Argentina

Lucio Balduini e o trio como liberdade expressiva

Fernando Ríos, 14/08/2024

Já disponível nas plataformas digitais, No Fundo do Mar, o novo álbum com composições próprias de Lucio Balduini reafirma a trajetória criativa do guitarrista. No trio, Balduini está ao lado de Pipi Piazzolla (bateria) e Mariano Sívori (contrabaixo).

Naquele distante 2007, Lucio Balduini surpreendeu a cena jazzística com Lucecita, seu primeiro disco em formato trio. Logo foi seguido por Viento divino, já em quarteto com Pipi Piazzolla, Mariano Sívori e Jesús Fernández e El Bosque Brillante, (Prêmio Gardel 2018), com Piazzolla, Sívori e Esteban Sehinkman; ambos produzidos no selo do Club del Disco.

Quase quatro anos se passaram até que Balduini retornasse aos estúdios, para um novo álbum e uma nova reviravolta em sua carreira ascendente. O resultado desse retorno foi o notável Para ir, seu álbum tributo a Luis Alberto Spinetta, com oito de suas canções executadas ao violão e com a produção apurada de Ernesto Snajer.

Agora um novo trabalho faz parte da dinâmica criativa do violonista nascido no Rio Negro. En el Fondo del Mar, dez composições próprias e um trio que é perfeitamente conhecido. “Consegui cristalizar neste trabalho muitas das coisas que gosto como ouvinte”, diz Balduini.

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Depois de dois álbuns de quarteto e um de guitarra solo, com En el Fondo del Mar você retorna ao formato trio.
Sim claro. Meu primeiro álbum, Lucecita, foi um trio. Depois gravamos em quarteto, primeiro com Jesús e depois com Esteban, mas sempre com Mariano e Pipi. Porque o início foi o trio, há muitos anos, em 2007, 2008. Conhendo muito bem o Pipi e o Mariano, é muito bom tocar com eles e por isso sempre houve a ideia de voltar a essa formação.

O que fez você decidir gravar novamente com a formação original?
Fiquei motivado pela ideia de trabalhar harmonia e melodia ao mesmo tempo. Resolvo isso na guitarra. Acontece que quando você toca em quarteto com outro instrumento harmônico você divide essa função. Às vezes você faz o harmônico, outras vezes você faz o melódico. Mas agora, quando comecei a compor, vi que os temas que surgiram tinham aquela carga conceptual de que vos falo. Houve um acompanhamento que eu criei, mas ao mesmo tempo surgiu uma melodia. Lembro-me que naquela altura em que decidi montar um quarteto depois de Lucecita, foi porque tinha percebido que havia questões que não conseguia resolver num trio, que precisava de outro instrumento harmônico.

O que estava acontecendo que você não conseguiu resolver?
Eu montava uma harmonia e aí surgia uma melodia e eu não conseguia sustentar tudo isso no violão. Mas agora, com este álbum aconteceu o contrário. Fui desenvolvendo os temas que finalmente me deram a possibilidade de seguir esse caminho.


Esta impossibilidade foi por motivos técnicos ou teve outro motivo?
Não, não foi técnico. Na verdade, senti que a música não pedia isso. Eu queria fazer isso, mas a música não estava lá. Tudo já estava mais resolvido desde a estrutura, desde o próprio quarteto. Apareceram algumas texturas que pediam isso, como em El Bosque Brillante , (N de R: seu terceiro álbum) . Mas ao contrário disso, aqui há muito mais espaço. Tem mais a ver com o ar que o formato trio te dá. Ter os alicerces desse formato me deu muito mais liberdade no estúdio para expandir nessa direção, o que me fascina.

Parece que este projeto cristaliza um desejo antigo…
Sim, há muito tempo estou motivado pela ideia de ter mais espaço no estúdio, como neste álbum, para poder adicionar mais guitarras. Porque em última análise estamos a falar de um trio, mas a verdade é que nem sempre o que se ouve no disco é um trio. Às vezes sim, mas em outras tem mais guitarras, efeitos. Na música Echoes, por exemplo, há duas guitarras que fazem a mesma coisa, uma acústica e outra elétrica. Esse tipo de coisa, que gosto muito como ouvinte, é o que consegui agora cristalizar neste trabalho.

Quando você estava compondo, você já sabia que tudo ia levar a esse formato de trio?
Sim, eu tinha quase certeza que seria nesse formato, porque as músicas que surgiram tinham aquela coerência do trio. Com o violão fazendo um acompanhamento bem definido. Às vezes um arpejo. Às vezes uma ideia rítmica, com poucas notas, mas definindo a harmonia. E sobre isso alguma melodia. Adoro aquele espaço no violão, de instrumento harmônico e melódico. Claro que você precisa saber como navegar. Dependendo do registro ou da música que você vai fazer pode ou não ficar mais difícil, mas é algo que você vai aprender e eu toco há anos, então sai de forma intuitiva.

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Tendo em conta os anos que passaram, sente que tem uma voz pessoal, um som próprio?
O que sinto é que tenho uma maneira de pensar sobre o instrumento. Uma maneira de abordar isso. Ao longo dos anos, com estudo, desenvolvi certas formas, um determinado sistema que fez sentido para mim. Tudo isso se traduz ou se torna uma linguagem, um conceito que pode se tornar pessoal. Mas basicamente eu diria que o que procuro sempre é uma ideia, um espaço que eu goste, que me dê prazer.

E o que acontece quando você leva isso para um grupo que não é o seu, que tem outra liderança?
Isso também é algo que me interessa muito e que exercitei ao longo de todos esses anos e em diversos projetos. Procuro me adaptar ao grupo, à voz do grupo. Mas também é verdade que existem algumas diferenças aí. Um grupo com contrabaixo não é o mesmo que sem ele. Por isso no trio de Pipi, violão, sax e bateria, há um espaço muito grande para o violão. Essa amplitude de registro é algo que considero muito interessante, muito divertido.

E a ausência do contrabaixo não está coberta aí?
Não. Pipi deixou isso claro desde o início. Ninguém teve que cumprir a função de baixo ali. Não há intenção de que isso aconteça. Agora também é verdade que há questões que o exigem. Que a linha do baixo é o DNA da música. Então você tem que trabalhar porque tem que soar. Isso é sentido bastante em Russian Ark, o primeiro álbum do trio. Em Transmutation e em Rat não há nada disso e eu diria o mesmo em Stick Shot, o último.

 

 

E para onde vai a música nova, aquela que eles fazem agora nos shows?
Outro dia eu estava contando para Pipi e Damián (Fogiel). Acho que estamos voltando para a cor da Arca Russa. No novo repertório estou usando muito a oitava, algo que fiz muito nesse primeiro disco. Mas além de tudo isso, o trio da Pipi é algo que me dá muita liberdade, desde o harmônico, até o melódico. o rítmico, ou das texturas também. Tudo isto é algo que gosto muito e que também está expresso e muito presente no meu último álbum.

E onde você coloca sua ênfase como compositor? Sinto que o melódico tem muito destaque nos seus álbuns.
Sim, totalmente. Esse mundo me chama. Estou sempre procurando entre melodias e algumas coisas mais abstratas. Mas há sempre um conteúdo lírico nas minhas músicas.

Você estava falando sobre como a pós-produção em estúdio permite adicionar guitarras e efeitos. Como você resolve isso ao vivo, já que vocês ainda são um trio?
Acho que são dois mundos diferentes que devem ser delimitados. O álbum permite explorar muitos aspectos. Mas é apenas uma foto de um momento. A live pode não conseguir reproduzir isso, mas pode te dar outras coisas. O grupo já conhece bem os temas, então novas perspectivas chegam. A contribuição de cada um. A improvisação. E isso também é muito bom. Por isso a live é tão linda, tão criativa. Nisso é incomparável.