Glaw Nader cumpre a missão de dar voz negra à obra de Baden Powell
Augusto Pio, Estado de Minas, 04/04/2023
Ressignificar a música afro-brasileira e fazer justiça a artistas negros relegados a segundo plano. Com esse propósito, Glaw Nader lança Tempo de amor (Tratore), seu álbum de estreia, com 14 composições de Baden Powell (1937-2000) em parceria com Vinicius de Moraes, Paulo Cesar Pinheiro e Lula Freire.
“Berimbau”, “Canto de Xangô”, “Samba em prelúdio” e “Canto de Ossanha”, entre outros clássicos da música brasileira, ganharam releitura da cantora, compositora, pianista e arranjadora paulistana radicada em Belo Horizonte.
Exímio violonista e compositor aclamado, Baden Powell é autor negro interpretado sobretudo por cantoras e cantores brancos, especialmente Elis Regina.
“A escolha da obra de Baden vem exatamente do desejo de dar uma voz negra para suas composições”, diz Glaw.
Protagonismo em destaque
“A inspiração musical e estética deste lançamento está intimamente ligada ao trabalho da minha carreira, que é reverenciar a música afro-brasileira, bem como os compositores negros. Por meio da minha voz, quero reivindicar o lugar de protagonismo”.
O repertório é guiado pelo vocal de Glaw Nader e por banda formada por metais, percussão, violão, baixo, bateria e teclado, integrada por Ivan Corrêa (baixo), Gladston Vieira (bateria), Samuel Ekel (teclados e piano), Daniel Guedes (percussão), Breno Mendonça (saxofone), João Machala (trombone) e Ulisses Luciano (trompete). Os arranjos são assinados pelo guitarrista Samy Erick.
“Baden é uma das minhas grandes referências, assim como Moacir Santos e Tânia Maria”, conta ela. Sua pesquisa sobre o autor fluminense, envolvendo também afrossambas e sambas de terreiro, começou há sete anos. “O disco ‘Os afro-sambas’ (1966) foi um start para mim”, diz, referindo-se ao histórico álbum que reuniu composições de Baden e Vinicius de Moraes.
“Na pesquisa, descobri que a mídia da época elegeu o álbum como um disco capaz de enegrecer a música brasileira. Mas, curiosamente, o único elemento negro na ficha técnica é o Baden Powell. As vozes eram do Quarteto em Cy e de Vinicius de Moraes, os arranjos do maestro Guerra-Peixe. Então, o elemento negro que tornou os afrossambas um divisor da música popular brasileira foi o Baden, um gênio.”
Para chegar ao repertório, foi necessária profunda imersão na obra do compositor.
“Ouvi 84 canções. Fiquei um mês ouvindo, dando um descanso para o ouvido, escutando de novo com calma. Inicialmente, escolhi 21 canções, Obviamente, não gravaria as 21”.
A cantora, Samy Erick, Ivan Corrêa e Gladston Vieira fizeram show no Café com Letras, em BH, para testar o repertório.
“A gente pegou as 21 músicas e experimentamos com o público a resposta ao repertório. Aí falamos: vamos fechar o disco em 13. Fiz uma forcinha e incluí a 14ª. Foi muito difícil, porque me identifico com a obra do Baden, além de as composições dele serem muito primorosas”.
“Canto de Xangô” é a canção mais gravada do compositor e violonista.
“No streaming, é a música que as pessoas ouvem primeiro. Engraçado, só tive acesso a essas informações depois que lancei o EP que leva nome desta música”, diz Glaw. “Vinicius foi a grande parceria da vida dele, com maior número de músicas, seguido por Paulo César Pinheiro”.
Outra faixa é especial para ela.
“Tenho um amor imenso por ‘Cidade vazia‘. Não é das mais famosas, diriam inclusive que seria o lado B de Baden. É parceria dele com o Lula Freire.”
Glaw lançou o EP “Canto de Xangô”, com quatro faixas do LP ‘Os afro-sambas‘. Lançou também “Samba em Prelúdio”, duo com Sérgio Pererê, seguido pelo EP “Cai dentro”, com parcerias de Baden com Paulo César Pinheiro.
Novo discurso
Outro desafio marcou o projeto de Glaw Nader: a roupagem que seria dada às canções.
“Sami escreveu os arranjos, e eu tinha em mente o Baden que gostaria de mostrar para o mundo”, diz ela. A presença de instrumentos de percussão e o violão modal remetem ao estilo característico do homenageado.
“Uma dificuldade que eu e Sami tivemos foram músicas emblemáticas que já têm um discurso já cristalizado. Ou seja, trazer uma roupagem que faça jus à obra de Baden Powell, traga um elemento novo além de uma voz negra cantando Baden Powell”.
Glaw conta que seu contato com Baden Powell começou na infância.
“Sou pianista de música instrumental e ele sempre está no meu repertório. Quando não estou cantando Baden, estou tocando Baden Powell. Não estou ‘só’ reverenciando este compositor – ele é parte daquilo que me compõe como artista”.
Os clipes de “Canto de Xangô”, “Samba em prelúdio”, “Cai dentro” e “Tempo de amor” podem ser conferidos no canal da cantora no YouTube.