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L.I.K.E. de Maldonado & Carter + Aluê de Airto

Vitoria Maldonado e Ron Carter lançam disco de jazz

Julio Maria, O Estado de S.Paulo, 08 Abril 2018

Vitoria Maldonado está ao lado de Ron Carter na capa do disco. A brasileira pianista com dois álbuns lançados (Vitoria, de 1994, e O que está acontecendo comigo, de 2011), vive um momento de auge. Além de estar com um dos maiores baixistas do mundo, seu álbum de nome Brasil L.I.K.E. (Love, Inspiration, Knowledge, Energy) tem uma constelação para rearranjar, em sua maioria, temas de standards do jazz norte-americano. Ao lado deles aparecem Adoro o Teu Sorriso (da própria Maldonado), Lugar Comum (de João Donato e Gilberto Gil) e Saudade, (Maldonado e Ron Carter).

O maestro Ruriá Duprat, sobrinho do tropicalista Rogério Duprat, assina a produção artística e conduz a orquestra. O saxofonista Proveta toca em They Can’t Take That Away From Me; Roberto Menescal, violonista, aparece em There Will Never Be Another You, Que Reste-t-Il de Nos Amours e All Of Me; e o trompetista Randy Brecker está em Night and Day.

A mãe de Maldonado tocava piano clássico e o pai gostava de cantar. Ela acabou estudando piano na adolescência com Marina Brandão, com Amilson Godoy e com Gogô (Hilton Valente). Fez ainda composição com Oswaldo Lacerda, antes de seguir para Berklee (EUA), onde se formou em composição e regência. Ao retornar ao Brasil, no final dos 1980, passou uma temporada no Rio de Janeiro e chegou a formar uma dupla com a cantora Marisa Monte, que já fazia apresentações pela noite.

Sobre a costura do disco, ela conta que conheceu Ron Carter em sua casa, na véspera da gravação. Antes disso, eles haviam se falado por telefone: “Eu estava em Nova York, de férias, quando recebi um telefonema do pianista Michel Freidenson me contando que o Ron Carter e seu quarteto estavam em turnê pelo Brasil e que ele estava procurando algum artista brasileiro para fazer um novo álbum. Eu já estava planejando gravar um disco com meus standards americanos prediletos unindo o jazz à bossa nova com um repertório que eu já estava me apresentando em jazz clubs de São Paulo. Isso chegou aos ouvidos do Ron e ele me convidou a gravar com ele e o quarteto. Me senti muito lisonjeada. Ron é uma lenda viva do jazz, com um vivência musical gigantesca e com quem eu aprendi muita coisa.

Um vídeo de divulgação do projeto de Maldonado a mostra em estúdio, durante a gravação do disco. Em um momento, ela pede a Ron Carter para incluírem Georgia On My Mind. Ele aponta para Renee Rosnes, a pianista, e diz que aceita se ela também aceitar. Maldonado vai até o piano de Renee e mostra como quer a música. Sobre o clima das gravações, Maldonado fala: “O Ron é um músico excepcional, apaixonado pelo que faz, e com uma grande disposição para fazer coisas novas. Aliás, foi daí que veio o nome do disco L. I. K. E. (Love, Inspiration, Knowledge, Energy). Depois de passar o dia inteiro gravando, ainda teve energia para mais uma música que eu não havia planejado, mas que senti que soaria muito bem com o quarteto. E foi assim, com apenas alguns acordes que eu havia rabiscado, que gravamos Georgia on my Mind.”

Se o seu disco é estrategicamente pensando para um público fora do Brasil? “Acredito que esse repertório seja internacional e atemporal. São clássicos da música americana e brasileira. Mas pensando no mercado brasileiro, gravei todas as faixas em inglês e português. As que estão em inglês foram versionadas por Carlos Rennó e estão prontas. Só não lancei ainda porque não consegui liberação das editoras americanas.”

 

Airto Moreira lança primeiro disco feito em solo brasileiro

Ana Clara Brant , O Estado de MInas,16/07/2018

Airto Moreira é daquelas poucas pessoas consideradas uma sumidade. E, mais do que isso, é unanimidade no mundo musical. Apontado como um dos grandes percussionistas do mundo, esse catarinense de Itaiópolis fez carreira nos Estados Unidos, onde vive desde o final dos anos 1960. Curiosamente, após meio século em solo norte-americano, o filho pródigo voltou ao Brasil para lançar o seu primeiro trabalho tocando só com músicos de seu país e gravado no Brasil. “Este é o meu primeiro álbum solo no Brasil, porque as gravadoras brasileiras alegavam que música brasileira tem no Brasil e jazz eles importam dos Estados Unidos”, justifica.

Aluê (Selo Sesc) traz, ao mesmo tempo, sonoridade bem abrasileirada, genuína, mas também sofisticada. Provavelmente influência do jazz, que o artista de 76 anos tanto conhece. Aliás, o percussionista e cantor tocou ao lado da lenda Miles Davis (1925-1991) e de outros músicos de primeira grandeza – Dizzy Gillespie, Chick Corea, Herbie Hancock, Paul Simon, Santana e Quincy Jones. “Tanto minha sonoridade quanto a música que toco chamo de brazilian jazz. O fato de ter gravado esse álbum no Brasil naturalmente influenciou na direção e no conteúdo do resultado final.”

A imagem da capa já causa impacto. Mostra um galo marrom em fundo colorido e é Brown rooster, pintura de Aldo Sampieri. A magistral Aluê é a faixa escolhida para batizar e abrir o disco. Composta com a parceira de vida e trabalho, a cantora e compositora Flora Purim, a canção define a tônica e o conceito do álbum, apresentando mistura de ritmos, instrumentos e vozes. Com direção artística do próprio Airto, ele conta que o nome nasceu numa “viagem psicodélica”, quando ele e Flora estavam em uma praia, na Califórnia dos anos 1970. “Para mim, Aluê significa bom dia e é como o galo cantando de manhã.”

Gravado em estúdio de uma fazenda no interior de São Paulo, o projeto começou com um telefonema do produtor e baterista Carlos Ezequiel. Foi dele a ideia de fazer o disco no Brasil. “Daí pra frente, as coisas foram se encaixando naturalmente, inclusive, a escolha do estúdio, lugar onde já gravaram grandes músicos brasileiros”, acrescenta. O CD conta com o próprio Carlos Ezequiel (bateria e produção), José Neto (guitarra), a filha Diana Purim (voz), Sizão Machado (contrabaixo), Fabio Leandro (piano), Vitor Alcântara (saxofones).

Diana é o fruto do da minha união com a Flora e, desde criança, manifestou grande sensibilidade musical. O guitarrista José Neto já é meu parceiro há mais de 30 anos e, além de tocar, é um grande arranjador. Sua energia é altamente positiva. O baixista Sizão Machado tem a versatilidade de tocar acústico e elétrico e pode executar qualquer tipo de música. Ele contribuiu muito para o resultado final. Já o saxofonista e flautista Vitor Alcântara foi indicado pelo Carlos Ezequiel e nos conhecemos durante os ensaios. Ele se encaixou facilmente ao som e ao estilo de música que gravamos. Fábio Leandro toca piano e teclado e é muito bom tanto solando como acompanhando, o que é uma coisa muito difícil. E o Carlos Ezequiel conhece minha música a fundo. Além de tocar música brasileira, tem bom conhecimento de jazz”, analisa.

O “primeiro disco brasileiro” de Airto Moreira faz revisão de discos importantes de sua carreira. A própria música-título, Aluê, é do primeiro trabalho solo de Airto, Natural feelings (1970). Mas o álbum traz também três composições inéditas: Rosa negra, Guarany e Não sei pra onde, mas vai. Uma das mais belas é Lua Flora (Flora Purim e José Neto), com participação do pandeiro de Krishna Booker, casado com Diana e genro de Flora e Airto.

Airto Moreira. que teve como primeiro instrumento um pandeiro de plástico presenteado pela avó. se diz um cidadão do mundo, mas revela que quer passar os últimos dias de vida no Brasil. Considerado um dos músicos brasileiros mais influentes fora do país e vivendo nos Estados Unidos desde 1967, nunca se esqueceu de sua origem. “Sempre dava um jeito de tocar de uma maneira que expressasse minhas raízes. Aliás, nunca me naturalizei norte-americano e meu passaporte é brasileiro. Para mim, música é vida. Quando toco. sinto-me totalmente livre do mundo.”