Lançamentos

Eduardo Machado alcança o seu Magma

Conheci Eduardo Machado durante o Savassi Festival,  quando foi selecionado dentro da seção de ‘Novos Talentos’. Fiquei muito impressionado pelo seu talento desse instrumentista e compositor que vinha lá de Franca/SP e já trazia no seu bojo o seu primeiro cd. Desde essa época, sempre participo da divulgação da sua obra. Agora, é a vez ‘Málagma’, um ousado projeto, tanto pelas formações e nos arranjos utilizados na gravação quanto na levada fusion para lá de grooveada. 

Wilson Garzon – O projeto Málagma surgiu da sua temporada por Praga, Berlin e adjacências?
Eduardo Machado – A palavra Málagma significa “fusão“, e ela resume bem o que eu quis mostrar nesse álbum. Um pouco da minha formação, meu gosto musical e influências de lugares, pessoas e sons que tive a oportunidade de conhecer e ter contato. Algumas citações a cidades, lugares que me marcaram muito. Na verdade esse disco também era um sonho antigo, acho que a grande maioria dos baixistas gosta dessa “praia” groove.

Foi um processo bem tranquilo e lento. Começou bem despretensioso, foi quando estive no EUA (2014), fui convidado para participar de um festival de baixistas em New Hampshire, quando festival acabou passei alguns dias em Nova Iorque onde comprei alguns pedais de efeitos, loops, esse tipo de coisa. A cidade tabém me inspirou muito! Tive a oportunidade de assistir vários shows, um deles foi o de Marcus Miller. Nnão foi o primeiro show que assisti dele, mas esse foi muito especial porque foi na sua cidade natal, perto do aniversário dele, teve uma atmosfera muito especial mesmo. Então, voltei bem inspirado e com essas ferramentas novas. Daí, comecei a compor e registrar um monte de idéias, muitas mesmo… tenho várias fitas cassetes dessa época (eu era bem analógico até um ano atrás, rsrsrs).

Uns dois meses depois, o mestre Celso Pixinga me ligou e disse que ia fazer uma coletânea de alguns baixistas que participaram dos festivais que ele produziu (Pixinga Bass Festival). Disse que ia ter música dele, do Arthur Maia, Thiago Espirito Santo, Adriano Giffoni e queria uma música minha também nessa coletânea. Então compus a música Ocean Avenue para esse cd. Depois, fiquei envolvido com outros projetos, turnês com meu trio, gravei um DVD do meu trio (EMTrio) com o Marcio Bahia na bateria e Gil Reis no piano, enfim esse lance do groove ficou parado. No início de 2018 revisitei aquelas fitas cassetes e vi que tinha muitas ideias bem interessantes; compus mais algumas e foi assim que comecei a preparar esse CD Málagma.

WG – Você trabalha nesse cd basicamente com a formação de septeto ou octeto, enfim, próximo a que seria uma pequena big band. Era para caber o seu som grooveado puxado para o soul?
EM – Isso, procurei trabalhar com uma formação mais característica desse tipo de sonoridade que eu queria chegar. Também gosto de explorar formações diferentes nos meus discos, tenho CD em duo, trio, quinteto, duo com convidados, etc… Gosto de mudar para os discos ficarem bem diferentes uns dos outros.

WG – Os instrumentistas escolhidos são da mais alta linhagem. Já estavam no sua cabeça quando decidiu a tocar adiante o projeto do disco?
EM – Quando fui acabando de compor e fazendo os arranjos, já fui montando um time na minha cabeça que eu gostaria que gravasse. Realmente é um super time! Um pedaço da banda antiga do Djavan (Bala e Marcelinho), uma parte do Funk Como Le Gusta (Eron, Tiquinho) que é uma banda que gosto muito… E na guitarra esse cara que sou muito fã também, dono de uma “pegada singular” Mauro Hector.

 

WG – Conte-nos aqui sobre o processo de criação de cada uma das composições: elas foram criadas no exterior? Cada uma representa uma rua, um local ou uma lembrança marcante?
EM – A maioria foram compostas aqui mesmo, mas as inspirações veios muito lugares onde passei:
Berlin Berlandia
tem uma história bem interessante: estávamos em Berlin em uma turnê com meu trio e esse nome surgiu no meio de uma brincadeira. Daí, quando voltamos, coincidentemente fomos tocar em Uberlândia, que é uma cidade que gosto muito, tenho muitos amigos, familiares que moram lá… Daí contei para a platéia que tínhamos essa história, que estávamos em Berlin e tínhamos um nome para um música só que ainda não tínhamos a música. Então compus essa música na hora, e foi um lance tão natural que ficou bem legal e é a faixa que abre o disco.
Nelson Street
é um tema com uma influência grande de Jaco Pastorius com Tower of Power. Uma coisa que sempre presto muita atenção em viagens e no cotidiano são placas. Nomes de ruas, placas de sinalização, esse tipo de coisa sempre tiro fotos. Então, uma vez durante uma turnê pela Ásia, andando por Hong Kong, estava reparando os nomes das ruas e só tinha aqueles nomes tudo em chinês, não dava pra entender nada rsrs mas acho isso fascinante… eis que me deparo com a rua “Nelson Street“, tirei uma foto e enviei para um amigo meu Nelson. Então música procurei retratar um pouco de toda aquela energia da cidade, aquele trânsito caótico, mas é bem divertida ao mesmo tempo.
Groove SP
essa música tem uma clima mais metropolitano e é uma homenagem a cidade de São Paulo que adoro! São Paulo tem várias caras, e eu adoro aquela confusão toda.
Centraal Station
é estação de trem de Amsterdam, é o portão de entrada da cidade. Já estive lá por diversas vezes, é muito inspirador e eu não poderia deixar de fazer essa homenagem a essa cidade que e amo tanto. Essa música tem um groove bem marcante, e ao mesmo tempo tem uma cara mais sofisticada. Nessa faixa usamos uma instrumentação diferente nos sopros com trombone, flughelhorn e flauta transversal. Isso é a cara de Amsterdam.
Malá Strana
é um bairro que fica no centro histórico de Praga na República Tcheca. Que cidade fantástica! O leste europeu tem uma atmosfera peculiar. Foi o que procurei mostrar nessa composição que tem um clima mais denso, em uma andamento mais lento mas ao mesmo tempo tem com bastante vigor na pulsação.
Kamsahamnid
a significa obrigado em sul coreano. Algo que sempre faço nessas turnês é aprender algumas palavras do idioma local. Por incrível que pareça, isso ajuda e muito. Quando as pessoas veem você tentando se comunicar na língua delas, elas te tratam de outra forma, correspondem esse carinho. Por outro lado, ajuda porque não são todos que falam inglês. E nessa composição procurei mostrar um pouco da energia e da alegria dos sul coreanos que conheci, pessoas alegres, sempre dispostas a ajudar e a nos receberam tão bem.
Rhein
é uma singela homenagem ao rio Reno, que corta vários países da Europa. Em muitas cidades em que passei, lá sempre estava o rio com a sua pulsação, seu groove mais lento, que não para nunca. Foi o que tentei retratar nessa faixa, um groove mais lento e constante como é o rio no seu ritmo. Os metais vão entrando de uma forma bem sutil em cima desse groove inicial e vão crescendo até atingir o ápice na primeira mudança de acorde.
Ocean Avenue
é uma avenida no Brooklyn em Nova Iorque, que foi o lugar onde fiquei por alguns dias como mencionei anteriormente. Onde foi início da história desse álbum.
Malá Strana II/ O Penhasco
é uma outra versão da 5ª faixa, também outro take de gravação onde eu achei que ficaria legal um hip hop nessa base. Então convidei o Fabrício Bispo para colocar o vocal nela. Na primeira parte que fala uma poesia e na segunda já entra no hip hop propriamente dito. Gosto muito dessa mistura de jazz funk, jazz hip hop. Herbie Hancock já fez isso, e acho que caberia no contexto desse álbum. Por outro lado com a música cantada posso conseguir levar a música mais longe, atingir um público que eu não conseguiria chegar nele.

 

WG – Ocean Avenue‘, foi gravada em 2014 e inserida no Málagma. Você fez mudanças nos arranjos e no ritmo para que ela pudesse entrar no ‘clima’ desse disco?
EM – Sim, adicionei mais algumas percussões eletrônicas, umas linhas de baixo também que ajudaram a dar uma “roupagem nova”, assim colocando-a num contexto mais parecida com as outras faixas. Para todo trabalho ter uma unidade sonora bem característica.

WG – Como estão sendo agendadas os shows de divulgação de ‘Málagma‘? Algum em Sampa ou festivais? E em relação à mídia?
EM – Como é uma formação maior (septeto), é um pouco mais difícil organizar a logística de todo grupo. Mas em breve estaremos na estrada com o show “Málagma“. Um detalhe importante é foi produzido o vídeo também desse trabalho. Temos os vídeos de todas as faixas, então o público pode assistir a performance da gravação. e isso é muito legal.
Também foi produzido o vídeo do making off com os bastidores das gravações, depoimentos e muito mais. O vídeo completo foi estreado no Canal Music Box Brazil no dia 15 de setembro, logo haverá mais reprises. Mas também está disponível no meu canal no youtube/eduardomachadobass. Vale lembrar também que o álbum “Málagma” está disponível em todas as plataformas digitais.

No CD físico, além dos áudios que qualquer CD tem, o “Málagma” trás uma faixa interativa que tem o vídeo do making off, partituras de todas as músicas e ainda alguns playbacks para contrabaixo e bateria. Foi uma forma que encontrei para poder interagir mais com o público. Mesmo não estando juntos pessoalmente, podemos tocar juntos virtualmente. Também é uma forma de divulgação maior desse trabalho, procurei facilitar para os músicos aprenderem minhas composições. Se eles aprenderem vão mostrar pra alguém, então com isso consigo fazer minha música chegar mais longe ainda!

 

WG – Em Franca você toca o seu projeto caseiro ‘Jazz lá em casa‘. Você também toca pelas vizinhanças da sua cidade. Conte-nos sobre esse seu papel de incentivador do jazz na sua região. Quem músicos você destacaria como participante desse processo contigo?
EM – A essência do jazz é o improviso, a descoberta de novos caminhos, isso é o jazz! E é o que eu faço, procuro novos caminhos, novas possibilidades. Durante 7 anos produzi aqui em Franca o projeto “Quinta Jazz” junto com meu amigo Helton Silva. Nesse projeto abrimos espaço para músicos da cidade e região se apresentarem, e uma vez por mês trazíamos um convidado especial. Veio muita gente boa, Victor Biglione, Sizão Machado, Carlos Bala, Jorge Helder, Yuri Popoff, Lena Horta, Thiago Espirito Santo, Alegre Correa, Vitor Alcantara, Bob Wyatt, Michel Leme, Jarbas Barbosa, Lupa Santiago, Rubem Farias, Robertinho Silva, Marcio Bahia, Dudu Lima, Stephan Kurmann, Marcelo Martins, Jessé Sadoc, entre muitos outros… Fortalecemos a cena do jazz na cidade e região.

Fazíamos isso sem nenhum retorno financeiro, por amor a música mesmo. Mas chegou uma hora que as dificuldades aumentaram e tivemos que parar com o projeto. No final eu estava me sentindo um funcionário das Casas Bahia que tinha que atingir a meta para lotar o bar. Então vi que tinha alguma coisa errada, nós estávamos trabalhando para o dono bar, daí paramos.

Depois de um tempo percebi que eu não precisava de bares para continuar a fazer shows de jazz. Eu tinha o público, era quem conhecia e trazia os músicos, eu tenho um espaço na minha casa para acomodar 40 pessoas. Então surgiu o “Jazz lá em casa“, que é o que escrevi no início desse parágrafo, o improviso, a descoberta de novos caminhos. São shows intimistas, as pessoas que vem são para assistir mesmo uma apresentação desse tipo. Então ficou muito mais legal. Comecei fazendo uma vez no ano, daí o público me pediu para fazer mais vezes, agora faço de 4 a 5 vezes por ano. Já recebemos Stephan Kurmann, Alieksey Vianna, Victor Biglione, Alegre Correa, Chico Oliveira, Michel Leme, Osmar Barutti, Marcio Bahia, já fiz com meu trio também. Próxima edição será no dia 23/11 e vou receber o baterista Bob Wyatt e o guitarrista Thiago Carreri.

Então agora temos esse espaço para música instrumental na cidade. Na verdade descobri depois de muitos anos que para ser músico e viver de música, a parte mais fácil é tocar bem. Tem que ser empreendedor, fazer essa engrenagem girar é o mais complicado.