Augusto Pio, jornal ‘Estado de Minas, 08/11/2022
Maria Bethânia diz que é dele o baixo mais requisitado do mundo. Caetano Veloso o chama de “Doce Jorge”. Ambos se referem ao cearense Jorge Helder, que dedicou 40 de seus 60 anos à música e acaba de lançar o disco solo “Caroá” (Biscoito Fino), o segundo de sua carreira.
São muitos os convidados especiais: o saxofonista carioca Zé Nogueira (“Impressão perfume”), o cantor e compositor mineiro Sérgio Santos (“Santos de casa”), a cantora paulista Mônica Salmaso (“Lugar sem tempo”) e o cantor e compositor capixaba Zé Renato (“Miguilim”). Também estão lá os instrumentistas lá Chico Pinheiro (guitarra), Hélio Alves (piano), Tutty Moreno (bateria) e Marcelo Costa (percussão).
“Caroá” é um disco nordestino. Jorge explica que o título se refere à bromélia de flores vermelhas e rosadas, típica da caatinga, cujas folhas fornecem fibra para a confecção de barbantes, redes, tecidos e esteirsa. O álbum surgiu da pesquisa do contrabaixista sobre temáticas ligadas à sua terra. Aliás, foi Luiz Gonzaga quem compôs e gravou “Arrancando caroá”, lançada nos anos 1940.
A fotógrafa pernambucana Géssica Amorim, que assina a capa do disco, contou para Jorge Helder que o caroá deu e dá sustento a muitas famílias nordestinas, inclusive a de Gonzagão.
O projeto surgiu do encontro de Helder com o maestro baiano Letieres Leite (1959-2021). “Infelizmente, ele nos deixou durante a pandemia, vítima da COVID-19. Gostei muito de trabalhar com Letieres num disco da Maria Bethânia. Ele me mostrou vários trabalhos seus com a Orkestra Rumpillez, além de coisas que gravou com o maestro pernambucano Moacir Santos”, conta o instrumentista.
Jorge compunha as músicas de seu disco solo enquanto a pandemia castigava o Brasil.
“Quando Letieres partiu, fiquei meio desanimado, desestimulado. Disse para mim mesmo: depois penso nisso. Mas com a ajuda de meus filhos, que me incentivaram muito, fui continuando aos poucos. Acabei compondo o restante das músicas e as deixei guardadas. Pensava: quando esta pandemia melhorar um pouco, vou procurar algum lugar para gravar.”
Helder fechou com a gravadora Biscoito Fino e convidou para participar dele dois instrumentistas que moram em Nova York: Chico Pinheiro e Hélio Alves.
“Chamei também o Tutty Moreno e o Marcelo Costa. Aliás, eu, Tutty e o Hélio já tocamos juntos várias vezes acompanhando a cantora e compositora Joyce Moreno. Então, já havia a nossa sintonia musical. Sou fã de carteirinha do Chico Pinheiro. É um cara jovem, com muita vontade e cheio de boas ideias, além de ser gente fina.”
Marcelo Costa é velho conhecido. “O chamo de meu produtor”, conta Helder. “Juntei o quinteto e gravamos o disco em janeiro deste ano, mas só estamos lançando agora”, afirma, ressaltando o apoio da gravadora Biscoito Fino a seu projeto solo.
Sérgio Santos batiza faixa
Outra presença importante é a do cantor e compositor mineiro Sérgio Santos em “Santos de casa”, inspirada em Moacir Santos (1926-2006).
“Fiz a mistura de Moacir Santos com Letieres Leite, porém a canção não tinha nome. Quando o Sérgio colocou a voz, logo veio à cabeça ‘Santos de casa’”, diz.
Helder destaca também o empenho da fotógrafa pernambucana Géssica Amorim, amiga de sua filha. “Ela foi fazer as fotos na cidade onde Moacir Santos nasceu, Serra Talhada (PE)”, conta.
“O disco foi uma coisa muito sintonizada, de forma natural. As coisas foram acontecendo de forma espontânea, tudo se encaixando.”
No final deste mês, “Caroá” será lançado no formato CD. Em dezembro, Jorge Helder planeja subir ao palco da Casa de Francisca, em São Paulo, no show que vai contar com Chico Pinheiro e Hélio Alves.
“Eles vêm de Nova York e vamos formar novamente o quinteto que gravou o disco.” O clipe de “Confluências” foi disponibilizado no YouTube. A turnê fica para 2023 – atualmente, ele acompanha Chico Buarque na turnê “Que tal um samba?”.
Bandolim, guitarra e rock
Jorge Helder – quem diria – virou baixista a contragosto.
“Comecei no bandolim, em Fortaleza, mas depois passei para o baixo. Foi até uma imposição, pois estudava em colégio que tinha um conjunto musical. Queria tocar guitarra, mas não tinha vaga de guitarrista. Meio contra a minha vontade, assumi o baixo.”
Na adolescência, Jorge teve seu momento rock and roll. “Um dos meus irmãos gostava muito dos Beatles. Para aprender, comecei a tirar os baixos do Paul McCartney, mas não que isso tenha me influenciado”, diz.
Jorge Helder se mudou para Brasília, onde estudou música e ficou amigo de Zélia Duncan e Cassia Eller – então, jovens talentos como ele. E teve sua fase Jaco Pastorius, como todo baixista. O norte-americano, que morreu em 1987, aos 35 anos, é uma lenda do jazz.
Outra influência veio de Luizão Maia (1949-2005). “Tive a sorte de ser amigo dele. Todas as vezes que Luizão ia tocar, eu ficava na plateia observando o que ele ia fazer. Grande músico, grande camarada”, diz Jorge.
Instrumentista requisitado, Jorge Helder acompanha meio mundo da MPB: faz parte da banda de Chico Buarque desde 1993, tocou com Rosa Passos, Zélia Duncan, Maria Bethânia, Sandra de Sá, Ney Matogrosso, Gal Costa, Cássia Eller, Caetano Veloso, Edu Lobo e João Bosco, entre muitos outros. Participou de mais de 350 gravações.
“Estou sempre aprendendo e, com grande alegria, tenho a oportunidade agora de colocar tudo isso em pratica? no álbum ‘Caroa?’”, afirma.