Para Ir: Lucio Balduini revisita a obra de Spinetta
Sem dúvida, Lucio Balduini e um dos mais talentosos músicos que habitam o criativo universo do jazz argentino contemporâneo. Depois de produzir três obras autorais (Lucecita, ‘Viento Divino’ e ‘Bosque Brillante’), em plena pandemia ele produz uma obra de peso, ‘Para Ir’, baseada no repertório de um dos maiores gênios musicais da Argentina: Luis Alberto Spinetta. Nessa entrevista ao site Clube de Jazz, Lucio nos fala um pouco sobre sua vida e obra e nos conta sobre como foi o seu processo de criação de ‘Para Ir’.
Wilson Garzon – Conte-nos um pouco sobre suas origens: sua família era musical? Como foi a escolha do violão? Você passou pelo rock antes do jazz?
Lucio Balduini – Eu não venho de uma família musical. Mas meu pai foi um grande arquiteto. Adorava vê-lo desenhar. Tinha um violão em casa que era do meu pai. Ele nunca tocou. O violão ficava guardado lá e eu o descobri quando tinha 8 anos. Naquela época, ele o tirava da bolsa e dedilhava as cordas no ar. Minha mãe me levou para a escola de música e comecei a aprender. Primeiro, conheci a linguagem musical e aos 12 anos comecei com as aulas de violão.
No começo, eu tocava blues e rock. Steve Ray Vaughan e Jimi Hendrix foram meus primeiros ídolos da guitarra. Aos 17, descobri Pat Metheny em seu álbum Bright Size Life e minha vida mudou para sempre. Escutei esse disco sem parar e tentei tocar todas as músicas e os solos. Pat Metheny se tornou meu ídolo definitivo e meu elo real com o jazz. Através de seus discos comecei a ouvir e conhecer jazz.
WG – Há quanto tempo está em Buenos Aires? Quando você lançou ‘Lucecita’ (2007), seu primeiro álbum, ele representava uma síntese do seu trabalho até esse momento (influências, composições)?
LB – Sou natural de General Roca, cidade da província de Río Negro. Cheguei em Buenos Aires com 17 anos para estudar na Escola de Música de Buenos Aires.
Não acho que Lucecita represente uma síntese do meu trabalho, mas acredito que a música contida nesse álbum realmente me motivava a desenvolver-me como artista. Assim aprendi a compartilhar e cristalizar minhas ideias.
WG – Quais são as novidades de ‘Viento Divino’ e ‘Bosque Brillante’, em termos conceituais continuam na mesma linha apresentada em Lucecita?
LB – Em ‘Viento Divino’ e ‘Bosque Brillante’, decidi incluir um quarto membro do grupo. O som da Fender Rhodes complementou o trio (guitarra, contrabaixo e bateria). Eu acredito que a ‘Bosque Brillante’ é a continuação natural do Viento Divino’ . Em ambos os álbuns há mais desenvolvimento nas composições e nesse sentido diferem de Lucecita.
WG – O projeto em cima da obra de Luis Alberto Spinetta surgiu durante a pandemia ou já era um sonho antigo? Por que você escolheu um trabalho solo?
LB – Poucos meses antes da pandemia, consegui visualizar esse disco em minha cabeça. E durante a pandemia tive a oportunidade de dedicar muito tempo a esse trabalho. É um projeto que tenho desenvolvido muito lentamente nos últimos 10 anos.
Tocar a música de Spinetta na guitarra é um belo exercício para mim. Mergulhar em sua música com tanta profundidade me deu muita felicidade. Optei por um trabalho solo porque essa música nasceu e se desenvolveu assim. Na solidão e nessa intimidade. Muitas vezes, quando tentei estender os arranjos para o grupo, senti que se diluía o que eu queria expressar através dessa música.
WG – Na sua opinião, qual é o peso e a importância de Luis Alberto Spinetta no cenário musical argentino? E como isso influenciou você?
LB – Spinetta é sem dúvida, um dos artistas mais importantes da história da música argentina. Seu legado é inestimável em minha opinião. Sua música atravessa gêneros até se tornar um gênero por si só. Quem quiser explorar o seu trabalho, tem mais de 40 álbuns disponíveis para mergulhar em um oceano infinito de sons, imagens e poesias sem fim.
Eu descobri Spinetta na minha adolescência e ele mudou a minha vida para sempre. É uma fonte constante de inspiração em minha vida. Sua música me acompanha e me ilumina todos os dias.
WG – O repertório de ‘Para ir’ é composto por oito canções. Como essas músicas foram escolhidas? Elas também estão presentes em sua ‘trilha sonora pessoal’?
LB – Sem dúvida, essas oito músicas estão presentes na minha trilha sonora pessoal. O processo de seleção foi muito intuitivo e sempre esteve em sintonia com o meu desejo na hora de ouvir e tocar essas músicas no violão.
Também devo dizer que as canções passaram por um longo processo. Meu principal objetivo sempre foi respeitar as harmonias e melodias originais das músicas. Conseguir expressar as canções apenas com um violão é um desafio técnico que envolveu muito trabalho na criação dos arranjos. Nesse sentido, não consegui adaptar ao violão algumas das músicas que tinha escolhido num primeiro momento.
WG – E quanto às gravações, elas ocorreram tranquilas? E qual foi o papel de Ernesto Snajer nesse processo?
LB – As gravações foram muito fluidas graças à grande contribuição de Ernesto, que se encarregou da produção desta obra. Sua presença no estúdio foi decisiva. Ele me aconselhou e me acompanhou em todos os momentos desse processo. Ernesto ficou encarregado de gravar, mixar e masterizar este álbum.
No primeiro dia em que cheguei ao estúdio, seu primeiro conselho foi: “O mais importante em uma gravação como essa é que você pode expressar o que quer na música. Não tente fazer a gravação perfeita. Pode ser que tenha erros, mas a música está aí e dá para ouvir: vá em frente Lúcio”.
Esse conselho que Ernesto me transmitiu foi fundamental para mim, porque tinha praticado muito a música e tinha chegado a um nível de detalhe muito minucioso. Esse conselho permitiu que eu me libertasse e me entregasse ao som e às sensações do momento. Caso contrário, teria me perdido num oceano infinito de detalhes impossíveis de capturar em uma única gravação.
WG – E em relação à divulgação, você tem shows e apresentações programadas?
LB – Em 2022 farei shows promocionais para este álbum. Trabalhamos muito na produção e na realização desse álbum. Por essa razão resolvi adiar as apresentações para o ano que vem. Eu precisava descansar e me distanciar um pouco do projeto. Estou muito feliz com o resultado final e apresentá-lo ao vivo será uma grande satisfação para mim. Eu amo a imagem do menestrel solitário que vai com seu violão tocando aqui e ali. É isso que pretendo fazer em 2022.
WG – Quais são seus projetos futuros? Como está o seu trabalho com aulas e workshops?
LB – Em 2022 irei gravar com meu grupo um novo álbum, só com música autoral. Durante a pandemia compus uma quantidade suficiente de músicas, que já estamos ensaiando e gravaremos em algum momento em 2022. Também tenho um álbum solo de guitarra elétrica para terminar e espero poder fazê-lo em 2022 também.
Nos últimos meses de 2021, pudemos voltar aos palcos e foi uma sensação muito bonita. Esperamos poder continuar a fazê-lo em 2022.
Dou aulas de violão em particular há 20 anos e também sou professor do IUPA (Instituto Universitário Patagônico de Artes). Eu amo ensinar. E me sinto muito grato por poder compartilhar e transmitir tudo o que aprendi.
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