 anos de uma parceria na qual um amor louco pela música dava as cartas. Cada acorde dele no piano era como um banho de cachoeira para mim. Lembro-me de estar sentado ao seu lado enquanto compunha, ele dizia: – observe, essa nota está ruim, mas vou deixá-la aí e seguir porque sei que a nota boa pra esse lugar vai aparecer. Itiberê foi um pai para mim, e de todos os valores que me legou, penso que o mais importante foi essa possibilidade de amar esse ofício de modo tão intenso, inquieto. Aprender até morrer!

 

WG – Você está lançando “Cangaço”. Esse projeto foi amadurecendo aos poucos? Já trabalhava com o formato de quinteto?

BR – Penso que esse trabalho é resultado da soma de algumas demandas:
a) tocar sem a companhia do piano, explorando mais as possibilidades texturais da guitarra, contando com uma certa inspiração no violão clássico;
b) permitir-me o espaço, os vazios e
c) materializar as ideias que surgiam a partir dos meus estudos de música pós-tonal.

Havia o Bamboo, um grupo bem bacana (eu, Alex Buck, Josué Lopez, Vitor Gonçalves, Josué Lopez e Bruno Aguilar). Gravamos dois discos bem legais. Era uma formação de quinteto bem tradicional: baixo, bateria, guitarra, piano e sax. Esse novo grupo foi montado para o projeto, quando decidi que ia lançar meu disco como líder.

WG – Como se deu as escolhas dos músicos para esse projeto? E o processo de gravação e mixagem ocorreu como esperava?

BR – Quando decidi fazer o meu disco e comecei compor para ele, a formação me veio como inspiração. Com Felipe e Bruno já tínhamos um trio que estava caminhando para onde eu desejava, a cozinha já estava armada. Escutei a voz da Beth e o trombone do Rafa tocando sobre nós. Digo sempre que não escrevi para os instrumentos, mas para esses instrumentistas. Não componho para o ouvinte, componho para x instrumentistx, se eu inspirá-lx, o ouvinte será feliz.

O disco foi gravado rapidamente, no estúdio da gravadora (Rocinante). Duda Mello gravou e mixou. Ele é talento puro e uma pessoa muito fácil de lidar, um querido. É muito amor junto! Certamente esse disco tem o melhor som de toda a minha discografia, de longe.

 

WG – O cd é composto por sete composições, sendo cinco autorais, uma de Itiberê e uma Variação sobre Stella by Starlight. As suas músicas foram criadas para esse projeto? Conte-nos um pouco sobre cada uma delas.

BR – Sim, foram compostas para o projeto:
Intensidades n°1” é uma obra sem solos, um teste para a interpretação camerística do grupo: um diálogo de estruturas contrastantes.
Sem Barganha” é uma balada que compus em 25 minutos. Nunca é assim. Meu processo é sempre sofrido e demorado. Crio um fragmento, detesto, fico repetindo até gostar um pouquinho, e daí surge a sequência, meses de trabalho. Nesse caso foi diferente, veio como veio e não permitiu negociação, por isso o nome.
Cangaço” é uma homenagem a Glauber Rocha e David Lynch. A combinação de rigor e risco no cinema deles me inspira demais. Gostaria que minha música fosse igualmente apaixonante e incômoda como é a obra deles.
De que?” É um resultado de um sonho acordado: Elis interpretava Arrigo.
Gratidão” já havia sido gravada pelo Bamboo, em 2010. Fiz um novo arranjo, tentando emular texturas orquestrais. É uma homenagem ao mestre Itiberê e a todos os mestres.
Pro Bernardo“, que se chamava “De lá pra cá” é um quarteto de guitarras e baixo elétrico. Tocava nos primeiros anos de orquestra do Itiberê. Uma lembrança dessa peça ciclicamente me retornava. Havia um Itiberê raro ali: obscuro. Então decidi que ia gravar essa faixa. Liguei pra ele pra pedir a parte. Um dia, encontrei por acaso com ele no metrô e disse que a faixa estava gravada, sua respondeu: – usei o nome dela em outra música, rebatizo-a de “Pro Bernardo“.

Gravei o Stella como um exercício de gratidão ao jazz. Quero ser sempre grato ao jazz mas não quero deixar minha criatividade submissa à cena novaiorquina nem a nenhuma “jazz community”. Penso que esse mundo de redes sociais, pejotização e informação em demasia não tem feito muito bem às jazz communities pelo mundo. Muita obediência e muita pavoaria.

WG – E em relação à divulgação e lançamento de “Cangaço“, o que já está agendado?

BR – Na sexta (23/08) começam os trabalhos com um concerto palestra na UFRJ. No sábado (24/08) será o primeiro concerto de lançamento em casa (Rio). Será o ritual no qual os amigos vão abençoar o trabalho antes da estrada. Negociações adiantas em várias capitais, nada fechado ainda.

WG – Que projetos pretende desenvolver para os próximos anos?

BR – Agora só penso em botar esse som nos palcos, o máximo possível. Meu sonho é ser ogan, chamar os deuses. Juntar pessoas e compartilhar da alegria e sabedoria divinas. É o que esse grupo tenta fazer quando vai ao palco. Não somos ogans, mas eles nos inspiram. Esse é o sentido da música para mim, está em sua origem.