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O flautista e saxofonista Dado Prates se despede desse mundo

Depois de Ellis Marsalis, Lee Konitz, McCoy Tyner, Aldir Blanc e outros tantos músicos de alta linhagem, o mal desse século chega à nossa porta e nos leva  a arte da flauta e do sax desse grande músico mineiro Dado Prates. Velho conhecido das quintas noturnas do Cozinha de Minas, Dado lançou em 2004, seu cd autoral ‘Brasilidade’, que contou com as honrosas participações de Juarez Moreira, Túlio Mourão, Clóvis Aguiar, Limão, Celsinho Moreira e Milton Ramos, entre outros. Dado Prates participou da trilha sonora do filme “O Vestido”, teve música incluída em coletânea da extinta gravadora Velas, de Ivan Lins e Vitor Martins.

Patrícia Cassese, jornal ‘O Tempo’, 12/05/2020

Na noite da segunda-feira, a cena musical mineira foi tomada de assombro com a notícia do falecimento do saxofonista, flautista, arranjador e compositor Dado Prates, ou simplesmente Dadado, como era chamado pelos amigos. Ele, que neste 2020 completaria 61 anos, sofreu uma parada cardíaca. O sepultamento aconteceu pela manhã desta terça, no Cemitério Parque da Colina, com poucos presentes, de acordo com as recomendações para a atual pandemia do novo coronavírus. Instrumentista de destaque na cena nacional, estudou com nomes como Juvenal Dias (flauta), Noé Lourenço (canto coral), Cláudia Cimbleris (teoria musical e arranjo), Mauro Senise (saxofone), Paulo Moura (arranjo para metais), Odette Ernst Dias (flauta) e Roberto Gnatalli (análise musical). Atuou ao lado de músicos como Milton Nascimento, Túlio Mourão, Tadeu Franco, Tunai e Paulinho Pedra Azul, entre outros.

 

Vários amigos e colegas lamentaram a morte precoce de Prates. Caso da jornalista e escritora Malluh Praxedes. “Estou completamente atordoada. Dado Prates era daquelas pessoas com as quais a gente se encanta de pronto. Um cara com inúmeras qualidades: um sorriso lindo, muito gentil, inteligente e uma cultura invejável. E com sua sensibilidade musical alcançava o mundo: letra e música. Difícil conseguir parar de ouvi-lo. Escrevia muito bem e deixou comigo textos para um livro que pretendia publicar… Poeta no gesto, na fala. Já está fazendo falta“, declarou. Malluh, que toca o projeto “Entrevista Musical”, que reúne música e bate-papo conduzido por ela, acrescenta que Dado Prates seria um dos próximos convidados.

O percussionista Bill Lucas, que integrou junto com Dado o extinto grupo Central do Brasil, dedicado ao choro, também falou sobre o amigo. “Uma das pessoas mais generosas, amigas e alegres que conheci. Com a sua alegria, contagiava o ambiente. Contava piada o tempo inteiro – a maioria não tinha graça alguma, mas ele ria tanto das próprias piadas que a gente acabava rindo também”, disse, emocionado. “Como músico, era excepcional. Foi uma época deliciosa, a do Central do Brasil. Eu, Dadado, Caxi Rajão, Cadinho, Branco. Dadado tocava flauta e bandolim com maestria. Tirava um som lindo nos instrumentos, também tocava saxofone. Tinha suingue, era um cara inspirado. E muito inteligente, com uma percepção fina do Brasil e da sociedade brasileira. Um amigo imenso, imenso“.

O compositor e pianista Clóvis Aguiar, lembra que Dado Prates foi o instrumentista com quem mais tocou na cena musical de BH. “A gente se apresentava muito no (extinto restaurante) Cozinha de Minas, ali, na avenida do Contorno. Toda quinta, durante uns quatro anos. Beto Guedes ia lá ver a gente, e por meio dele, conhecemos o Milton Nascimento. Também fizemos muitos casamentos e shows, gravei no cd dele, e ele no meu. Depois, acabamos nos distanciando um pouco, ele morou um certo tempo em Nova Lima, parece que agora morava no Carlos Prates. Triste saber que um cara tão carismático teve que ser sepultado assim, com tão poucas pessoas presentes e numa cerimônia rápida“.

 

Aguiar se lembra, ainda, que os dois, junto a Paulinho Pedra Azul, viajaram Minas afora. “E ele sempre se atrasava, não sabia chegar na hora. Nunca. Uma vez, fomos fazer um show em Ipatinga e acabou que eu e o Paulinho tivemos que ir sem ele (pelo atraso)”, ri, ao se lembrar. O músico também se recorda que os dois adoravam falar sobre a França, onde ambos moraram. “Eu por oito anos, ele por um, mas o suficiente para aprender o francês. Aliás, eu chamava ele de Dadô”.

Muito emocionada, a cantora Ana Cristina relembrou que ela e Dadado se conheceram “logo quando comecei a cantar”. “Ele flautista e letrista exímio, melodista fabuloso. Veio de uma raiz onde a cultura era fundamental. Tinha uma carga, um conteúdo, uma bagagem cultural como eu vejo em poucos músicos do mundo, mesmo. Era muito alicerçado em palavras e melodias. Lia muito e tinha os pais como referência. Me chamou, quando eu ainda era jovenzinha, 17, 18 anos, para fazer umas demos. Ele, Robertinho Brant e Flávio Henrique. E eu guardei a fita K-7 desse período. Há alguns anos, a achei e consegui, eu mesma, passar para o computador e devolver a eles essas canções. O Flávio (Henrique, falecido em 2018) ficou muito emocionado. Robertinho também, tanto que usou em alguns trabalhos dele, resgatou algumas canções. E o Dado chorou muito, muito, muito, porque tinha coisas preciosas ali. Tenho essa mania de guardar gravações antigas“.

Em sua trajetória artística, Ana Cristina gravou “História Sem Fim”, parceria de Prates com Flávio Henrique. “Eu gravei na demo uma versão deles, com o arranjo deles, que é maravilhoso. Depois gravei no meu CD ‘Outras Esquinas’, mas com arranjo do Nelson Angelo. A gente conviveu muito proximamente, viajou quando o meu filho nasceu, e eu viajava muito com ele e o Caxi Rajão, para eles tocarem no interior. Eu acompanhando, meio que de produtora dos dois. O Dado passou por momentos difíceis quando perdeu o pai, mas teve a consciência e a força para se recuperar, e estava bem, positivo, animado, compondo de novo”. A cantora também cita um fato curioso o qual se deu conta nesta quarentena. “Nesse meu momento de isolamento social, no qual me reconectei de certa forma com os instrumentos, uma das músicas que toda noite, toda noite, vêm à minha cabeça quando pego o violão para tentar tocar de novo foi a que fiz para ele, ‘Pássaro Noturno’. E tem uma semana que isso vem acontecendo. A notícia (do falecimento) foi uma bofetada que levei. Não consegui dormir, não queria acordar, é muito triste, está sendo um pesadelo”.

O saxofonista Chico Amaral lembra como muitas vezes os caminhos de ambos foi similar e, em outros, estavam em direção diametralmente oposta. “Começamos mais ou menos na mesma época, nos anos 80. Ele começou na flauta, rodou bastante, tocou com muita gente, depois foi para o sax alto. Eu comecei como guitarrista, abracei o sax e, agora, estou estudando flauta. Um ponto em comum é que também comecei a minha vida profissional tocando choro. O Dado Prates era uma pessoa muito agradável, inteligente, culto, simpático. Gostava muito de ler, aliás, a gente conversava muito sobre livros, seja de história, ou de Guimarães Rosa, por exemplo“.

Ns redes sociais, outras notas de tristeza. O compositor Sérgio Santos, por exemplo, postou, no seu perfil no Facebook: “Meu amigo, estou devastado com sua partida tão inesperada e precoce. Você é uma parte fundamental de um momento muito belo na minha vida, que sempre levo comigo. Nessa hora dura que vivemos, em que escrever sobre pessoas queridas e importantes para o mundo que se vão vai se tornando recorrente, quero lhe dizer que nós todos que por aqui que convivemos com você seremos sempre testemunhas do bem que você nos deixou“. Tatá Spalla, por sua vez, escreveu: “Siga na luz com Deus“.