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Fernando Marinho Volta para Casa em Grande Estilo

Depois de Carol Panesi, o Clube de Jazz apresenta mais um violinista, Fernando Marinho. Este, da vertente mineira, bem do interior, das bandas de Coronel Fabriciano, perto da minha Aimorés…aprendeu a tocar com a cara e coragem no início e depois foi beber nas fontes dos grandes mestres. Após uma longa estadia na Europa, volta ao Brasil e não demora a lançar seu primeiro trabalho “Voltando para Casa”. Curtam a entrevista e saboreiem a sua música.

Wilson Garzon – O violino é um instrumento que se inicia muito cedo e leva muito tempo para aprender. Foi o seu caso? Como foi a sua formação e quem foram importantes no seu caminho?

Fernando Marinho –
Na verdade, eu gosto de pensar que o violino (e a música de uma forma geral) nos traz tantas possibilidades que a gente nunca para de aprender. Eu comecei a fazer aulas de violino com 11 anos e, sem ainda nem ter o instrumento, iniciei a minha história com ele. E no meu aniversário de 12 anos ganhei o meu primeiro violino. A partir daí, sem muitas instruções, comecei a estudar de forma mais independente o instrumento, buscando aperfeiçoar e evoluir cada vez mais o meu conhecimento.
Sempre fui muito intuitivo, e tive pouquíssimo acesso à aulas e professores na minha trajetória inicial com o violino. Não havia muitas opções de professores na minha cidade — nasci e cresci no interior de Minas Gerais —, e na época, a tecnologia ainda não era tão avançada como é hoje, permitindo aulas online e à distância. Pode-se dizer que fui aprendendo na raça, pegando dicas com amigos, tocando, errando e sempre aprendendo com os tropeços.
WG – O jazz veio depois do clássico? Que instrumentistas foram decisivos na sua estruturação como músico?

FM – Acho importante mencionar que eu não venho da tradicional escola erudita de violino como é bem comum entre os violinistas. Meu contato maior com a música erudita se deu quando participei da Orquestra de Câmara Jovem de Ipatinga. Foi uma experiência muito rica e nesse período tive acesso a alguns professores de violino de Belo Horizonte que iam ministrar aulas para os integrantes da orquestra. Participei por um curto período, pois eu sempre soube que a música popular era o caminho que eu queria trilhar. Nessa época eu já gostava de tocar música mineira, bossa nova e MPB. E sempre fui um amante e apreciador do Jazz. Sempre escutei muito o estilo — principalmente na minha adolescência.Tenho influências de violinistas de música brasileira, como Ricardo Herz, Nicolas Krassik, Carol Panesi e também de violinistas de Jazz como Stephane Grapelli e Didier Lockwood. Também tenho músicos especialistas em outros instrumentos como referência: Hamilton de Holanda, Hermeto Pascoal, Dominguinhos, Tom Jobim, entre outros grandes da música popular brasileira.

Os violinistas de música brasileira que citei, foram os que me influenciaram de uma forma mais direta. O Ricardo Herz, que foi quem me fez mudar a forma como eu enxergava o violino na música popular. Desde as primeiras vezes que o vi tocar eu já sabia que era aquilo o que eu queria fazer. Ele lançou um curso de Violino Popular online alguns anos atrás e aproveitei para me aprofundar e aprender esse processo de fazer o violino soar Brasil. Recomendo!

Outra referência, é a Carol Panesi, que foi muito importante no meu processo de iniciação à composição. Fiz uma oficina dela em Madrid, no início de 2019, que foi um despertar. Posteriormente fiz aulas, à distância, de improvisação e criatividade com ela, que foram muito enriquecedoras.Mais recentemente, adquiri também o curso online do Nicolas Krassik que foi, e ainda está sendo, muito enriquecedor nesse processo de evolução no estudo do Violino Popular. O trabalho dele foi, inclusive, bem importante quando comecei a estudar forró no violino. O curso dele tem uma ótima abordagem do Jazz e da improvisação no violino.


WG –
Você passou quase uma década na Europa. Foi uma intensa experiência musical também? Você se dedicava ao jazz, instrumental
brasileiro? Você tocou pelos jazzclubs ingleses?
FM – Quando me mudei para Londres, por um período de um ano e meio, tentei trabalhar com música. Toquei bastante música brasileira — que é super valorizada pelos ingleses e pessoas de outras culturas também — acompanhando outros artistas locais. Fiz algumas participações em lugares emblemáticos do Jazz britânico, como o 606 Jazz Club e o Upstairs @ Ronnie’s (pertencente ao Ronnie Scott’s Jazz Club). Tive a oportunidade de dividir o palco com artistas e cantores locais de diversas nacionalidades. Mas, naquele momento, apenas a música não era suficiente para me manter em outro país. Assim, optei por focar na minha carreira em TI. Depois de um tempo percebi que a música havia ficado de lado no meu cotidiano. Isso me trouxe bastante arrependimento.

No período em que vivi em Berlim, na Alemanha, comecei a aprender a dançar forró. Passei a frequentar os eventos relacionados a esse ritmo, ir a shows e outros movimentos com esse tema. Tudo isso despertou em mim a vontade de voltar a tocar, eu senti falta dos palcos. Comecei então a reaprender e me reaproximar do violino. Depois de um tempo, voltei para Londres, e persisti em reaprender a tocar violino com o foco na música popular brasileira e, mais especificamente, no Forró. Começaram, então, a surgir oportunidades de participar de algumas apresentações com amigos e músicos que moravam lá.

 

 

WG – Quando voltou ao Brasil você montou junto com amigos, o Bando. Com que músicos? Chegaram a registrar em vídeo ou áudio?

FM – Na verdade, O Bando foi um projeto realizado ainda em terras britânicas. Depois de algumas participações em alguns eventos de forró em Londres, surgiu a oportunidade de tocar forró em Brighton, uma cidade no Sul da Inglaterra. Após a primeira apresentação, esse evento se tornou mensal e eu os outros músicos, que tocamos nessa primeira apresentação, decidimos formar uma banda de forró.

Com O Bando, fizemos várias apresentações em eventos na Inglaterra e esse foi um período bastante divertido e uma oportunidade ímpar de adquirir repertório e mergulhar a fundo no universo do Forró. O nosso repertório incluía muita música instrumental (incluindo alguns temas de jazz e músicas inglesas em ritmo de forró/baião/xote) e o elemento da improvisação era sempre presente nas nossas apresentações. Temos alguns vídeos gravados, mas, infelizmente não tivemos oportunidade de fazer algo com qualidade profissional.
WG – Então, a música nordestina foi a paixão madura. Com essa mudança de planos, começou a tocar rabeca? Teve contato com o movimento armorial?
FM – A música nordestina hoje é o meu “xodó”. Apesar de ser mineiro, a música nordestina hoje é muito importante para mim. Foi o Forró que me deu o ímpeto de voltar à música e reaproximar do violino. Vou ser eternamente grato a essa música e a essa cultura tão rica. Paixão e gratidão!A rabeca surgiu pra mim em meio a esse estudo da abordagem do violino popular no universo da música nordestina. Senti que era apropriado e, honestamente, sinto que estudar esse instrumento foi extremamente importante pra entender o suingue do forró no violino. O instrumento por si só já soa nordeste e Brasil.
Quando toco forró no violino, tento, da minha forma, aproximar o som do violino ao da rabeca. Tenho muito carinho por esse instrumento, muito respeito por todos que o tocam e pelo legado dos mestres rabequeiros do nosso Brasil. Infelizmente, não tive contato com o movimento armorial. Mas, através do estudo da Rabeca, comecei a acompanhar e conhecer o trabalho de muitos rabequeiros do Brasil.

WG –Você acaba de lançar o EP “Voltando para Casa”. Há quanto tempo pensou nesse projeto? O conceito dele já estava definido?

FM – Esse trabalho significa muita coisa para mim: a materialização de um sonho antigo e uma evolução na minha trajetória musical, além de ser o registro e uma forma de eternizar a minha paixão pelo que faço. É um trabalho 100% autoral, de composições que foram nascendo e se desenvolvendo de 2019 em diante.

Os primeiros contatos para realização desse projeto foram feitos no segundo semestre de 2019, quando eu ainda estava em Londres. A ideia inicial era de fazer um trabalho voltado pra musica brasileira. Posteriormente, decidi que a temática do projeto seria voltada para a música nordestina — como uma forma de dedicatória e gratidão à toda alegria que essa cultura me proporcionou. Uma coisa sempre esteve definida: seria um álbum instrumental, trazendo alguns elementos do jazz e da improvisação para dentro do trabalho também.

Este primeiro EP é uma fotografia da minha maturidade atual como músico, do meu ponto atual nessa trajetória musical e o primeiro de muitos passos que ainda pretendo dar.

WG –Coco Serelepe, Café Com Rapadura, Oásis, Forró in Brighton, Baião Pra Nega, Voltando Pra Casa e Tererê compõem o repertório do EP. Conte um pouco como foi o processo de criação de cada uma delas e os arranjos escolhidos.

FM – Cada uma dessas composições surgiram de forma bem particular. Muitas delas surgiram durante estudos, outras refletem como me senti em algum momento. Vou tentar falar resumidamente sobre cada uma delas.

Coco Serelepe
a primeira faixa do disco, surgiu em meio a um estudo. A melodia dela usa muitos elementos da escala nordestina (ou escala lídio b7, como é formalmente conhecida). A pré-produção foi feita já com a ideia de usar os pífanos como um dos principais elementos da instrumentação, instrumento esse bem característico e comum na música nordestina.

Café Com Rapadura
essa composição surgiu de forma fragmentada, a partir de 3 trechos com ideias bem similares que se complementavam e que surgiram em momentos distintos. Curiosamente, esses trechos surgiram estudando o bandolim. Portanto, quis manter a ideia do bandolim como parte da instrumentação.

Oásis
também surgiu em meio a estudo, e a melodia dela, apesar de ser um xote, tem uma sonoridade meio flamenca/árabe. Portanto, foram escolhidos instrumentos que combinassem com essa sonoridade. Como eu queria trazer alguns elementos do Jazz pra essa faixa, optei pelo baixo acústico fazendo umas linhas de walking bass e fazendo também uma introdução que dá um charme a mais pra música. Os outros instrumentos dessa faixa são o alaúde e o clarinete, além, claro, da rabeca e do violino.

Forró in Brighton
essa composição surgiu no dia de uma das apresentações com O Bando na cidade de Brighton. Então, resolvi dar esse título pra música. A melodia dessa música sobe e desce o tempo todo. E o curioso que Brighton é uma cidade com muita ladeira, muito sobe e desce também.

Baião Pra Nega
é uma música bem especial pra mim. Essa foi minha segunda composição e foi feita dedicada a uma pessoa muito importante pra mim — que é a “nega” em questão. Nessa música quis trabalhar a suavidade e a dinâmica crescente, pois foi feita visando o elemento da dança.

Voltando Pra Casa
que é também a faixa que dá titulo ao trabalho, foi uma composição que surgiu numa época que estava com muita saudade do Brasil. Essa música é um xote melancólico, quase um lamento. Exprime bem o que estava sentindo na época, de querer vir pro Brasil. Essa é a única faixa do disco que apresenta o acordeom como parte da instrumentação. Sentimos que essa faixa pedia esse instrumento para ajudar a dar “a liga”.

Tererê
surgiu de forma bem espontânea. Eu estava caminhando pelo centro de Londres e a melodia surgiu na cabeça, já com a batida do Ijexá. Assim que cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi pegar meu violino e comecei a tocar e já terminei de compor ali.

 


WG –
Que músicos fizeram parte da sua banda? Como foram feitas as escolhas? E as gravações ocorreram tranquilas?

FM – A maioria dos músicos que fizeram parte do EP ‘Voltando Pra Casa’ foram sugeridos por Enéias Xavier — que foi quem assumiu a produção musical do trabalho. E que seleção! Tive a honra de ter participações de músicos excepcionais, como Sandro Haick (guitarra, violão acústico, bandolim, alaúde e percussões), Jorge Continentino (pífanos e clarinete), Christiano Caldas (acordeon), João Paulo ou Jota P (sax alto e flauta) e Ramon Braga (percussões), além, claro, do próprio Enéias que fez todos os contrabaixos do disco.

As gravações começaram aqui no Brasil, quando eu ainda estava em Londres, e correram de forma bem tranquila. Cheguei ao Brasil em maio de 2020 e o trabalho já estava bem adiantado. Gravei minhas partes de agosto em diante e fizemos a finalização do trabalho, entre final de 2020 e início de 2021. A pandemia e o fato de não estar ainda morando na capital atrasaram um pouco esse processo de finalização.

WG –Como você vê o espaço do violinista popular está crescendo? Que projetos está desenhando para os próximos anos?

FM –Sim! O violino na música popular é um movimento que tem crescido bastante. E isso é muito bom! Como disse no início, o violino nos traz tantas possibilidades, como, por exemplo, de pensar no instrumento de forma harmônica ou até mesmo rítmica. E o mais importante, na minha opinião, é a liberdade que a música popular nos proporciona. Liberdade de criar, de improvisar, de interpretar, de arranjar.

Tenho algumas composições autorais que irei lançar brevemente, em um próximo trabalho já voltado para música popular brasileira, num contexto mais geral. Algumas dessas composições surgiram quando ainda estava na Inglaterra, outras depois que cheguei ao Brasil. Nesse trabalho provavelmente irei incluir também algumas composições de amigos e conterrâneos que vão agregar ainda mais à minha obra.

Também tenho planos de fazer um projeto com a música mineira, que também é muito importante pra mim e fez parte da minha trajetória. Mas isso é ainda apenas uma ideia, um esboço a ser trabalhado.

 

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