O novo brilho da arte de Sebastián Mazzalupo
Quando em 2016 estive em Buenos Aires para cobrir o Festival Internacional de Jazz, por indicação de meu amigo, o contrabaixista Juan Bayón, no dia 25/11 fui ao Espaço Cultural Julian Centeya. Quem estava lançando seu primeiro cd, “El Gran Escultor”, era o saxofonista Sebastián Mazzalupo, que além de Bayón, tinha na banda Miguel Marengo no piano e Carto Brandán na bateria. Sai de lá impressionado pela qualidade improvisativa dos músicos do quarteto bem como dos temas desenvolvidos. Agora, dois anos depois, Mazzalupo me envia sua mais nova produção: “Soles”, com a mesma formação do primeiro cd. Nada melhor que levar um pouco da sua história e arte para que seja conhecido dentro da cena e dos amantes do jazz aqui no Brasil.
Wilson Garzon – Você nasceu dentro de uma família musical? Quando se deu a sua escolha pelo sax? Porque o tenor?
Sebastián Mazzalupo – Na minha família, o único músico por hobby, era o meu avô. Na verdade, ele me deu sua estante quando comecei a tocar saxofone aos 16 anos e ainda a tenho. Em minha casa havia muita música, mas ninguém era músico. Não me lembro bem da razão pela qual escolhi este instrumento, mas sei que o tempo passava e eu estava cada vez mais comprometido com o sax. Um relacionamento que pouco a pouco cresceu e agora juntos estamos fazendo muita música e isso me deixa muito feliz. Comecei a tocar saxofone tenor, mas pouco a pouco entrei na família dos saxofones e hoje são todos igualmente importantes (como em toda família, hehe).
WG – Que saxofonistas ou músicos foram fundamentais para consolidar a sua trajetória no jazz?
SM – Primeiramente, gostaria de começar pelos meus professores, que são os que me deram a energia vital para assumir o esforço e a dedicação que essa profissão requer: Manuel Miranda, Carlos Lastra, Ricardo Cavalli, Chris Bochecha, Donny McCaslin, Joel Frahm, só para citar alguns.
Entre os músicos lendários na história do jazz acho que tudo começou com o quarteto de Keith Jarrett com Jan Garbarek; depois veio Steps Ahead, Michael Brecker, Miles Davis, John Coltrane, Ornette Coleman e muitos outros. Felizmente há uma lista interminável de músicas que foram um grande incentivo. Hoje, novas músicas estão chegando, e isso dá muito ânimo, também.
WG – Que grupo ou projetos você destacaria na cena jazzística de BA antes de gravar o seu primeiro cd, ‘El Gran Escultor’?
SM – O Quinteto Urbano foi o primeiro grupo de jazz argentino que me despertou uma grande admiração, não só pela sua música, mas pela grande trajetória do grupo. Poucos grupos de jazz argentinos tiveram tanta exposição quanto este.
Os grupos liderados pelos saxofonistas Carlos Lastra e Ricardo Cavalli também foram maravilhosos. Grandes músicos com belas propostas musicais. Destacar as propostas com música original me parece o mais importante. Músico que se atreve a criar a partir de suas idéias, tem um grande valor para mim como ouvinte.
WG – Porque o formato quarteto foi a sua escolha para ‘El Gran Escultor’? Já tinha trabalhado com Bayón, Brandán e Marengo?
SM – ‘El Gran Escultor’ foi o meu tributo à música que me ensinou a tocar standards do jazz e também de minha autoria com uma formação instrumental de grande tradição jazzística, que é o quarteto. Eu continuo estudando a tradição (do jazz) mais do que nunca e farei isso para sempre. Uma linguagem infinita, que requer um ótimo treinamento. A melhor das escolas.
Toquei com Juan Manuel Bayón (contrabaixo) e Miguel Marengo (piano) em outros projetos muito bons, mas com Carto Brandán (bateria) foi o nosso primeiro encontro musical. Eu quero deixar por escrito, o quanto esses caras contribuíram para a música, a entrega deles foi total; eles são músicos que amam música e não tenho dúvida sobre isso.
WG – As composições para ‘El Gran Escultor’ foram criadas a partir de um conceito prévio ou elas já estavam compostas?
SM – Os temas deste álbum foram escritos em diferentes momentos e em diferentes anos, eu diria. Mas sempre com a ideia de emular o formato de um padrão jazzístico. Outro fato a destacar é que nem todas as músicas têm swing e isso poderia questionar o que disse antes, mas a instrumentação e o aspecto formal, juntamente com as improvisações equilibram essa balança. Eu sempre gostei dessa coisa temporal que a música tem que ser passado, presente e futuro, tudo ao mesmo tempo.
WG – Em 2018 você lança seu segundo cd solo, ‘Soles’. Ele segue a mesma linha de trabalho do anterior ou está dentro de um conceito diferente?
SM – Minha intenção foi fazer algo totalmente diferente em vários aspectos; eu creio que formalmente é semelhante ao álbum anterior. Mas nesse, nós executamoos a música tomando muito mais liberdade. A música foi escrita para que deixasse os músicos mais soltos.
WG – Conte-nos um pouco sobre o processo de criação ou motivo (dedicada a alguém ou homenagem), de cada uma das composições desse cd.
SM – A música deste disco foi escrita em três ou quatro meses, logo quando cheguei de uma viagem de estudos. Grande parte do que escrevi foram de elementos aprendidos com o pianista Guillermo Klein em New York e aqui em Buenos Aires com o saxofonista Rodrigo Domínguez.
‘Dance’
O jogo rítmico entre a melodia e a linha de baixo foram os elementos que deram forma a este tema.
‘Viaje Infinito’
Esta composição está dedicada a Klein 100%, é um samba com camuflagem
‘Soles’
Dedicada ao saxofonista Chis Cheek, un músico que me marcou fortemente nessa viagem de estudos
‘Ruta’
Dedicada a Domínguez: foram ideias tomadas de um tema no seu cd chamado ¨Limón¨
‘La Hiena’
Leva este nome devido à mudança de carácter que tem a música de principio ao fim
‘Freeman’
Dedicado a um dos meus ídolos: Ornette Coleman!
‘Blush’
É um blues extendido em sua forma, que às vezes tem uma melodía pensada em frases de 8 compassos
‘Lamento’
Numa balada que nasceu a partir de uma tríade com movimentos de uma voz por vez, a melodia foi construída a partir da proposta harmônica.
WG – Como você está conduzindo a divulgação de ‘Soles’? Estará presente no festival de BA esse ano?
SM – O álbum foi oficialmente apresentado em maio deste ano, no Thelonoius Club e em outros espaços do circuito. Fizemos o nosso melhor para estar no festival, mas não foi possível. O álbum está disponível no site da Kuai Records, o selo onde estão disponíveis Soles e El gran escultor.Além disso, pode ser ouvido nas plataformas de streaming.
Claro, tudo isso é acompanhado por muita atividade nas redes, compartilhando momentos e convidando as pessoas a ouvir o álbum. A sessão de gravação foi filmada em sua totalidade, então de vez em quando um novo vídeo com música de Soles aparece. Você pode acessar os vídeos através do meu canal do YouTube também.Nosso objetivo é ser capaz de deixar a fronteira com a nossa música em um futuro próximo, estamos trabalhando para isso.
WG – Em relação ao Brasil, você já esteve por aqui? pretende voltar? Você participa de um trio que trabalha com a música brasileira?
SM – Eu só estive no Brasil como turista; seria um grande prazer ir tocar com músicos locais e compartilhar. Em breve isso vai acontecer, com certeza. No ano passado fiz parte de um trio chamado “Sexta Feira”, onde pude aprender algo sobre a grande diversidade musical que o Brasil tem. Foi um belo desafio que em algum momento gostaria de retomar.
Soles – Sebastián Mazzalupo | Kuai Music
Sebastián Mazzalupo – Saxofonista y compositor argentino