Lançamentos

Luciano Magno: solando como nunca, improvisando como poucos

Desde que coloquei o pé na estrada com o Clube de Jazz, interessei-me pela rica música instrumental criada em terras pernambucanas. Entre os músicos que pude conhecer, destaco Bruno Vitorino e Dom Ângelo, que já lançaram seus trabalhos aqui nesse site. Agora, esses mesmos músicos criaram em Recife, o inovador selo Boa Vista Jazz Records, que está, nesse momento, lançando o cd “Solo” de Luciano Magno. O violonista/guitarrista é um dos músicos mais influentes e criativos dentro do cenário da música dessa incrível terra. Nessa entrevista, Luciano nos conta sobre a sua trajetória musical, bem como nos apresenta o seu trabalho ‘Solo’ e anuncia seus futuros projetos.

 

Wilson Garzon – Como se deu sua formação musical em Recife? Que professores/escolas foram fundamentais para consolidar o teu estilo? Que guitarristas / músicos de jazz você destacaria nessa fase?
Luciano Magno – Comecei ainda garoto, autodidata, aprendendo com meu pai que tocava acordeom, mas também por revistas de cifra e principalmente ouvindo discos e tentando tirar as melodias e harmonias. Aprendi muitas progressões harmônicas do choro, da bossa nova e muita coisa da mpb em geral, ainda na infância. Foi uma base muito importante, pois quando fui morar no Recife já cheguei com uma certa bagagem de conhecimento empírico, mas precisava me aprofundar no conhecimento téorico, sobretudo na leitura musical.

Ingressei no CEMO (Centro de Educação Musical de Olinda) e em seguida fui para o Conservatório Pernambucano de Música, mas não conclui o curso porque já estava abarrotado de trabalhos musicais, naquela altura. Tive um professor particular que me ajudou muito na otimização da leitura musical, pois eu só conhecia cifra até os 16 anos. A leitura musical abriu um mundo de pesquisas para mim, naquele momento. Comecei a devorar os livros de Joe Pass, Ted Greene, Frank Gambale, Mick Goodrick e o The Jazz Book, do pianista Mark Levine.

WG – Em 2000 você lança seu primeiro cd, ‘Liberdade‘, pela Sony Music. Foi a partir daí que você se projetou no cenário do instrumental brasileiro?
LM – Sem dúvida nenhuma o fato de eu ter lançado o primeiro disco instrumental ainda naquele período do auge do CD, ajudou muito a dar uma projetada na minha carreira. A distribuição do álbum foi feita pela Sony Music, através do selo Polydisc e ele acabou chegando às revistas de música mais importantes para o estilo, bem como nas rádios e lojas de discos de todo país. Eu tinha tocado no Montreux Jazz Festival em 1999 e acabei voltando em 2000, já com o disco em mãos. Apresentei o show com o repertório do álbum e o presenteei para o Claude Nobs, saudoso fundador do festival.

 

 

WG – E o ‘Trio Sotaque‘ era uma reunião de amigos/parceiros musicais?
LM – O Trio Sotaque veio uns quatro anos depois, a partir de um disco que gravei em duo, com o pianista Fábio Valois. O pandeirista Raimundo Batista, participou de uma música no nosso show no Festival de Inverno de Garanhuns e aí, não deu mais pra ficar sem o balanço do pandeiro, rsrsrs. Fizemos muita coisa juntos, viajamos por vários anos, principalmente para a Europa. Era fácil de organizar projetos com um grupo mais resumido e a nossa relação era fácil, como irmãos que se gostam muito.

WG – Trajetória Instrumental‘ (2012) e ‘Estrada do Tempo‘ (2015) foram cds vencedores do Prêmio da Música de Pernambuco. Conte-nos um pouco sobre o conceito desses trabalhos.
LM – O “Trajetória Instrumental“, lançado em 2012 foi uma compilação de discos anteriores com a adição de alguns frevos meus que tinham sido finalistas do Concurso de Frevos do Recife, onde fui à final por seis anos consecutivos. Tive frevos contemplados como o “Pisando em Brasa” que ganhou o primeiro lugar na categoria frevo de rua e também recebi o prêmio de melhor arranjo do festival, em 2011. O frevo “Esquentadinho” ficou com o terceiro lugar em 2009 e posteriormente recebeu uma letra do saudoso mestre Moraes Moreira e acabei regravando-o no álbum “A Máquina” de 2016.

O “Estrada do Tempo” foi um disco que considero um dos mais importantes da minha carreira, mas infelizmente não lancei por gravadora. É um álbum muito maduro, coeso e que traz um tempero jazzístico associado à uma variedade de ritmos brasileiros dos mais importantes, como samba, bossa, frevo, baião, xote e até um maxixe. É todo autoral, com algumas parcerias com o flautista Márcio Resende, carioca, radicado em Fortaleza. Tem também a participação de Roberto Menescal que me presenteou com uma música intitulada “Samba Magno“. Gravamos juntos em seu estúdio, na Barra da Tijuca, no Rio. Posteriormente, o “Samba Magno” recebeu uma letra do cantor e compositor pernambucano André Rio, grande parceiro. Foi realmente um presente inesquecível que recebi de Menescal e André. “Samba Magno” é uma música muito ouvida no Spotify, sobretudo no exterior. Em 2019 lançamos o álbum “MPB Bossa” ao vivo (André Rio, Roberto Menescal e Luciano Magno) pelo selo Mins Music, selando muitos anos de palcos, shows e amizade.

 


WG –
Agora, em 2021, você está lançando ‘Solo‘ pelo selo Boa Vista Jazz Records. É o seu primeiro trabalho como solista? Há quanto tempo tinha pensado em realizar esse projeto?
LM – É o primeiro registro de guitarra SOLO em um álbum inteiro. Já tinha feito apresentação solo em teatros, festivais e alguma coisa isolada, em registros de internet, mas pensava em gravar um álbum com essa característica mais intimista. O convite de Angelo Mongiovi e Bruno Vitorino do selo recifense Boa Vista Jazz Records veio a calhar durante a pandemia e essa coisa toda do isolamento. Aceitei prontamente a ideia, pois é importante para movimentar e consolidar esse espaço jazzistíco na cena pernambucana e difundir ainda mais o meu trabalho pelo Brasil e pelo mundo. O disco já está sendo muito bem recebido e vejo uma perspectiva muito legal, numa retomada aos palcos de muitos festivais e teatros, quando essa pandemia passar.

WG – Como foi escolhido o repertório? Há músicas que foram compostas para ‘Solo‘? As outras músicas já foram gravadas em outros cds seus?

LM – Do convite inicial por parte do selo até a gravação do disco, tivemos pouco mais de um mês, então precisávamos agir rapidamente. Compus duas músicas novas, “Um alô pro Menesca” e “Beberibe Waltz” especialmente para a gravação do disco. Procurei também inserir músicas já conhecidas do meu repertório como “Esquentadinho” (Homenagem a Moraes Moreira) e “Pé de Bode” com uma adaptação para a guitarra solo. Essas músicas são mais difíceis de executar num trabalho solo, pois a primeira foi composta inicialmente para uma orquestra de frevos e a segunda é uma clara referência à sanfona nordestina, ambas com muitas notas na melodia.

Gravei mais duas músicas autorais que ainda não estavam em disco e que quase não lembrava, tendo de revisitá-las, “Fantasia Noturna” e “Chorinho pro Dominguinhos“. Fechando o disco, resolvi gravar “Recife Cidade Lendária“, uma obra prima de Capiba, a partir de um arranjo que fiz para orquestra de frevos e condensei para o violão. Esta música harmoniza com o conceito da arte do álbum e do próprio nome do selo, numa reverência ao Recife.

 


WG –
As gravações foram realizadas numa única sessão? Todas tipo ‘take one’? Que guitarras e violões você utilizou nas gravações?
LM – Exatamente, gravamos tudo num período entre as 15h e 21h00, num único período no sensacional Fábrica Estúdios, no Recife. O ambiente do Fábrica Estúdios é muito inspirador, pois tem aquele clima de desligamento da agonia da cidade. Ele fica localizado no bairro da Várzea, num antigo casarão com uma área verde imensa e o rio passando por trás… Utilizei as guitarras Godin 5th Avenue Kingpin Archtop e uma semi acústica Tagima Blues 3000. Usei também o violão Tagima Cafe 900, uma jóia da Tagima que também é usado por nomes como Gilberto Gil.

Usamos dois amplificadores microfonados em salas distintas e microfones no corpo e no braço das guitarras para captar o som real dos instrumentos. Os engenheiros de gravação foram Pablo Lopes e Paulo Umbelino. A mixagem e masterização ficou por conta de Pablo Lopes. Os meninos fizeram um trabalho sensacional na captura sonora e finalização do material.

WG – Quanto à divulgação, o que está sendo projetado nesses ‘tempos difíceis?
LM – A parceria com o selo Boa Vista Jazz Records vem com o intuito de somar forças na divulgação deste álbum. No primeiro momento, foi muito bem recebido nos grandes jornais pernambucanos e estamos concentrando forças nas redes sociais. Aos poucos e dentro das possibilidades, vamos distribuindo para o Brasil e também para blogs, rádios e canais no exterior. É um disco atemporal que não necessita daquela pressa habitual de um trabalho com um viés de sucesso pop.

 


WG –
Queria aqui abordar o seu lado didático: o livro ‘Guitarra no Frevo‘ virou uma referência? Há projetos para novos livros?
LM – Creio que o “Guitarra no Frevo” tem o papel de dar aquela instigada para quem ainda não conhece o gênero, mas tem vontade de se debruçar com a linguagem. É um livro com exemplos de melodias improvisadas sobre progressões de acordes que são efetivamente encontradas nos vários tipos de frevo, muito similares às progressões do jazz. O sotaque rítmico é o diferencial e nesse sentido ele é bem interessante mesmo. Estou com um livro sendo elaborado, é o Songbook com a maioria das minhas composições instrumentais. Espero encontrar tempo para terminar de escrevê-lo e viabilizar o lançamento ainda em 2021.

WG – O que está bolando no seu cenário para novos projetos futuros? Pretende compor para outras tipo câmera, orquestra…?
LM – Como falei anteriormente, compus muita coisa para orquestra de frevos, mas escrevi também arranjos para big band e fiz algumas incursões em arranjos para quarteto de cordas. De repente poderei retomar adiante algum projeto com formações maiores. Recentemente, a Rubacão Jazz Big Band, de João Pessoa, gravou duas músicas e arranjos de minha autoria. Até pensamos em gravar um álbum inteiro, juntos. Quem sabe?…

 

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https://boavistajazzrecords.bandcamp.com/album/solo