Jazz News

O “Horizonte” de David Feldman

Luiz Orlando Carneiro, site jornal do brasil, 15/10/2016

 

Uma lista dos mais brilhantes pianistas brasileiros de jazz em atividade, aqui e lá fora, não pode deixar de incluir o paulista-novaiorquino Hélio Alves, o niteroiense-paulistano André Mehmari e os cariocas Marcos Ariel e David Feldman. Todos eles são donos de técnica e criatividade notáveis, e não podem ser considerados, apenas, praticantes do chamado samba jazz (no qual o jazz é o substantivo e o samba o adjetivo). São músicos completos que não se contentam com a improvisação linear por sobre os acordes de base. Dedicam-se a uma “improvisação composicional” e até a composições “eruditas”, de maior fôlego, como é o caso de Mehmari.

David Feldman, 38 anos, o mais moço desses quatro pianistas, volta a esta coluna na semana de lançamento deHorizonte, o terceiro CD de uma série que se iniciou com O Som do Beco das Garrafas (2009), em trio, e prosseguiu com piano (2014), recital solo em que o título piano com “p” minúsculo refere-se ao clima predominantemente intimista da sessão.

O título do novo disco é uma referência à perspectiva do pianista de tocar cada vez mais suas próprias composições. São de sua lavra sete das 10 faixas de Horizonte, a maioria interpretada em trio (André Vasconcellos, baixo; Marcio Bahia, bateria): Melancolia (4m30), Navegar (5m35), Penumbra (4m45), Adeus (6m20), Sliding ways (7m), Tetê (5m05) e Esqueceram de mim no aeroporto (6m50).

Os títulos de uma palavra só das quatro primeiras peças acima listadas bastariam para caracterizá-las como de conteúdo melódico introvertido e de andamento rítmico na base do andante ou do andante cantabile. Mas enquanto Melancolia é realmente melancólica, fincada num tema obstinado de cinco notas, o também belo e insistente achado melódico de Navegar conduz a um irresistível solo de Feldman em tempo médio, na ginga do samba. A introspectiva Penumbra, por sua vez, é levada pelo trio em clima de film noir – bem ao gosto de mestre Ran Blake – com destaque para os efeitos percussivos do baixo de André Vasconcellos. A romântica Adeus também não dispensa a participação ativa de Vasconcelos e do baterista Bahia, que se mostram à altura do líder em matéria de engenho e arte, em constante interplay.

O veteraníssimo trombonista Raul de Souza (81 anos quando o CD foi gravado) e o violonista/vocalista Toninho Horta são convidados de David Feldman em três faixas. “Raulzinho” dá o seu recado no “sambão” Sliding ways e em Soccer ball (4m05), tema assinado por Horta, que também se alia ao conjunto. O vocalista/violonista e o pianista (sem seção rítmica) são ouvidos em Tetê, o momento menos jazzístico do álbum.

Esqueceram de mim no aeroporto – peça que, como Tetê, constou do disco solo de 2014 – é recriada pelo pianista e seu trio em magnética performance, com direito a solos intercalados do baixista e do baterista.

As faixas de abertura e de conclusão de Horizonte são, respectivamente, Chora tua tristeza (7m), de Oscar Castro Neves, e Céu e mar (7m35), de Johnny Alf (1929-2010). As duas peças são reinventadas e improvisadas pelo trio comandado por David Feldman com crescente aceleração rítmica e muita empolgação, num show de samba jazz de primeira classe.