Entrevistas

O jazz-rock revisto pelo baterista Alfredo Dias Gomes

Montagem Alfredo Dias Gomes

Sem dúvida, a segunda metade do anos 60 revolucionou a forma de se fazer Jazz, em todos os sentidos, a improvisação livre, a mistura de ritmos e estilos e a eletrônica que chegou forte e trouxe os sintetizadores e efeitos dos pedais de guitarra. Miles Davis deu o pontapé inicial e um novo universo se formou carregando músicos tradicionais do Jazz, criando uma nova escola que se desenvolveu fortemente ao longo da década seguinte. O Jazz-Rock veio e ficou.

O baterista Alfredo Dias Gomes não esconde sua admiração pelo estilo, e nos apresenta um trabalho com novas leituras de clássicos do jazz-rock. “Looking Back”, o sexto álbum de sua discografia, traz 10 composições rearranjadas de forma muito particular, e é a oportunidade de reviver momentos que, com absoluta certeza, fizeram parte da audição dos amantes da boa música, independentemente de época.

Tony Williams, Billy Cobham e Jack DeJohnette foram os precursores na bateria do jazz-rock no grupo de Miles Davis, e são até hoje influências para Alfredo Dias Gomes, que ainda inclui na lista Steve Gadd, Alphonse Mouzon, Harvey Mason e os seus contemporâneos Dave Weckl, Dennis Chambers e Vinnie Colaiuta.

Em Looking Back, um super time está ao seu lado – na guitarra Yuval Ben Lior; nos sopros e arranjos de metais Widor Santiago; nos teclados Lulu Martin; no baixo elétrico participam Marco Bombom em Red Baron, Some Skunk Funk, Silly Putty e Spain, Rogério Dy Castro em Birdfingers, Nite Sprite, A Remark You Made e Birdland, e no contrabaixo acústico Augusto Mattoso em Milestones e 500 Miles High; David Feldman nos teclados em Some Skunk Funk e Silly Putty; Guilherme Dias Gomes toca trompete em Milestones e trombone em Silly Putty; e Serginho Trombone aparece em Birdland. No repertório do álbum, uma verdadeira escola, e os seus ídolos sempre presentes:

Birdfingers, que Larry Coryell gravou com o grupo “Eleventh House” (1975), aqui Alphonse Mouson nas baquetas;

Red Baron, original de um álbum clássico de Billy Cobham, “Spectrum” (1973);
Silly Putty traz a potência do groove que Stanley Clarke colocou em “Journey to Love” (1975), que trazia George Duke, Jeff Beck e Steve Gadd;
Chick Corea aparece em Nite Sprite, original do álbum “The Leprechaun” (1976), que também contou com Gadd nas baquetas; e Spain e 500 Miles High, ambas inseridas no fantástico “Light as a Feather” (1973), na formação do Return to Forever.

Joe Zawinul, sempre inspirador, se apresenta em A Remark You Made e Birdland, dois temas gravados com o Weather Report no não menos fantástico álbum “Heavy Weather” (1977);
e os irmãos Brecker, Randy e Michael, aparecem em Some Skunk Funk, originalmente gravado em 2003 com a WDR Big Band.
Miles Davis, o mentor de todo esse movimento, nos brinda com o tema Milestones, clássico do álbum homônimo de 1958 em seu primeiro quinteto; e aqui Alfredo faz uma interpretação com uma dinâmica que lhe é muito característica, fazendo a fusão do jazz com o funk e o rock nas acentuações do bumbo e da caixa.
Um discão.

Coloco em destaque também a guitarra de Yuval Ben Lior. Para Yuval, embarcar nesse projeto foi uma aventura musical divertida e desafiante. Usou uma guitarra custom made, amp fender com efeitos de compressão e distorção, conseguindo timbres autênticos.

ENTREVISTA

GC – A que você credita a transformação do Jazz no final dos anos 60?
ADG – Nos anos 60, o rock, bem como o R&B e a soul music, explodiam no mundo inteiro, trazendo também transformações sociais e culturais. Era inevitável que os músicos de jazz, antenados com o que acontecia à sua volta, desenvolvessem uma fusão desses estilos com o jazz. No fusion, o piano e o baixo, antes acústicos, foram substituídos pelos elétricos, a guitarra elétrica passou a se destacar como instrumento de solo e a bateria passou a ser tocada com uma pulsação mais funk-rock.

O LP de Miles Davis, Bitches Brew, de 1969, é considerado um marco do fusion. O meu vinil tá guardado até hoje e um dos bateristas que participou desse disco, Don Alias, foi meu professor de bateria. A primeira levada que ele me ensinou foi a música que dá nome ao disco, Bitches Brew. Perdi a conta de quantas vezes eu toquei junto com o disco.

GC – Como aconteceu sua descoberta com o jazz-rock?
ADG – Comecei ouvindo rock, como todo garoto de 9, 10 anos; daí fui apresentado à Mahavishnu Orchestra, que era formada por músicos de jazz como o guitarrista John McLaughlin e o baterista Billy Cobham, mas que tocavam um som que eu nunca tinha ouvido antes, com harmonias e melodias diferentes, ritmos quebrados, e eu fiquei extasiado com aquilo. A partir daí, fiquei fascinado por compassos compostos, então fui ouvir mais do trabalho desses músicos e acabei conhecendo Miles Davis, Larry Coryell & Eleventh House, Weather Report e Chick Corea.

GC – Foi desafiador idealizar um álbum com temas clássicos?
ADG – Claro que é sempre um desafio regravar músicas dos melhores artistas do mundo, mas como eu já tocava essas músicas desde sempre acabou fluindo muito naturalmente. Em algumas, como “Nite Sprit”, por exemplo, apesar de não ouvir há bastante tempo, quando fui tocar ela estava inteirinha guardada na minha memória. Aliás, essa foi a música mais prazerosa que eu já gravei em toda a minha vida.

GC – Como você pensou os arranjos do álbum?
ADG – Não tive nenhuma pretensão de fazer melhor que o original, pois isso seria impossível. Eu tenho uma concepção musical, facilmente identificável nos meus outros discos, todos autorais, em cima de solos de guitarra e sax, e de bateria, claro. Os dois solistas que estão nesse CD, Widor Santiago e Yuval Ben Lior, já tocam comigo há muito tempo e eu pensei em arranjar essas músicas para essa formação.

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