Edu Lobo comemora 78 anos lançando disco com clássicos
Irlam Rocha Lima, Correio Braziliense, 29/08/2021
Edu Lobo era um adolescente quando, em 1960, influenciado pela Bossa Nova, estreou na música, compondo com ninguém menos que Vinicius de Moraes a canção Só me faz bem. A partir de meados daquela década, a carreira artística do jovem cantor e compositor carioca ganhou maior dimensão ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Excelsior, com Arrastão (outra parceria com o Poetinha), interpretada por Elis Regina; e o icônico Festival da Record, dois anos depois, no qual, ao lado de Marília Medalha, defendeu Ponteio, de sua autoria e José Carlos Capinan.
Ao longo de 60 anos de carreira, Edu produziu uma das obras mais relevantes da MPB, registrada em 30 discos. Em alguns ele teve ao seu lado companheiros de ofícios, entre os quais Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, Dori Caymmi, Marcos Valle, Romero Lubambo e Maria Bethânia. Incontáveis clássicos do nosso cancioneiro têm a sua assinatura e ganharam registros também na voz de outros artistas.
Parte deles foi reunida no repertório de espetáculo apresentado em 29 de agosto de 2013 — dia em que Edu celebrou 70 anos — no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo ao seu lado Chico Buarque, Maria Bethânia, Mônica Salmaso e Bernardo Lobo. O show ganhou registro em CD e DVD, que estão sendo lançados, hoje, nas plataformas digitais pela Biscoito Fino.
Não foi aleatória a data escolhida para o lançamento. A gravadora quis com isso festejar os 78 anos de um dos nomes de maior representatividade do seu elenco, no dia em que ele aniversaria. Em solos, Edu canta Chegança, Canção do amanhecer, Upa neguinho, Zambi, Canto triste, Beatriz, Zanzibar — todas de sua autoria — além de O Boto (Tom Jobim) e O trenzinho caipira (Heitor Villa-Lobos e Ferreira Gullar). Com o filho Bernardo Lobo, faz No cordão da Saideira e Ponteio.
Ele e Bethânia revisitam Cirandeira e Pra dizer adeus, registradas num LP que lançaram em 1996. A história de Lili Braun, Lábia e Choro Bandido, parcerias com Chico Buarque, os levam a juntar as vozes. Num dos melhores momentos do projeto, Edu e Mônica Salmaso dialogam nas canções A mulher de cada porto, Coração cigano e Valsa brasileira.
A banda que acompanha Edu é formada por Cristovão Bastos (piano e direção musical), Carlos Malta (flautas e saxofones), Lula Galvão (violão), Jorge Helder (contrabaixo acústico), Jurim Moreira (bateria) e Mingo Araújo (percussão) fecham o repertório a versão instrumental de Pé de Vento.
Bernardo Lobo celebra a participação no espetáculo. “Foi uma grande emoção participar daquela celebração dos 70 anos do meu pai e dos 50 anos de uma carreira tão bonita e vitoriosa; além de dividir o palco com Chico Buarque, Maria Bethânia e Mônica Salmaso, que são meus ídolos; e de alguns dos melhores instrumentistas do país”. Mônica Salmaso diz que viveu “momento de Cinderela naquela noite, ao cantar no Theatro Municipal a convite de Edu Lobo, ao lado de Chico Buarque, Maria Bethânia e Bernardo Lobo. Edu merece todas as honras do mundo”.
Edu Lobo 70 Anos
CD e DVD com 26 faixas, lançamento, hoje, da Biscoito Fino nas plataformas digitais.
ENTREVISTA
Irlam Rocha Lima – A ideia de celebrar seus 70 anos com um show no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2013, com a participação de Chico Buarque, Maria Bethânia, Mônica Salmaso e Bernardo Lobo foi sua, ou houve a sugestão de alguém?
Edu Lobo – Não me lembro mais quem foi o autor da ideia, mas sei que concordei imediatamente em comemorar os meus 70 anos no palco, com pessoas queridas e importantes em minha vida e em minha carreira. Foi um trabalho, é claro, mas com um jeito de festa.
IRL – Foi difícil selecionar 27 canções de sua vasta obra para o repertório do show?
EL – Difícil não acho que tenha sido, houve só um pouco de cuidado. Contei com a participação do jornalista Hugo Sukman, que dirigiu o espetáculo. Fomos fazendo a lista das canções, chegando a uma ordem sem obedecer a qualquer critério cronológico. Acho que as próprias canções indicam a sua ordem de uma forma natural, sem grandes significados ou mistérios.
IRL – Com o devido distanciamento, acredita que a vitória no Festival da Record de 1967, com Ponteio, foi determinante para impulsionar sua trajetória artística?
EL – Sendo bem sincero, não acredito que uma vitória num festival possa vir a ser determinante para a carreira de qualquer compositor. Você vê, por exemplo, canções vitoriosas que desapareceram e, ao mesmo tempo, canções que foram desprezadas ou até mesmo severamente vaiadas, que se transformaram em clássicos, com o passar do tempo. Posso contar que inscrevi o meu Canto triste (com a letra do Vinícius), que foi cantada pela Elis Regina e que, felizmente para todos nós, não chegou a ser classificada.
Digo felizmente porque, imagine essa canção em primeiro lugar no Maracanãzinho e o volume de vaias que abafariam qualquer comemoração! Num festival, você tem aproximadamente três minutos para convencer o público de que o seu trabalho é bom e merece uma boa quantidade de aplausos. Mas a plateia está ali para julgar e pode começar a vaiar cruelmente, antes mesmo que termine a introdução…
IRL – Parceiro de Vinicius de Moraes, Chico Buarque, José Carlos Capinan, como vê a contribuição desses letristas e poetas ao seu trabalho de melodista?
EL – Todos os meus parceiros, que não foram poucos, tiveram uma enorme importância para o meu trabalho. Cada um com o seu estilo, sua maneira de ver as coisas. Não tenho, nem nunca tive, uma ordem de preferência. Costumo mandar a melodia e, algum tempo depois, receber o que foi decodificado por eles. Às vezes (na verdade, muitas) costumo interferir com uma ou outra palavra ou verso, e isso nunca foi motivo de desconforto ou briga. Apenas, algumas boas e necessárias discussões.
IRL – Beatriz, parceria com Chico Buarque, é tida como uma joia rara da MPB. Como foi o processo de criação desse clássico?
EL – O processo da Beatriz foi exatamente igual ao de todos que fiz na minha vida: um tempo de procura e especulação no piano, até que o resultado parecesse agradável. Depois, as dúvidas de sempre (sou do signo de Virgem), das idas e voltas no critério e pronto. Mais uma canção.
IRL – A aversão que você teria aos holofotes é real, ou uma lenda?
EL – Acho que há um exagero nessa afirmação. Não sou uma pessoa que corre atrás dos holofotes, mas que, ao mesmo tempo, não chega a fugir deles, em nenhum momento.
IRL – Qual é sua visão dos tempos de agora, com a interminável pandemia e o sufoco vivido pelos brasileiros?
EL – Não posso dizer que estamos todos passando por um bom momento em nossas vidas, nem aqui ou nem qualquer parte do mundo. Aqui, além da covid-19, temos um desgoverno absurdo, cheio de posturas e poses malsucedidas, defendendo o uso de remédios comprovadamente ineficazes pela medicina, sendo ferozmente contra o uso das vacinas e das máscaras, achando maricas os que tomam todos esses cuidados fundamentais. Então, não posso dizer que lidei muito bem com essa mistura de pandemia com tirania.