Donny McCaslin fala sobre David Bowie
Publicado no jornal ‘O Tempo’, 19/08/2016
Em janeiro, David Bowie voltava a surpreender o mundo no que seria o último de seus tantos atos. No dia 8, ele lançava, de surpresa, “Blackstar”, seu elogiado 25º álbum de estúdio. Dois dias depois, Bowie sucumbia, aos 69 anos, a um câncer no fígado. Silvio Essinger, crítico do jornal “O Globo”, deu cotação máxima ao disco e comentou: “Para gravá-lo, Bowie pinçou na cena de Nova York um time relativamente jovem de músicos de jazz:
O saxofonista Donny McCaslin e o guitarrista Ben Monder ele conheceu quando gravou, com a pianista (e sumidade do jazz) Maria Schneider, a canção ‘Sue (or in a Season of Crime)’ (…). Do encontro entre o histórico espanador de poeira do rock e os acadêmicos de uma geração pós-jazz, o que saiu não tem paralelo em nenhuma outra colisão de estilos”.
Durante toda a sua carreira fonográfica, que durou quase 50 anos, Bowie colecionou parcerias históricas que o ajudaram a estar em constante renovação artística. Em outras tantas, foi o inglês quem orientou músicos a reinventar suas carreiras.
Em “Blackstar”, o ato final do camaleão, não seria diferente. A aposta, porém, foi em nomes pouco conhecidos pelo grande público, mas reconhecidamente talentosos. É daí que surge o californiano Donny McCaslin, 50, o tal músico apresentado por Maria Schneider. A compositora de jazz insistiu com inglês que ele deveria gravar com o saxofonista de sua orquestra, a ponto de levá-lo para assistir a uma apresentação do quarteto liderado por McCaslin em um pequeno bar de Greenwich Village, em Nova York.
“Eu sabia que ele estava lá, mas tentei mergulhar na música e não pensar muito nisso. Nem sequer o vi. E isso foi tipo uma semana depois de eu o encontrar pela primeira vez”, relembra McCaslin, que se apresenta hoje em São Paulo, como parte da programação do festival Jazz na Fábrica. “Na semana seguinte, nós tivemos o primeiro ensaio para a música da Maria. E foi lá que trabalhei com David pela primeira vez e as coisas ficaram loucas”.
Por “loucas” entenda-se: Bowie contatou McCaslin por e-mail em janeiro de 2015. Queria o instrumentista como parte fundamental da banda de seu próximo disco. O saxofonista, então, convocou os músicos que fazem parte de seu quarteto – Jason Lindner (teclados e piano), Tim Lefebvre (contrabaixo) e Mark Guiliana (bateria) – para a missão mais importante de suas carreiras.
“Como você pode imaginar, quando um convite como esse chega, é algo que precisa ser priorizado. Ele me mandou gravações demo antes de entrarmos em estúdio, então eu tentei fazer uma imersão naquelas músicas o máximo que podia para que conseguisse tocar e improvisar em cima das melodias de maneira precisa. Passei semanas em cima daquilo”, relembra.
Um artigo da revista “The Nation”, publicado no fim de janeiro, é enfático ao ressaltar a importância de McCaslin e sua banda no resultado final de “Blackstar”: “O som do grupo de McCaslin – denso e polifônico, mas propulsivo, muitas vezes cortante – tornou-se o som do álbum. Para ‘Blackstar’, McCaslin serviu tanto a Bowie quanto o inglês fez com Lou Reed em ‘Transformer’ (segundo disco solo do ex-Velvet Underground, produzido por Bowie e Mick Ronson). Bowie contou com McCaslin para ser seu Bowie”.
Um elogio que deixa o saxofonista desconcertado: “É uma grande honra que tenham escrito isso e que David possa ter se sentido assim. Foi uma experiência completamente colaborativa no estúdio de gravação. Ver um cara como David Bowie aberto a todas as ideias e sugestões que tínhamos… Foi maravilhoso estar naquele ambiente criativo”.