Lee Konitz, 90 anos
Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil, 07/10/2017
Jazz master comemora a data tocando seu sax alto, ao vivo, em Nova York e Washington.
Na próxima sexta-feira (13/10), Lee Konitz completa 90 anos de vida. E, por incrível que pareça, o jazz master vai comemorar o feito soprando o seu saxofone alto em dois renomados palcos. Nesta segunda-feira, a celebração será no clube Blue Note, Nova York; no sábado seguinte (14/10), a apresentação de Konitz terá lugar no auditório do John F. Kennedy Center, Washington, D.C.
Nas duas festas, esse santo do jazz canonizado em vida deverá tocar na companhia do trio com o qual gravou, em dezembro de 2015, o recém-lançado álbum Frescalalto (Impulse!): Kenny Barron (piano), Peter Washington (baixo) e Kenny Washington (bateria).
No meu livro Obras-Primas do Jazz (Jorge Zahar Editor, 1986) assim procurei situar o saxofonista no panorama do jazz (ainda) dito moderno:
“Não foi por acaso que Lee Konitz participou das sessões-marcos do jazz moderno gravadas pela Capitol, em 1949: a ‘Birth of the Cool’, de janeiro e abril; e a do quinteto de Lennie Tristano, de maio.
Seu som novo, puro, polido, cristalino – ideal para exprimir seus desenhos melódicos abstratos que preferiam as alturas do registro agudo do sax alto – já tinha sido reconhecido como uma alternativa atraente para o estilo abrasador de Charlie Parker. Suas concepções de tempo e harmonia ajustavam-se aos ideais musicais do noneto de Miles Davis e do quinteto de Tristano.
Mas Konitz – que à época tinha apenas 22 anos – não pode ser visto, simplesmente como um sobrevivente do nascimento do cool jazz, ou como um dos dois ou três portadores vivos da mensagem de Tristano. Embora respeitando a essência dos ensinamentos de Tristano, Lee Konitz é um discípulo emancipado da sua escola, como provam os registros fonográficos de uma obra sempre em desenvolvimento que tem, ainda hoje, brilhante curso”.
Como líder ou colíder, o agora nonagenário saxofonista gravou mais de 150 álbuns (a partir dos primeiros LPs de 10 polegadas para o selo Prestige). Da sua discografia mais “recente” (últimos 40 anos) destacam-se os registros do seu noneto para a Chiaroscuro (Nonet, 1977) e a Steeplechase (Yes, Yes, 1979); do New Nonet (OminiTone, 2005), com arranjos de Ohad Talmor; e Live at Birdland (ECM), gravado ao vivo naquele clube de Nova York, em 2009, num dream quartet com o pianista Brad Mehldau e os já falecidos Paulo Motian (bateria) e Charlie Haden (baixo).
No seu mais recente CD, Frescalalto, Konitz revisita, com o apoio do seu atual trio, nove temas de sua particular afeição, começando por Stella by starlight (9m35), o standard de Victor Young, que merece do saxofonista uma sublime introdução a capella de um minuto. Em tempo médio ou mais rápido, o agora nonagenário herói do jazz lidera o quarteto, sem jamais perder o fio da meada, em Thingin’ (6m25), sua “reinvenção” de All the things you are; em Kary’s trance (4m55), de sua lavra; e em Cherokee (3m55), com destaque para o solo em tempo dobrado do pianista Kenny Barron.
Mas Konitz é sempre surpreendente. E em Darn that dream (5m15) e Out of nowhere (7m25) ele não se limita ao sax alto. Brinda-nos com solos em scat singing, a voz um tanto roufenha e até “negroide”, lembrando a arte de mestre Jon Hendricks (ainda vivo, aos 96 anos, mas evidentemente afastado dos palcos e dos estúdios desde 2015).
É claro que o peso dos anos terá amainado a intensidade do sopro de Konitz, limitando um pouco sua capacidade respiratória. Mas o seu segundo solo em Stella, de um minuto e meio, e o de Out of nowhere, um pouco mais longo, mostram que ele continua a seguir aquele sábiodictum: “A música exige o alerta da inteligência e o descuido da emoção”.