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O Jazz no Psicodalia 2019


Esse texto é sobre o que vi no Psicodalia, enfatizando apenas o que interessa ao escopo do Clube de Jazz, como jazz, choro, bossa nova, algo de MPB, soul music.

 

Apresentação
Estive presente na 22ª edição do festival Psicodalia, o evento multicultural que se realiza durante o Carnaval na Fazenda Evaristo, localizada em Rio Negrinho, Santa Catarina. Ainda que tenham atividades diversas como cinema, teatro, tracking, performances e oficinas, é mesmo a música o atrativo das quase 6 mil pessoas que todo ano acampam na fazenda durante os dias de folia, em total clima de paz e liberdade. Foram muitos os estilos representados pelas 49 atrações programadas nos 5 dias, então tivemos rock, psicodelia, MPB, soul music, sem contar as inúmeras jams disparadas por músicos do próprio público em diversos pontos dos acampamentos bem como no galpão da praça de alimentação, sendo essa a tropa que animava até o sol raiar. E sim, tivemos jazz e instrumental de grosso calibre, o que nos motivou a contar algo sobre esta parte, foco aqui do Clube de Jazz.

Sexta – 01/03/2019

A abertura na noite de sexta  ficou a cargo do cantor Samuca e o grupo A Selva, tremenda formação paulistana de músicos que integram vários projetos como a Nômade Orquestra, que já esteve no Psicodalia. O trabalho deles se concentra no disco Tudo que Move é Sagrado, com versões bem legais de temas do compositor Ronaldo Bastos, e temas próprios de membros da banda. E logo depois nessa primeira noite se apresentou o trio do pianista pernambucano Amaro Freitas, recém chegado do exterior onde fez longa turnê, aclamado pela crítica internacional especializada. Esse monstro estraçalhou com enorme desenvoltura sua incrível mistura de ritmos  nordestinos, material de seus dois discos. O acompanham o baterista Hugo Medeiros e o baixista Jean Elton, os três já com linguagem bastante coesa, doses generosas de improviso, entregando jazz original com pitadas de suas influências das quais se apropria para emoldurar suas composições. Um acerto enorme da produção levar este grande artista!

Amaro Freitas Trio

Em seguida, sobe ao palco pela segunda vez no Psicodalia a gigante Elza Soares com seu espetáculo Deus é Mulher. Ela já tinha arrasado em 2016 com o multipremiado A Mulher do Fim do Mundo, e agora lança o novo álbum no Psicodalia, disparando a turnê internacional. Esta semana ela estará no Ecuador Jazz Festival, em Quito. Como na apresentação anterior a música da diva não se parece em nada com o que fez em sua longa carreira, a não ser a voz inconfundível e o talento incontestável da cantora, bem como versões mais atuais para temas conhecidos. Os arranjos desta fase são pra lá de atrevidos, com ritmos quebrados, guitarra e teclado dissonantes, performances teatrais dos músicos , ingredientes que cercam a cantora de um clima propicio ao domínio total sobre a platéia. Elza não deixou de dar seus recados para as mulheres. Como tem sido por onde passa, foi ovacionada.

Domingo – 03/03/2019

Pulamos para o terceiro dia, o domingo de Carnaval, dia da esperada apresentação do Azymuth, mais uma estréia no Psicodalia. Com grande empatia com o público o trio desfilou seu indefectível repertorio, azeitado em mais de 40 anos de estrada e festivais pelo mundo afora. O grupo está revitalizado desde a chegada de Kiko Continentino, que muito entusiasmado com este trabalho tem despejado toda sua criatividade nos teclados, dando fino apoio ao elegante Alex Malheiros, um mestre do baixo elétrico, e a lenda viva da bateria brasileira, Ivan Conti, o Mamão. Apresentação apoteótica e um privilégio enorme estar presente neste show. 

Kiko Continentino e Alex Malheiros do Azymuth

Pepeu Gomes concentrou sua apresentação no primeiro disco, Geração do Som, incrustado de alguns outros temas, sempre no formato instrumental como tem feito nos últimos anos. Com poderosos licks de guitarra ponteados por dedilhado característico de quem é exímio executante do bandolim e da guitarra baiana. Este importante músico incendiou o palco Lunar, á frente de um quarteto que tinha seu fiel escudeiro e irmão, Didi Gomes no baixo, seu filho Felipe Pascual na outra guitarra, Leo Costa na percussão e o batera Cesinha. O povão curtiu, dançou e vibrou quando no bis mandaram Malacaxeta , seguida de  Satisfaction, único tema em que Pepeu canta. 10 pontos!

O domingo não terminou aí. Entre as bandas desconhecidas ( para nós )  tivemos a Trabalhos Espaciais Manuais, de Porto Alegre, orquestra de dez músicos que manda uma irresistível salada musical que mistura soul, rock, funk e latin jazz num frenesi alucinante, uma proposta dançante muito elaborada, com um incendiário trio de saxes na frente, muita percussão e um balanço que não deixa ninguém parado . Ótima apresentação.

Também podemos destacar neste domingo a orquestra do cantor do Congo, Glorie Ilonde, músico e artista plástico que está radicado no Brasil por diversas atividades, desde que aqui chegou para estudar em Florianópolis. A música dele inclui dialetos africanos, francês e português e tem um tremendo manancial de ritmos afro, mesclados fortemente a balanços urbanos brasileiros. Com infernal naipe de metais e cantos de refrões dignos de astros dos rhytym & blues, foi uma bela surpresa este show.

Segunda – 04/03/2019

Na segunda, o destaque foi o bruxo Hermeto Pascoal, e seu grupo de multiinstrumentistas, dos quais brilharam intensamente o saxofonista Jota P Barbosa, o pianista André Marques, o baixista Itiberê Zwarg, o percussionista Fabio Pascoal e o baterista Ajurinã Zwarg. Como sempre, Hermeto brincou bastante com a platéia, entre as composições de diversas épocas que escolheu para montar o seu set. O interesse era tanto neste show que a impressão é de que o camping inteiro estava lá! Como sempre, Hermeto termina seu show apropriando-se das fanfarras europeias ou das rambling bands americanas: os músicos pegam instrumentos acústicos e saem do palco como num desfile final palco afora.

Itiberê, Hermto e JP Barbosa

O grupo Abayomy surgiu no Rio de Janeiro  para celebrar a música do nigeriano Fela Kuti e alcançaram tanto exito que resolveram seguir com o trabalho. Nomes importantes inclusive ex-músicos de Fela Kuti deram sua contribuição para o repertorio do primeiro disco. Com formação composta por naipe de metais, percussão, teclados, cantos afro beat e um baixo fortíssimo dando a pulsação, a música deles incendiou o Psicodalia . Foi uma intensa apresentação com muito balanço e bom gosto.

Terça – 05/03/2019

A terça começou com o set demolidor de mais uma estréia, a do grupo paulista Culto ao Rim. O quarteto instrumental formado por Gabriel Magazza no baixo, Rodrigo Passos na guitarra, Carlos Mazzoni na bateria, tendo à frente os sopros de Richard Fermino, apresentou uma música inclassificável, mas posso tentar definí-la como um jazz rock psicodelico. Muito improviso, distorções, dissonâncias e efeitos de pedais, as composições tiram o folego dos ouvintes. Variam do hard bop ao free, passando pelo experimental contemporâneo, emendando em pegadas roqueiras, a apresentação agradou em cheio quem esperava criatividade sem concessões pop, então encaixou perfeito para plateia de jazz não tradicional. Muito boa surpresa e uma proposta a ser acompanhada.

A única vez em que choveu forte no festival foi durante a apresentação do super bandolinista Hamilton de Holanda, mas isso não atrapalhou a performance do trio que inflamou o palco do Sol no fim de tarde. Acompanhado de Gutto Wirti no baixo e Thiago da Serrinha na bateria  e percussão, Hamilton desfilou um repertório variado no qual incluiu choro, samba e MPB, na roupagem própria que vem apresentando pelo mundo afora. O virtuoso musico embalou a plateia e foi ovacionado.

Hamilton de Holanda

Ainda nesta última etapa do festival podemos destacar a cantora baiana Aiace em seu trabalho solo, performance onde enfatiza sua bela voz em composições influenciadas pelas culturas afro baianas, acompanhada apenas por um duo de baixo e guitarra, com bateria eletrônica em alguns temas ou com execução de bombo leguero por ela mesma. Também é necessário registrar a apresentação da icônica banda de rock progressivo Bacamarte, apresentando seu lendário disco Depois do Fim, belas composições com climas variantes entre teclados, flautas, guitarra e cordas acústicas, com a participação especialíssima da cantora Jane Duboc em alguns temas. Belíssima apresentação.

O Psicodalia teve ainda a cantora Xenia França, com excelente banda, uma performance de muita entrega, apresentando seus últimos trabalhos influenciados pela cultura baiana mas com toques de rhytym & blues. E o público de rock se deleitou com a banda instrumental Bike , uma viagem psicodélica inspiradora . Muitas atrações não muito em consonância com o escopo do publico do Clube de Jazz também fizeram muito sucesso no evento. 

Esta 22ª edição foi muito generosa com a programação musical, e queremos parabenizar o Klauss por mais essa exitosa realização.